sexta-feira, 7 de novembro de 2025

ELEIÇOES NA ARGENTINA. Selvino Antonio Malfatti.

 

Poder360


O peronismo mostrava-se imbatível não só na política institucional como na cultura popular até o despontar de Javier Milei. Figura populista ao inverso arrebatou a massas através de um discurso paradoxalmente liberal libertário. O populismo geralmente floresce no aceno socialista. Javier Milei não promete nada, apenas liberdade para cada um crescer como quer. È um verdadeiro choque cultural depois de décadas de peronismo assistencialista que levou a Argentina de país rico a indigente.

Com 55 anos nascido em Buenos Aires e  licenciado em Economia pela universidade de Belgrano . Como docente ministra a disciplina de macroeconomia. Ganhou notoriedade como comentarista da política do momento de seu país. 

Ingressa na política e elege-se deputado pela província de Buenos Aires pelo partido La Liberdad Avanza até a renúncia em 2023 por ter sido eleito presidente.

A Argentina, parceira do Mercosul, entre os quatro maiores países da América do sul - Brasil, Argentina, Peru e Colômbia - ocupa o segundo lugar.

O presidente da Argentina, Javier Milei define-se como um liberal libertário. Admirador da escola Austríaca de economia defende a abolição do Estado substituído pelo sistema de livre mercado e a organização social seria resultado da interação entre os indivíduos. Apresentou-se ao eleitorado com propostas inovadoras como extinção do banco central, dolarização da economia, privatização das estatais e implantação de vouchers para educação e saúde.

Com a bandeira de um imediato combate à inflação e aproveitando a rejeição ao kirchnerismo, bem como apoio de Donad Trump, obteve significativas vantagens eleitorais nas legislativas de outubro último. Em que pese as eleições serem para o legislativo, o que estava em cheque era o executivo liderado por Milei. Dois anos de governo já dava para ver o resultado se sua administração e por isso obteve 40% dos votos. Tirou cadeiras de todos os partidos menos do partido “Províncias Unidas”, uma minoria. Com isso consolidou-se. Seu partido não teve maioria absoluta, mas relativa sim. Terá que negociar com outros partidos, mas basta com um deles.

Os argentinos tinham diante de si os resultados positivos do programa liberal de Milei, qual seja, a redução radical da inflação que caiu 94 pontos, de 300% para 117%. Com este resultado consequentemente a pobreza também diminuiu e a classe média, fator de equilíbrio também cresceu. Evidentemente não foi um resultado conseguido de si mesmo, mas com a ajuda do Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Não é demérito aceitar ajuda internacional, ao contrário, reflete confiança por parte dos organismos internacionais.

Para concluir seu programa nos dois anos que lhe restam do mandato, 2027, terá que desregulamentar o mercado de trabalho e efetivar a reforma tributária tarefa facilitada pelo apoio dos partidos de direita e centro-direita. Somente se conseguido isto, a Argentina ingressará no rol dos países avançados,  ao status de moderno no estilo europeu.

 


sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Identidade em tempos líquidos. José Mauricio de Carvalho

 



Tivemos oportunidade de indicar que um aspecto da crise de cultura que estamos passando decorre da insuficiência da subjetividade cartesiana para representar a realidade humana em meio às mudanças recentes na sociedade. E esse é um assunto fundamental pois (BAUMAN, 2005 b, p. 74): “a essência da identidade responde à pergunta quem sou eu e, mais importante ainda a permanente credibilidade da resposta que lhe possa ser dada.” Sabemos que muitas descobertas relativamente recentes afetaram a percepção inicial de René Descartes para quem, a resposta à indagação quem sou eu, foi que sou uma coisa que pensa. E, devido a essa conclusão ou intuição, a subjetividade tornou-se a base de nossa existência no mundo, vida pensada como espaço de liberdade e finalidade do espírito em meio a um mundo natural determinístico. E a subjetividade se definia por construir juízos (DESCARTES, 1987, p. 54): “a respeito de coisas que lhe são clara e distintamente representadas pelo entendimento.” E de todas as proposições evidentes a mais verdadeira e basilar era a concebida na quarta parte do Discurso do Método (DESCARTES, 1987/1988, p. 47): “eu penso, logo existo.” Toda a argumentação cartesiana se tornou insuficiente com as descobertas da psicanálise e especialmente pelos contributos fenomenológicos a respeito do papel fundamental das circunstâncias entorno ao eu, como explicou Ortega y Gasset nas suas Meditaciones del Quijote. 

O assunto tornou-se relevante porque mesmo os ajustes contemporâneos da psicanálise e fenomenologia passaram a ser insuficientes para tratar a subjetividade devido ao esfacelamento de instituições que contribuíam para oferecer identidade ao indivíduo ou lhe ofertavam segurança nesse entendimento, de tal modo que o pertencimento a qualquer delas (família, clubes, classe, etc.) hoje em dia, não garante muita coisa. Deixados à própria sorte essas pessoas sentem-se abandonadas e incapazes de encontrar um caminho razoável por conta própria para considerar seu modo de ser no mundo. Uma situação incômoda porque (BAUMAN, 2005b, p. 53): “feridos pela experiência do abandono, homens e mulheres desta nossa época suspeitam ser peões no jogo de alguém, desprotegidos dos movimentos feitos pelos grandes jogadores.

O problema da subjetividade foi aproximado da identidade num livro com esse nome (id., p. 50): “houve um tempo em que a identidade humana de uma pessoa era determinada fundamentalmente pelo papel produtivo desempenhado na divisão social de trabalho, quando o Estado garantia (...) a solidez e durabilidade desse papel.” E havia outras referências para ajudar nessa tarefa, como o sociólogo comentou, elas ajudavam cada pessoa a se situar e descobrir um caminho para viver quando (id., p. 37): “lugares em que o sentimento de pertencimento era tradicionalmente investido (trabalho, família, vizinhança) estão indisponíveis e dignos de confiança.” E isso tornou-se um problema (id., p. 30): “quando a identidade perdeu as âncoras sociais que a faziam parecer natural, predeterminada e inegociável, a identificação se tornou cada vez mais importante para o indivíduo. Assim, em nossos dias (id., p. 17): “pertencimento e identidade não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis.” Logo, os caminhos assumidos no decorrer da vida não asseguram uma direção, nem um lugar, nem segurança, pois podem ser revertidos a qualquer momento.

A identidade como objeto de estudo ganhou destaque nos últimos anos, antes não fora tema da ciência sociológica. E um dos motivos disso é que ela deixou de ser pensada nos moldes da modernidade e se tornou um processo de construção sem final previsível e permanente. O nascer numa classe, por exemplo, não assegura o contínuo pertencimento a ela. O atual processo de construção da identidade tem resultados imprevisíveis (id., p. 54): “a imagem que deverá aparecer no fim do seu trabalho não é dada antecipadamente, de modo que você não pode ter certeza de ter todas as peças necessárias para montá-la.” E há um outro aspecto a se destacar no estudo do sociólogo, a construção da identidade equivale a avatarização. E, por isso, é fundamental entender o que é propriamente um avatar.

No sentido utilizado por Bauman, um avatar, é uma representação digital ou iconográfica de um usuário, como ocorre nos jogos ou nas redes sociais. Esse assunto também foi considerado em O elogio da literatura. Naquele livro o autor tratou de um personagem, uma imagem ou uma representação qualquer da vida social como um jogo que pode ser reiniciado a cada momento, sem compromisso com o que foi feito no anterior. Trata-se de um processo vital que pode ser recomeçado a qualquer tempo, zerando o que se passou anteriormente. Não é como a encarnação feita de uma vez para sempre numa família, comunidade e tempo (BAUMAN, 2020, p. 106): “mas um princípio capaz de acontecer diariamente, hora a hora; esse de ocorrência é, ademais, eminentemente adequado à multitarefa.” Essa seria a característica da identidade nesses tempos líquidos.

A avatarização, ao contrário da noção de identidade moderna, é um outro modo de viver as escolhas e engajamentos numa comunidade, pois sempre é possível voltar ao ponto de partida e reiniciar a história singular, sem que os aspectos anteriores sejam considerados. Ou ainda e creio que é possível pensar em algo como no filme Avatar (de 2009) em que se deixa o que somos entre parêntesis e se emprega identidades substitutas para viver. De tal modo, que em ambos os casos (id., p. 107): “elimina-se a gradual maldição da finalidade e do caráter consequencial das escolhas, decisões, engajamentos e empreendimentos; acabando com escolhas fatídicas e mantendo a trajetória da pessoa a uma distância segura dos pontos de não retorno.”

Feito isso, eliminam-se os riscos das decisões sérias e definitivas, porque as opções podem ser novamente feitas num novo momento e outra vez vividas com a reedição do avatar. Daí (id., p. 109): “uma infinidade de escolhas em oferta, a insaciabilidade do desejo por novos começos e o sonho de nascer de novo hoje se combinem para constituir o maior pêndulo da economia consumista.” Dito de outro modo, deixamos a identidade moderna e sua estrutura sólida para viver como um avatar, um outro de nós que não se fixa a nada. E (id., p. 109): “avatares satisfazem nossos desejos fantasiosos de nos tornarmos outra pessoa em outro lugar.” A pessoa assume outra nacionalidade, gênero, raça ou religião e passa se reconhecer dessa forma. A noção sociológica da identidade fornece elementos para mudar a forma como a pessoa se reconhece, vive seus papeis, valores, crenças e memórias. A identidade social, que é o cerne da exposição de Bauman, modifica a identidade psicológica e mesmo a filosófica.

Uma outra forma alegórica de representar essa maneira fluída de viver a identidade e transitar de uma à outra é o karaokê, que é um jogo em que a pessoa assume personalidades diferentes à medida que canta as diversas músicas tocadas num aparelho. Trata-se de cantar uma versão da canção de alguém (id., p. 110): “canção de quem? Não importa ... o importante é cantar.” O que conta é a performance de cada novo momento, sem que seja preciso pensar no movimento anterior. Nada será feito de forma profunda ou com sentido duradouro.

Uma forma específica de identidade é a nacional, descrita por Bauman no seu livro de 2005b. Trata-se de uma construção eminentemente moderna, associada à criação do Estado Nacional e frequentemente pouco considerada pelas pessoas de uma determinada região que nunca se colocaram o problema de pertencimento a um grupo bem mais amplo do que aquele próximo de sua experiência. Antes esse assunto era pouco relevante, pois (BAUMAN, 2005b, p. 25): “sua forma de estar no mundo eliminava a questão da identidade (nacional).” E a identidade nacional tinha uma característica específica porque ao contrário de outras exigia exclusividade. E mesmo outras identidades sociais possíveis dependiam da confirmação ou endosso das autoridades do Estado. Nesses termos (id., p. 28): “ser indivíduo de um Estado era a única característica confirmada pelas autoridades nas carteiras de identidade e nos passaportes.”

Em tempos líquidos, onde os poderes do Estado encontram-se diminuídos, a procura pela identidade nacional (id., p. 35): “vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo.” Contudo, num ambiente internacional instável a busca de identidade é uma tentativa de enfrentar a ansiedade de se sentir sem vínculos. E, nesse mundo em transformação, há de se mencionar que há identidades nacionais melhores e outras nem tão boas. Essas últimas, das quais não é fácil se livrar (id., p. 44): “esteriotipam, humilham, desumanizam, estigmatizam.” E, além dessas, há o que o sociólogo denominou identidades de subclasse, isto é, aquelas que tiram o valor da individualidade como: sem-teto, mendigo, mãe solteira, viciado ou ex-viciado em drogas que o sistema procura manter sob vigilância e controle.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA. Selvino Antonio Malfatti

 

                                         Imagem "Corriere", cultura.



O escritor húngaro László Krasznahorkai ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2025, tem uma obra caracterizada por um estilo modernista, com romances longos e narrativas que exploram a alienação e o desespero apocalípticos frequentemente ambientados em cenários de desintegração social com estilo marcado por frases longas e parágrafos extensos, abordagem que o crítico considerou como "realidade examinada até a loucura" cujos temas preferidos é a condição humana e a fragilidade do tecido social amalgamado pelo final do comunismo refletido no mais expressivo romance Sátántangó.

Diz ele que na longínqua Idade Média, no meio de ruelas e imensas catedrais buscando nuvens do céu nasce algo novo que até então nunca fora visto nem nos antigos gregos e romanos, nem no Egito ou Babilônia, muito menos no oriente do Nobre Caminho Óctuplo ou Tao nada se compara ao rebento novo medieval chamado de Amor, mas não qualquer amor e sim, o Amor, aquele mais puro que até então ninguém sonhara nem mesmo Salomão no Cântico dos Cânticos o amor de Dante por Beatrice como poderia ser Dulcineia para Cervantes, Shakespeare a Julieta e em Camões uma deusa do amor este amor surgiu lentamente, invadiu os corações dos Cavaleiros e trovadores que cantavam seu amor pela amada, um amor cortês que despertava paixão e devoção, eros e castidade, a presença da mulher perante o homem e o homem perante a mulher que queriam se tocar  sem se tocar, amar sem se amar, ficar longe de quem queriam perto por que queriam o que não queriam e por que queriam o que não queriam?

Havia outro amor mais puro, sublime que atingia os corações dos “poverellos” mendicantes de compreensão mais que de pão que cantavam loas ao Senhor desde o amanhecer ao por do sol abraçando a todas as criaturas como irmãs desde o sol até a morte, provocando a ira dos que não suportavam tanta radicalidade que era impossível viver este amor no mundo mundano, pois batia com todo bom senso e por isso era insuportável a qualquer um menos com o portador deste amor o qual impunha o despojo de tudo, de tudo que não fosse amor e ficar só com o amor, estes dois amores conviveram, mas nunca se encontraram, pois o primeiro amor, o amor pela amada foi vitorioso e o segundo amor, o amor ao Senhor, refugiou-se nos conventos e os dois amores ainda existem como um desejo ideal e prática nas palavras do autor:

“Uma revolução radical em um mundo que continuou sempre sob os vapores vazios dos ideais, sensação de que entre dois corpos ainda pode haver um vestido no meio, que entre dois corpos ainda pode haver uma aldeia no meio, que entre dois corpos ainda pode haver nove paragens de eléctrico no meio, que a pessoa que eu quero está na Lua, enquanto eu estou aqui na Terra, porque é completamente intolerável que entre a carne e a fome ainda possam intrometer-se um garfo e uma faca”.


sexta-feira, 17 de outubro de 2025

O MUNDO SERÁ DOS POBRES. Selvino Antonio Malfatti.

 



A taxa de fecundidade no mundo e no Brasil caiu drasticamente nas últimas décadas. No Brasil cerca de 6,2 filhos por mulher em 1940 para cerca de 1,7 em 2020. Observou-se também que há correlação entre a renda per capita da mulher e natalidade.

Diante desta constatação alguns já preveem: “O mundo será dos pobres”. Esta constatação não é uma expressão de efeito moral de político querendo projetar o futuro, mas de uma realidade com tempo previsto para acontecer pelas projeções demográficas. Argumenta-se que os ricos e classe média não querem mais filhos - um, no máximo dois, – enquanto os pobres de quatro para cima. Neste contexto não precisa ser bom em matemática para prever o resultado. O tempo dos ricos está com os dias contados.

As variantes de que os pobres dominarão o mundo se expressam de outras formas. “Os imigrantes orientais tomarão o ocidente”. Sempre mais e mais japoneses, chineses, africanos entram no ocidente. A lógica é a mesma dos pobres. Os imigrantes têm alta taxa de natalidade e os ocidentais, baixíssima. Logo será maioria.

“Os muçulmanos tomarão a Europa”. O raciocínio baseia-se também na natalidade. Os cristãos têm atualmente uma taxa de natalidade a mais baixa desde a Segunda Guerra Mundial. Não demorará que os muçulmanos serão maioria no ocidente, mormente na Europa.

Os ocidentais são pluralistas com outras confissões, enquanto estas são exclusivistas. No futuro as exclusivistas se imporão e dominarão as demais.

Que “o mundo será dos pobres” não é uma profecia ou predestinação, mas há dados que comprovam. Tem a seu favor pesquisas empíricas. Observa-se que nas últimas décadas, países ricos e camadas médias urbanas reduziram drasticamente as taxas de crescimento populacional. Grande parte da Europa, da América do norte e regiões desenvolvidas da Ásia a taxa de reposição populacional não ultrapassa a 2,1 filhos por mulher. Por outro lado, países pobres e camadas populares dentro desses países possuem uma fecundidade de 3 a 5 filhos por mulher.

Especialistas preveem, em longo prazo, alterar a balança demográfica do planeta. Se os grupos de renda alta e média se mantiverem na proporção de poucos filhos ao envelhecerem se reduzirão. Em contrapartida, as populações mais pobres, mesmo perdendo em taxas de sobrevivência, continuarão subindo numericamente. Organismos internacionais projetam até 2100 que mais da metade da população mundial estará na África e na Ásia.

Por ser maioria o estrato mais pobre da população não significa que automaticamente deterá o poder e terá a riqueza em suas mãos. Isto porque nem todos serão ricos. Haverá uma camada que sempre se sobressairá, mesmo que venha da classe mais pobre ou de imigrantes. Elite econômica da América pode servir de exemplo: Howard Schultz, Larry Ellison, Oprah Winfrey, Ralph Lauren e George Soros foram pobres e se tornaram ricos. Por sua vez Tebet, Haddad, Boulos, Feghali, Temer são políticos filhos de imigrantes de sucesso no Brasil.

Isto quer dizer que a escala social está aberta que pode ser galgada com políticas públicas, esforço e capacidade pessoal.

Vê-se, portanto, que a demografia, sozinha, não determina a distribuição de poder econômico. Países que reduzem a natalidade cedo associada a investimentos educacionais por um tempo, colhem um “bônus demográfico” (mais trabalhadores do que dependentes) que favorece o crescimento econômico. Já os países que permanecem com altas taxas de fecundidade podem ter dificuldades em transformar essa massa jovem em desenvolvimento se não investirem em capital humano. Portanto, o “mundo dos pobres” será numericamente maior se desleixarem o humano, mas econômico-humano melhor se baixar a taxa de natalidade com elevado nível educacional.

 

 

 


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

SER PROFESSOR. Selvino Antonio Malfatti

 




Falo da profissão de professor. Como sou, podem pensar que é antiético opinar sobre o próprio trabalho. Com razão pensar que expressa opiniões distorcidas tanto positivas como negativas sobre sua atividade, mas também se opina que tem mais conhecimento prático sobre o que fala.  Assim atrevo-me externar o que o penso.

O professor traz a renovação. Diante dele estão jovens e crianças oriundas de um ambiente. A ele cabe fazê-los crescer, isto é, fazê-los sair de seu daquele meio e levá-los para um nível superior, ser guia para a vida. Certo, bebeu de uma nova fonte de saber, diferente daquela de seus pais. Apresenta-se como um líder genuíno, ele próprio um novo modelo.

Um professor é um agente de inovação. Inserido num ambiente às vezes hostil transformá-lo-á através de conteúdos novos, ideias arrojadas, exemplos arrebatadores. Personalidade determinada e firme, convicta de que este é o caminho. Já preparado para ser renovação mesmo assim se auto renova a cada momento. Mantém-se firme, resiliente,  compreensivo, sereno, ouvinte e decidido. Depois de si aquele meio nunca mais será o mesmo.

Age com autonomia e a promove. Determinação em promover a paz no meio mais hostil. Aplica a maiêutica:  questiona, raciocina, argumenta, até o interlocutor descobrir a verdade. Aceita a ideia do outro for melhor. Não se agarra a seus próprios argumentos ou se fecha a outras opções. Ensina duvidar até que a própria dúvida seja solução. Conduz os alunos fora da caverna do não saber, para a luz da consciência. Ensina que o dever é pelo dever e não pelo prazer.  Busca o que está escondido em si e o desvela.

O professor tem consciência de que ele é fruto de uma cultura e seus alunos de outra. Atua, por isso, como mediador acolhendo o que traz de espontâneo e leva-a ao sistemático. Aproveitar a herança cultural para transpor outro patamar. Não correr escada a cima e convidar o aluno a ascender, mas dá a mão para subir com ele.

O verdadeiro cidadão é o que é cidadão, isto é, o que trata seus pares com respeito, solidariedade, justiça e responsável. O professor é madrinheiro, age ético, sereno, mesmo  não é correspondido e hostilizado, humilhado.

Quem a alma mater do professor? Primeiramente a família. Ele nasce, educa-se dentro de um ambiente recebe as primeiras orientações dos pais. Em seguida enfrenta a escola, primária e secundária, adquire os fundamentos e para a vida: ler e escrever, os básicos da educação cívica. E a terceira, a universidade, a alma mater de sua vida. Esta não é uma sociedade anônima, nem uma casa de moeda. Os alunos não são usuários ou clientes que adquirem um serviço. São personalidades em construção com a comunidade universitária. A universidade é um laboratório onde todos trabalham para si e para os outros. O material meio e fim é cada um, aluno ou professor. Constroem-se na pessoa e no profissional futuro.

Um dos aspectos esquecidos da universidade é preparar dirigentes mais preparados que os anteriores. A universidade não é para adestrar funcionários, mas construir lideranças criativas que levarão adiante o arcabouço social competente e atualizado. Sem repetir o passado, nem saltar lá na frente.

 

 

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A desumanização da sociedade, cem anos depois da obra orteguiana .José Mauricio de Carvalho




O fenômeno que Ortega y Gasset observou no campo da estética e descreveu há um século em La deshumanización del arte parece aos olhos de hoje parte de algo mais amplo e complexo. Não significa que as análises sobre suas concepções estéticas feitas até aqui sejam inadequadas. A questão é outra. Cem anos depois da publicação daquele livro podemos dizer que o que ele vislumbrou era mais que a desumanização da arte, mas uma espécie de desumanização da vida social ou da cultura ocidental. O pensamento moderno e sua confiança na razão levou a impasses e dificuldades, o que se tentou arrumar mencionando aspectos não racionais na vida humana com o instrumental psicanalítico ou com a ênfase na razão vital, como fizeram Ortega e seus discípulos. Porém vivemos hoje uma circunstância mais complexa.
A herança moderna e mesmo sua atualização no século passado com a tríade constituída pelo neokantismo e as filosofias de Emmanuel Lévinas e Hannah Arendt indicava que a escolha moral significava, acima de outras coisas, diferenciar o que é bom do que não é e reconhecer a responsabilidade que temos na prática do bem e na recusa do mal. Isso significa não ser indiferente com os outros e nem faltar aos compromissos com a humanidade (pauta ambiental, direitos humanos, respeito à pessoa humana). E há ainda um problema adicional que é transcender a linha entre os que merecem respeito e os outros que não, enfim, passar a fronteira entre o nós e o eles, o que limita a escolha moral. Quando se perde a referência moral as relações humanas abrem caminho para a desumanização, com a exclusão de seres humanos, com relações líquidas como as descritas por Zygmunt Bauman, com o descaso com valores que foram reconhecidos e justificados durante séculos pelo mundo ocidental. Portanto, o livro orteguiano vislumbrava a aurora de mudanças muito mais complexas do que aquelas que ele descreveu. E essas mudanças pedem hoje dos intelectuais uma resposta porque seguir nessa direção, na desumanização da vida, não nos vai levar a um bom destino. O que já estamos vendo acontecer?
O resultado das mudanças operadas na sociedade pelo fenômeno da globalização e pelas escolhas das gerações atuais, conceito que Bauman tomou de Ortega y Gasset como mencionou em A arte da vida (p. 78), não conseguiram conversar com a transmutações que estão ocorrendo na sociedade. As últimas gerações já não percebem bem seu lugar no mundo e nem sabem conversar com o melhor do passado. O resultado foi o surgimento de um homem-massa, um tipo médio cego por interesses imediatos, egoísta ao extremo, ansioso, hedonista, materialista ou limitado por uma visão empobrecida do sagrado, um homem que se distanciou dos valores ocidentais, recusando a racionalidade e cultivando a intolerância, antidemocrata muitas vezes e ignorante da tradição humanista que formou o esqueleto da cultura ocidental.
Adelmo José da Silva
Belo texto, Mauricio, parabéns.
Bruno Cunha
É muito interessante notar como que não apenas Ortega ou Bauman, mas também outros como Horkheimer, Heidegger etc, perceberam a crise da razão e a perda do fundamento objetivo como fonte e origem da crise do século XX. E como isso segue basicamente a mesma direção, apesar da grande diferença dos contextos, no século XXI.

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