O sociólogo Zygmunt Bauman
examinou esse assunto em A sociedade
individualizada; vidas contadas e histórias vividas. No livro aprofundou
temas tratados em outras obras aprofundando explicações e posicionamentos. Para
o sociólogo, o que cada um considera como vida boa pode possuir variações, mas
tem os contornos estabelecidos pela sociedade. Nela (BAUMAN, 2008, p. 8): “o
veneno do absurdo é retirado, pelo costume, o hábito e a rotina, do ferrão da
finalidade da vida.” É a sociedade que reconhece sentidos válidos e é ela que
exclui aqueles indivíduos cujos significados não são adequadamente
compartilhados. Por isso (ibidem):
“todas as sociedades são fábricas de significado. Até mais do que isso: são
sementeiras da vida com sentido.” O tema das buscas existenciais, fundamentais
na filosofia e na psicologia fenomenológica ganham aqui um novo contorno,
embora possamos considerá-lo responsabilidade individual, sem submetê-lo aos
contornos sociais.
O sociólogo avaliou que o
homem procura a transcendência, que o conceito representa o propósito da
imortalidade, mas isso não lhe parece que se faça, pelo menos atualmente, pelo
acolhimento de aspectos da natureza ou da cultura como em outros tempos. De
todo modo, ele avalia, esse desejo humano alimenta a necessidade de realizar
coisas que se estendam além da morte, como foi ao longo de muitos séculos. Um
bom exemplo foram os faraós e imperadores que (id., p. 303): “ordenavam que
seus restos mortais fossem colocados em pirâmides que resistiriam ao tempo e
que ninguém poderia deixar de notar; as histórias de seus feitos deveriam ser
gravadas em pedras indestrutíveis ou esculpidas em colunas e nos arcos.” Essas
figuras notáveis tornaram-se personagens de livros de História ou de outras
formas de registros. Uma outra forma de imortalidade é a família, cujo
patrimônio genético se estende de geração em geração, dando continuidade à vida
dos seus componentes. Comentou o sociólogo (id., p. 306): “de todas as
entidades supra-individuais conhecidas pelos seres humanos por sua experiência
diária, as nações e as famílias são as que chegam mais perto da ideia de
eternidade”.
Um grande problema de nossos
dias, provavelmente uma das fases mais duras de nossa crise de cultura, é que
esse significado da imortalidade não mais se encontra no Estado e na família. O
primeiro perdeu força devidos aos rumos do capitalismo financeiro e a segunda
se diluiu em nossos dias devido a relações efêmeras de cada vez mais curta
duração. Assim, as formas tradicionais de chegar próximo à imortalidade ou
permanência se esfumaçaram. Era um caminho difícil e demandava esforço. Hoje há
um número grande dos que querem alcançar a glória, mas não pelo esforço ou
dedicação ao longo da vida. A imortalidade buscada por essa massa é pela
notoriedade, passageira. Isso tem para o sociólogo relação direta com a forma
atual do capitalismo (id., 308/9): “uma sociedade de consumidores sobressalentes
e materiais descartáveis, na qual a arte de reparar e preservar é redundante e
já foi esquecida. A notoriedade é descartável e instantânea, assim como a
experiência da imortalidade.” Trata-se daquela máxima de que o importa são os
quinze minutos de fama ou o máximo impacto antes do esquecimento imediato. Isso
significa que a imortalidade agora se obtém pela fama instantânea e os
benefícios. O que importa é a quantidade de prazer vivido e o lucro obtido.
Logo, como o que importa é
tirar da vida o maior prazer enquanto se vive, o objetivo de viver é conseguir
uma vida longa e prazerosa. A atenção está concentrada no que está acontecendo,
deixando de lado o futuro, importa o happening.
Para o sociólogo, a sociedade se beneficia de ambas as formas de como esse
desejo de permanência se manifesta. No caso da busca atual, ela controla para
que o significado da vida seja realizado dentro de (id., p. 9): “objetos
verossímeis de satisfação, sedutores e dignos de confiança para instigar
esforços que façam sentido e dêem sentido à vida.” Assim, a procura pelo prazer
é estimulado se puder ser buscado pelos indivíduos dos diversos grupos, cada
qual conforme suas possibilidades e interesses.
Esse olhar para a
imortalidade sugere ao sociólogo que o propósito da atividade econômica, além
de gerenciar a escassez de recursos, é evitar que as pessoas se coloquem diante
da morte como algo real. Mesmo sem obter sucesso completo, a atividade
econômica espera adiar, ao máximo, a preocupação dos cidadãos com a morte. Por
outro lado, a economia oferece significados de vida como uma mercadoria valiosa
para todos que queiram viver e não se ocupar tanto de nosso destino real. E tem
um propósito adicional que é (id., p. 11): “acolher essa energia de
transcendência que mantém a formidável atividade chamada ordem social em
movimento; ela a torna necessária e possível.” Para Bauman, as culturas
oferecem significados e manipulam o desejo de transcendência das pessoas, que
beneficiam mais uns que outros. Quando um sentido já não é mais realizável por
qualquer motivo, a sociedade dirige a atenção das pessoas noutra direção. Como
a ânsia de transcendência é enorme, ela sempre precisa ser dirigida e acolhida
socialmente.
Um aspecto destacado por
Bauman é que as culturas reescrevem conteúdos e revisam fatos e que isso
significa um necessário desvirtuamento da compreensão original do fato ou da
explicação que tiveram. Isso foi apresentado com o conceito de articulação
(id., p. 16): “a articulação é a construção de um conjunto de relações a partir
de outro, e com frequência envolve desvincular ou desarticular conexões para
vincular ou rearticular outras.” E como a História é recontada conforme as
experiências das gerações ela vai sendo permanentemente desvirtuada. Isso se
tornou um fato frequente, embora para o sociólogo (id., p. 18): “explicações
alternativas foram buscadas, sendo encontradas em abundância na cultura de
massa; com a mídia especializada em lavagem cerebral e em diversões
baratas." Porém, pode não estar havendo propriamente um desvirtuamento,
mas uma compreensão mais ampla ou elaborada dos acontecimentos. O
desvirtuamento é uma possibilidade.
O problema nuclear do livro
e, talvez de boa parte da obra de Bauman, seja entender porque a sociedade está
se tornando um lugar de individualidades, onde o sentido da vida e outros
significados ficam sob a responsabilidade, cada vez maior, dos indivíduos
isolados. E estando sós isso é difícil de ter uma vida com sentido e
adicionalmente todo o fracasso recai no próprio sujeito. Essa realidade também
está invadindo os espaços públicos, que vêm se convertendo em lugar de
interesses privados onde dificilmente se estabelecem laços sociais.
Ótimo artigo.
ResponderExcluirMuito reflexivo, nos faz ver o invisível em nossas prioridades, o que mesmo tem valor?
ExcluirVerdade, uma sociedade individualista e totalmente egoísta.
ResponderExcluirPerfeito.
ResponderExcluirGostei muito.
Grande aprendizagem, uma leitura agradável e profunda.
ExcluirConsumidores e descartáveis, o incrível mundo que não trás esperança.
ResponderExcluirTudo muda, quando resgatamos o valor do grupo familiar, criamos laços fortes de união.
ExcluirA finalidade da vida, acredito que cada pessoa vai significar conforme suas experiências.
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