sexta-feira, 28 de março de 2025

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CIENCIA E TECNOLOGIA. Selvino Antonio Malfatti

 






Centro Europeu de Pesquisas Nucleares - Cern

A ciência é ético-moralmente neutra. Seu mau uso, voluntário ou não, pode casar consequências más. Exemplos históricos que comprovam a má aplicação científica e causou resultados maléficos para a humanidade.

 

1.   Bomba Atômica (1945) – A descoberta da energia nuclear foi um marco científico. A aplicação para fins bélicos causou a matança de milhares de pessoas, sem mencionar os malefícios indiretos e diretos ao ambiente para humanos, animais e vegetais.

2.   Experimentos médicos nazistas (1933-1945) – Médicos fizeram experimentos humanos provocando sofrimentos indescritíveis aos pacientes.

3.   Projeto MKUltra (1950-1970s) experimentos com drogas causaram danos psicológicos irreversíveis e a Guerra Química e biológica causaram destruição em massa. 

4.   Eugenia e esterilização forçada – No início do século XX. Muitos países, Estados Unidos e Alemanha realizaram experimentos utilizando conhecimentos científicos com o fim de obter a eugenia da raça. A consequência foram os efeitos indesejados violando os direitos humanos.

A denominada evolução ou progresso da humanidade só existe como abstração. A Humanidade não avança uniformemente, mas retrocede ou avança não como um todo, mas por etapas e em partes. E mesmo dentro de uma época ou espaço há disparidades entre grupos. E no interior do grupo os indivíduos diferenciam-se uns dos outros. De modo que se quisermos chegar a uniformidades do progresso e etapas de uma sociedade devemos esperar que todos cheguem ao estágio convencionado para só depois avançar para a etapa seguinte. O mais prático e natural que cada comunidade siga seu próprio destino no tempo e lugar que estiver.

Esperaremos os nômades do deserto, os silvícolas da Amazônia, os habitantes das montanhas chegarem ao domínio da inteligência artificial para depois avançarmos? Mesmo neste período próximo temos desvios  terríveis: a chacina da praça Tahir, os tumultos do Capitólio,  e ainda o que está por vir ou acontecendo.

Convenciona-se de quem está atualmente no topo do desenvolvimento científico é quem possui o domínio da IA. E quem está no estágio da IA? Podemos dizer que a maior parte da Humanidade, devido à globalização que disseminou a IA alcançou este estágio. Se aceita-se também que há líderes científicos de ponta em toda parte . Com centros de pesquisas e tecnologia que alavancam o desenvolvimento entre os quais despontam Estados Unidos, China, Reino Unido e União Europeia. De um modo geral a Europa e Estados Unidos estão na ponta pelo ocidente e China pelo oriente

O progresso moral acompanhou a evolução científica e tecnológica. Os gregos dividiram os homens em gregos e bárbaros. Os romanos em cidadãos romanos e outros. A igreja medieval em cidade de Deus e dos homens. Na modernidade a mais elaborada teoria de Augusto Compte: teológico, metafísico e científico. Saímos da penumbra da modernidade ufanos com a descoberta da lei moral de Kant e logo em seguida em nome da própria norma Adolf Eichmann condena à morte seis milhões der pessoas.

De um modo geral o critério do progresso foi o domínio científico e tecnológico. Pena que nem sempre foi precedido pelo progresso ético-moral. Isto faz sentido, pois na Idade Moderna um pequeno país, insignificante no tamanho, Portugal, estava na ponta da civilização. Dominava por excelência todas as áreas do saber: astronomia, matemática, astrologia, navegação, artes, arquitetura, filosofia, teologia e outras mais. Seu saber e tecnologia dominou o mundo.  Atualmente foi superado e não é expoente de IA e por isso não mais desponta como líder de desenvolvimento científico e tecnológico.

No entanto, a chegada da IA trará problemas para a sociedade. Dentre os muitos que advirão será o desemprego. A IA vai substituir muita mão de obra atual por outra. O problema esta na mão de obra que se preparou ou está exercendo a qual a IA preencherá. Alguém que se preparou para determinados serviços no futuro não existirão mais as vagas. Poderíamos elencar dezenas e dezenas dessas profissões atuais não que serão extintas, mas exercidas por não humanos. A regra geral de seu alvo são as atividades repetitivas e com regras. Um professor ou um psicólogo dificilmente serão totalmente substituídos. Um conferidor de dados quase cem por cento será substituídos. A própria IA aponta para as profissões alvo de substituições.[i]



[i]

“1. Atendimento ao Cliente e Suporte Técnico

Chatbots e assistentes virtuais já estão substituindo atendentes humanos em diversas empresas.

2. Caixa de Supermercado e Bancário

Com autoatendimento e pagamentos digitais, a necessidade de caixas humanos está diminuindo.

3. Telemarketing

Bots de voz e IA conversacional tornam as chamadas automatizadas mais eficazes.

4. Digitadores e Operadores de Entrada de Dados

Softwares de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) e automação de processos eliminam a necessidade desse trabalho manual.

5. Revisores de Texto e Tradutores

Ferramentas como DeepL e Google Translate estão melhorando e reduzindo a demanda por profissionais humanos.

6. Analistas de Crédito e Corretoras de Seguros

Algoritmos de IA já avaliam crédito e sugerem seguros com base em grandes volumes de dados.

7. Motoristas de Táxi e Caminhoneiros.Carros autônomos ameaçam essas profissões no futuro.

8. Trabalhadores de Fábrica e Operadores de Máquinas

A automação industrial e robôs já estão substituindo operários em fábricas.

9. Repórteres de Notícias Simples

A IA generativa pode criar artigos básicos sem intervenção humana.

10. Analistas de Dados e Contadores Tradicionais

Algoritmos são capazes de processar grandes volumes de informações e gerar relatórios financeiros automaticamente.

Profissões Menos Ameaçadas

As carreiras mais seguras envolvem criatividade, empatia e resolução de problemas complexos, como médicos, psicólogos, professores e engenheiros especializados. “(IA - ChatGPT Plus)


“1. Atendimento ao Cliente e Suporte Técnico

Chatbots e assistentes virtuais já estão substituindo atendentes humanos em diversas empresas.

2. Caixa de Supermercado e Bancário

Com autoatendimento e pagamentos digitais, a necessidade de caixas humanos está diminuindo.

3. Telemarketing

Bots de voz e IA conversacional tornam as chamadas automatizadas mais eficazes.

4. Digitadores e Operadores de Entrada de Dados

Softwares de OCR (Reconhecimento Óptico de Caracteres) e automação de processos eliminam a necessidade desse trabalho manual.

5. Revisores de Texto e Tradutores

Ferramentas como DeepL e Google Translate estão melhorando e reduzindo a demanda por profissionais humanos.

6. Analistas de Crédito e Corretoras de Seguros

Algoritmos de IA já avaliam crédito e sugerem seguros com base em grandes volumes de dados.

7. Motoristas de Táxi e Caminhoneiros

Carros autônomos ameaçam essas profissões no futuro.

8. Trabalhadores de Fábrica e Operadores de Máquinas

A automação industrial e robôs já estão substituindo operários em fábricas.

9. Repórteres de Notícias Simples

A IA generativa pode criar artigos básicos sem intervenção humana.

10. Analistas de Dados e Contadores Tradicionais

Algoritmos são capazes de processar grandes volumes de informações e gerar relatórios financeiros automaticamentes.

Profissões Menos Ameaçadas

As carreiras mais seguras envolvem criatividade, empatia e resolução de problemas complexos, como médicos, psicólogos, professores e engenheiros especializados. “(IA - ChatGPT Plus)

 


 

sexta-feira, 21 de março de 2025

Refletindo sobre a pós-modernidade. José Mauricio de Carvalho

 



Co-autor de Estado de Crise, livro que escreveu com Zygmunt Bauman, o jornalista e sociólogo Carlo Bordoni destacou, de modo diverso dele as mudanças em curso. Ele viu um rompimento com a modernidade, destacou a mudança dos compromissos que o Estado fez com o cidadão (id., p. 71): “de salvaguardar sua saúde, seu direito ao trabalho, serviços essenciais, segurança social, aposentadoria e vida na velhice.” Isso entre outras tantas coisas que se procurava assegurar. Tudo isso foi desmontado: a segurança no trabalho, sistemas públicos de educação e saúde pública de qualidade, a aposentadoria sofreu mudanças, vieram as críticas ao subsídio no desemprego, etc. As expectativas de segurança social foram deixadas de lado. E assim, nesses novos dias cada qual fica cada vez mais responsável por si, por sua saúde, provento, educação, segurança, etc. É claro que a redução do Estado social e de seus compromissos com a população deixa em pior estado aqueles que são socialmente mais frágeis. E conclui assim (id., p. 75): “a crise não está atingindo somente a Europa e não é somente econômica. Trata-se de uma crise profunda de transformação social e econômica, que tem raízes no passado.” Até aqui não se distanciou da análise de Bauman, mas na sequência sim.

As leituras dos dois autores são completares. Enquanto Bordoni diz que temos um tempo que rompeu com a modernidade e avança noutra direção, Bauman avaliou as mudanças mais no sentido consagrado pelo filósofo francês Lipovetsky de compreender a atualidade como hipermodernidade, não propriamente como um deixar para traz tudo quanto foi moderno, mas como uma exacerbação da modernidade. Fica evidente nessa interpretação a proximidade com as teses do francês autor de “Os tempos hipermodernos”, livro feito em co-autoria com Sébastien Charles.

Quanto a Bordoni, ele considerou a pós-modernidade um período de transição para um novo tempo, seria o início de algo novo, mas que já se concluiu. O que ele denominou propriamente com esse conceito foram os acontecimentos dos últimos trinta anos do século passado. Nele viveu-se (id., p. 95): “entusiasmos e ilusões, que se impôs no campo da arte, orientou a filosofia, revelou a fragilidade das ideologias e pôs o indivíduo a nu.” Sendo momento de passagem deixou um vazio de valores à espera da construção de um novo modelo ético. Nesse período ocorre uma mudança no estilo arquitetônico, onde se busca recuperar elementos e ornamentos sofisticados, mas não é só uma mudança na arquitetura, ela afetou desde as práticas econômicas a outros aspectos da cultura. O conceito foi (id., p. 97): “adotado em outros campos e usado (às vezes de forma imprópria) para classificar uma mudança nos costumes ou nas práticas quotidianas.” No entanto, tanto a modernidade como o tempo pós-moderno ficaram para trás nos últimos anos. Não se trata de um detalhe semântico, mas da presença de características novas. Assim o que se chamou pós-moderno é a porta de entrada de um novo tempo que ainda não temos uma palavra exata para descrever. Esses dias mostram a mudança para uma sociedade que regressou (id., p. 101): “à situação da lei da sobrevivência do mais apto, do mais esperto, na qual vence o mais ávido; perde-se nela a certeza dos direitos (...) nela prevalece o consumismo cego, sem levar em consideração os recursos do planeta.” Temos uma avidez pelo consumo que deve ser obtido de qualquer forma e gozado sofregamente. 

A leitura de Bordoni considerou o processo de transição e sofrimento causado pelos ajustes atuais como próprios da transição. Para explicitar esse fato comparou o que se passa hoje aos incômodos de nossa atual sociedade com o das gerações que viveram a revolução industrial. Ao chegar para o trabalho na indústria antigos artesãos e camponeses (id., p. 86): “foram submetidos a assédio, controles, punições econômicas e culturais, tratados como escravos, sem nenhuma maneira de escapar do sistema do qual se encontram presos por necessidade ou ignorância.” Assim ocorre mesmo nas grandes transformações da história que, quando consolidadas, significam um tempo novo de progresso e desenvolvimento, mas que durante a transição é sofrido. O incômodo atual é como o das gerações que fizeram a Revolução Industrial e tiveram o sonho de melhorar de vida. Esses sonhos se consolidaram na sociedade democrática e ela hoje está em dificuldades. E isso decorreu da globalização e o afastamento entre a política e o poder, pois o interesse das empresas multinacionais já não se fecha dentro dos limites de um Estado nação. Nesse sentido, ele considera que esse é um momento de sofrimento e passagem, mas que não é necessariamente para uma realidade desastrada. Nessa leitura o que se vive é mais crise ética, da recusa de assumir um novo modo de vida (id., p. 91): “a pós-modernidade, antes de ser uma evolução da própria modernidade, se presta a ser considerada o sinal de uma profunda crise ética, bem como a tentativa da modernidade de superá-la sem grande esforço.” Em outras palavras, o mundo moderno não quer passar pelas mudanças necessárias para um novo tempo que virá por conta das mudanças culturais.

 


sexta-feira, 14 de março de 2025

SECULARISMO, CULTURA E RELIGIÃO. Selvino Antonio Malfatti

 




 

A questão do secularismo ganhou proporções notáveis hoje em dia. Por qualquer coisa, inclusive as axiológicas, torna-se motivo para gritaria em nome da liberdade secular. Alguns clamam ao judiciário. Até mesmo, em alguns lugares, tornou-se motivo para fanatismo e atentados. E o tolerado tornou-se intolerante lançando mão da violência em nome da religião.  Vejamos alguns fatos.

Por causa de uma charge o cartunista Charlie Hebdo e jornalistas foram assassinados na França. O motivo? Uma caricatura de Maomé. A justificativa? Em nome do secularismo da parte do cartunista e a ofensa ao maometismo por parte dos assassinos. Não foi um caso isolado de fanatismo religioso. Samuel Paty, professor de história e Dominique Bernard, professor de francês foram assassinados futilmente, um por desenho e outro por um texto. A justificativa: o secularismo!

No Brasil algo próximo aconteceu com a polêmica do crucifixo em Sala de Justiça e de “intervalos bíblicos” em Pernambuco bem como outros incidentes confessio-seculares. Na questão do crucifixo invocou-se o secularismo para defender a retirada, o mesmo incidente nos “intervalos  bíblicos”.

Na França a questão vem de longe. Começou em 1989 com a questão do véu islâmico nas escolas. O ingresso de um aluno muçulmano numa sala de aula argumentou-se de que não se podia constranger o novo aluno e por isso se devia retirar o crucifixo da sala de aula por que o Estado era secular. O direito de tolerância avançou até o ponto de agredir o que antes era tolerante. Progrediu tanto que atualmente qualquer crítica tornou-se uma infração crime contra a liberdade de expressão. No caso o próprio estado francês criou a gaiola para se encerrar.

Foi pura imprudência e populismo o líder da esquerda Jean-Luc Mélenchon assumir a bandeira do secularismo para atrair jovens e muçulmanos denunciando “islamofobia”. Sem se aperceber caiu na armadilha do islamofilia renunciando os valores universais sempre defendidos pela França desde a Revolução Francesa.  Poderia se pensar que foi em vão que Carlos Martel lutou e derrotou os muçulmanos na Batalha de Poitiers livrando a Europa do domínio islâmico? E o que dizer do título que ostenta de “Filha Predileta da Igreja”? Atualmente é só filha.

Pensamos que três ingredientes deverão ser levados em conta e serem distinguidos um do outro: instituições públicas, religião e cultura. O conjunto de instituições políticas é o estado, religião é uma crença no sobrenatural e cultura uma sedimentação social de valores sociais. Como destaca o sociólogo Max Weber as crenças religiosas tendem a se tornarem laicas, constituindo-se a cultura uma esfera autônoma em relação à religião de origem. Alguns símbolos deixam de serem religiosos para constituírem uma cultura específica. O crucifixo representa a cultura cristã e além da religião. Este símbolo em sala de aula é a representação da cultura cristã, assim como a estrela de Davi da cultura hebraica e o minarete a cultura islâmica. A Basílica de Notre Dame atualmente é um símbolo da França antes que um templo católico. Por isso, alguns símbolos podem ser culturais e não religiosos. Diante disso, crucifixos, intervalos bíblicos, bíblias, catedrais são apenas símbolos culturais e não religiões e, portanto, nada a ver com o secularismo.

Não podemos esquecer que o secularismo simplesmente quer separar a religião das instituições públicas para que estas tenham uma atuação neutra em relação à religião. Não prega a eliminação da religião e muito menos dá prioridade a uma religião. Simplesmente dar liberdade de exercício a ambas.

O secularismo pretende garantir a liberdade religiosa e de crença. Com isso, quando algo for espontaneamente praticado e aceito não justifica medidas contrárias. Não é porque um imigrante chega  com outras práticas que se deve mudar o que até então é praticado. A moral é algo que a sociedade pela prática aprova como boa. Pois, nem todo substrato cultural ou moral social pode ser considerado alvo de secularismo. A moral social não é religião, como a cultura cristã não se identifica com o catolicismo. 

Qualquer dúvida consulte na Constituição1

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sexta-feira, 7 de março de 2025

Estado de Crise. José Mauricio de Carvalho

 


As questões apresentadas no livro Babel foram expandidas em Estado de crise (2016 b) por Bauman e Bordoni. Nesse outro livro, o que chama atenção é a ideia de que a crise cultural e econômica atuais não são rápidas ou passageiras como outras, pois elas revelam uma mudança extensa e profunda que envolve todo o sistema. Bardoni entrou no assunto vinculando as dificuldades atuais com as experimentadas na modernidade, enquanto Bauman mostrou essas dificuldades e ofereceu pistas para superá-la.

Um aspecto importante dessa análise é a avaliação de que a crise, sendo fruto de intensas mudanças, representa dificuldades, mas também oportunidades. Dizem (BAUMAN e BORDONI, 2016 b, p. 11): “a crise é fator que predispõe à mudança, que prepara para futuros ajustes sobre novas bases.”  No entanto, a descrição do atual estado de coisas, indica mais dificuldades que oportunidades.

O aspecto central da crise atual é sua dimensão global, devido a interligação dos interesses econômicos de modo que (id., p. 12): “uma queda da bolsa de Tóquio tem repercussões imediatas em Londres ou Milão.” Embora as questões sejam globais, nações e cidades é que enfrentam suas consequências, quase sempre com pouca chance de sucesso. Dito assim (id., p. 34): “cada unidade territorial formalmente soberana pode hoje servir como depósito de lixo para problemas originados muito além do alcance de seus instrumentos de controle político.”

As dificuldades atuais, experimentadas num outro contexto, mostraram que as soluções adotadas na crise de 1929 não podem ser repetidas e a razão mais forte é a fragilidade do Estado decorrente de problemas de caixa por conta da desterritorialização das corporações financeiras, o interesse global delas. Isso produz uma separação entre poder econômico e político. Esclarece o sociólogo (id., p. 22): “a separação entre poder e política é uma das razões decisivas para a incapacidade do Estado de fazer as escolhas apropriadas para enfrentar as dificuldades.”

Olhado desde dentro a crise econômica consome crescentemente recursos com bens básicos para aqueles que têm emprego, estimula a parte menos afetada da população a aumentar os gastos com o consumo de bens e serviços para aproveitar o momento, reduzindo sua capacidade de investimento e de atuar na produção. Na outra ponta, a queda no consumo produz a elevação dos preços para assegurar a lucratividade e isso também piora o quadro geral. Entra-se na estagnação e na carestia.

O resultado de momentos assim é o aumento da inflação, sendo ela (id., p. 14): “a pior consequência de qualquer crise econômica porque engole as economias de toda a vida e reduz as pessoas à fome num período curto, o dinheiro já não pode comprar nada e instala-se o desespero.” Daí resultam dificuldades crescentes e o desencanto com os políticos, a desilusão dos eleitores, favorecendo a expansão das propostas da extrema direita.

A compreensão da evolução histórica de outras crises, principalmente a de 1929, ajuda a entender o que se passou recentemente, depois do desenvolvimento inicial, sucesso do Estado Social e sua desidratação nos anos 70. No início os (id., p. 19): “gloriosos anos trinta e os opulentos 30 foram resultado da evolução do Estado de bem-estar social e de uma confiança limitada na sua capacidade de assegurar bem estar e segurança para todos os lados.” O Estado Social, depois de enorme êxito no final da guerra, começou a perder fôlego, quer pelo aumento das demandas sociais, quer pela perda de arrecadação resultante de processos como a desindustrialização, quer pelo distanciamento das grandes corporações dos interesses locais, quer pela perda da capacidade das pessoas de poupar para o futuro.

Da fragilidade do Estado vieram a propaganda da privatização, da terceirização, etc. e a confiança absoluta no poder do mercado de promover os ajustes necessários. Governos fizeram a redução da presença do Estado na vida social, deixando o cidadão na obrigação de resolver suas dificuldades por conta própria. Daí resumindo o que se passa, a crise atual difere das outras na (id., p. 21/2): “medida que é vivida numa situação de divórcio entre o poder e a política. Esse divórcio resulta na ausência de agências capazes de fazer o que toda crise por definição exige: escolher de que modo proceder e aplicar a terapia reclamada por essa escolha.”

Em meios a essas dificuldades o caminho possível para as sociedades é a construção de sólidas democracias onde o povo discute os problemas e suas soluções.

sábado, 1 de março de 2025

TRUMP E O EXPANSIONISMO. Selvino Antonio Malfatti

 

 



Na posse, Donald Trump edita os principais pontos de seu programa de governo[i]. Todas as medidas afetam mais aos estrangeiros que seu próprio país. Quer não só a América para os americanos, mas o mundo para os americanos ou domínio do mundo.

De imediato ergue um “muro” que se estende do Golfo do México (da América conforme Trump) ao oceano pacífico como fronteira da América. A justificativa é proteger seu país de “traficantes de drogas e criminosos e estupradores” que corrompem a pureza do sangue de seu país. Abole as antigas alianças abrindo caminho para o expansionismo, tal como o Canal do Panamá, cedido por Jimmy Carter o qual acreditava na equidade nas relações entre as nações. Como Príncipe, Trump crê apenas no vantajoso e quando uma aliança deixa de ter as razões de quando foi criada pode ser rompida. Quão longe estamos da Aliança para o Progresso!

O apetite de Trump pela expansão do domínio exterior é ilimitado e insaciável. Até mesmo em assuntos estranhos. É o caso do questionamento da soberania no canal do Panamá. Em que pese a promessa de acabar com as guerras nada justifica sua ingerência em estados autônomos como a Groenlândia dinamarquesa que, qual o Panamá, reivindica interesse estratégico. Às vezes assume um ar profético como um Moisés apontando para a Terra Prometida. Para tanto conclama os cristãos, mormente os evangélicos, para que votem nele e tudo está resolvido.[ii] Outra bravata é querer solucionar a questão de Gaza expulsando os palestinos e criando um resort.

A aproximação de Trump com os bilionários como ele e não com políticos de seu país antevê a inauguração de uma república oligarca econômico-científico-tecnológico. A presença de Elon Musk lhe garante este objetivo. É mais tranquilo aliar-se a donos das redes sociais X e Space X que nada objetam em questões de transgênero que enfrentar os debates na câmara e no Senado. O expansionismo obedece a uma lógica maquiavélica com a ausência de regras ou abolição das existentes abre o caminho para o dono da lei e das regras. Oxalá as demais nações democráticas não sigam seu exemplo. Estra a aproximação com Putin em vez da União Europeia. Ficou evidente o móvel de sua política externa: "Não seremos conquistados, não seremos intimidados". Pelo visto nada detém sua tirania do Príncipe. Para chegar a seus objetivos vale tudo: armas, taxas, deportações, protecionismo.



[i]   Emergência nos limites entre Usa e México, deportação em massa e imediata de imigrantes ilegais, fica abolido o “ius soli” da  cidadania americana, o golfo do México passa a denominar-se Golfo da América, saída do acordo do clima de Paris, saída da Organização Mundial da Saúde, fim do incentivo para automóveis elétricos, fim da proibição de perfuração no Alasca, fim dos limites de concessões de licenças para o petróleo e atividade mineral, fim dos investimentos na energia renovável, a administração federal reconhece só dois sexos: masculino e feminino, os cartéis de drogas passam para a categoria do “organizações terroristas estrangeiras”

[ii] E mais uma vez, queridos cristãos, saiam de suas casas e vão votar; só desta vez; você não precisará mais fazer isso. Vocês não precisarão votar novamente no futuro, meus lindos amigos cristãos. Eu te amo, eu sou um cristão, eu te amo; Saia de sua casa e vote. Em quatro anos, você não terá que votar novamente. Teremos organizado tudo, para que você não precise mais votar.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Quem a extrema direita representa . José Mauricio de Carvalho

 



Á perda de referências culturais e valores que eram caros até poucas décadas, a ausência de confiança no bem, as brutais mudanças no mundo do trabalho, os conflitos regionais, a emergência climática são desafios atuais abordados por vários estudiosos. De algum modo eles encontram no novo nacionalismo de inspiração nazifascista uma proposta para enfrentá-los. De modo diverso do antigo nazifascismo esse novo modelo político-econômico rearranjou a combinação liberdade econômica e autoritarismo político. Nesse caso, não há propriamente um casamento do Estado com o empresariado nacional como no século passado, mas a aproximação dos dirigentes do Estado com as grandes corporações multinacionais e com o capitalismo financeiro.

Esse fenômeno foi examinado e descrito por Bauman e Mauro no livro Babel. Nesse modelo político-econômico, que é uma nova forma de nazifascismo, seus representantes apostaram na fragilização do discurso político e dos partidos, o que ficou facilitado pela incapacidade de reação de liberais históricos, principalmente os moderados e da falta de compreensão dos fatos pela social democracia. Vamos considerar que radicais de esquerda ou de direita, não possuem as melhores respostas para a grande maioria da população. Radicais viram as costas para a lei, para a democracia, para o estado eficiente e a moralidade. Liberais consequentes e respeitosos do estado de direito, sejam eles mais ou menos conservadores, emudeceram e deixaram o combate da extrema direita para a social-democracia. Essa realidade criou um ambiente propício à emergência de uma nova extrema-direita, com líderes populistas e uma pauta moral conservadora. Em resumo, o centro democrático encontra-se fragilizado. Esse contexto entregou aos partidos mais à esquerda a tarefa de preservar o estado de direito, as políticas sociais e a democracia. Apesar da fragilidade desses partidos são eles que procuram preservar a democracia e as políticas sociais, valorizar a ciência, proteger o trabalhador e assumir a responsabilidade pela pauta ambiental.

Enfim, não temos mais um estado social como no século passado, o mundo do trabalho ficou precarizado, mas apesar disso, seu projeto político é dessemelhante das posições assumidas pela extrema-direita. O estado do bem-estar social encontra-se em grande dificuldade, bem como o próprio funcionamento do Estado-nação em função da desterritorialização do capital. Assim, com o motor da economia nas mãos das grandes corporações, inclusive de narrativas criadas nas redes sociais recheadas de fakes, trabalhadores, profissionais liberais e mesmo o capital que tem interesses localmente situados encontram-se fora do protagonismo econômico. À parte de que radicais de qualquer orientação não ajudam o jogo político, o fenômeno mais curioso é a desorientação dos liberais históricos, eles deixaram de ocupar o campo político. Eles não se sentem representados pelos sociais democratas, acabam se aproximando da extrema direita, mas ela não está alinhada com seus interesses.

Os autores de Babel que estudaram esse fenômeno, entenderam que a fragilização do estado do bem-estar social, que notamos hoje em dia, teve origem na mudança do capitalismo industrial para o financeiro. Na nova realidade, o capital já não necessitava conviver com o trabalho num certo local, o que é uma boa explicação para a destruição das políticas sociais e de investimento dos Estados nacionais. Assim, como não lhe é imprescindível a democracia política para negociar interesses contraditórios de uma sociedade, pois o importante é que o Estado passe a funcionar como uma delegacia de polícia para conter consumidores falhos, expulsar estrangeiros indesejáveis, perseguir minorias e quaisquer contestadores da nova ordem. E muitos empregados, boa parte da classe média, o empresariado local passou a apoiar políticos de extrema direita porque temem se tornarem eles próprios consumidores falhos. Ao fazer isso passam a defender um projeto político que, em suas grandes linhas, não lhes favorece e que foi resumido no conceito de pobres de direita.

Assim, embora não seja possível prever o sucesso da solidariedade social nas democracias sobreviventes, essa forma de governo parece ser a que melhor atende os interesses da cidadania, do cidadão comum, incluído o empresário localmente instalado. Não se pode reunir, pelo menos atualmente, a esquerda e a direita na tendência antidemocrática e não é à toa que a ultradireita emergente retomou, como no século passado, um viés nitidamente antidemocrático. Essa ultradireita defende a liberdade, mas o conceito apenas traduza a possibilidade de o capital ir e vir sem dificuldades, desregulamentando o mundo do trabalho, deixando de considerar os interesses locais, mesmo os dos empresários localmente situados. Assim, esse novo mundo favorece o enriquecimento dos super ricos, promovendo uma concentração de riqueza sem precedentes na história humana. Assim, os dois autores nos oferecem uma síntese da face política e econômica da atual crise de cultura.

 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

GUERRA EUROPA X ESTADOS UNIDOS - IA. SELVINO ANTONIO MALFATTI

 





Depois do anúncio de Donald Trump que investir no Stargate 500 milhões de dólares (quase 3 trilhões de reais) e o presidente francês prometer investir 109 bilhões de euros (650 bilhões de reais) em pesquisas sobre Inteligência Artificial estava declarada a guerra entre Europa e Estados Unidos.

Para tanto convoca uma cúpula patrocinada pela França e Índia em Paris nos dias 10 e 11 para discutir a IA na Europa, mas que outros países aderiram como o vice-presidente dos Estados Unidos e o primeiro ministro da China, além dos 1500 convidados do mundo tecnológico como CEO da OpenAI, Sam Altman, criador do revolucionário ChatGPT e o CEO do Google, Sundar Pichai.

O resultado e as conclusões da cúpula que reuniu 61 países e assinaram  um compromisso de uma IA "aberta", "inclusiva" e "ética. O próprio Vaticano compareceu na cúpula e leu um documento pedindo uma IA humanizada. Conforme o Papa que se inspire mais no coração que na razão.  

Como sempre Estados Unidos e Reino Unido não aderiram. Parece que estes dois países, mormente a Inglaterra, é “diferente”. Não adota o sistema métrico, temperaturas, volumes, unidades de área, unidades, volantes e até mesmo sede religiosa. A Inglaterra primeiro entra na União Europeia e depois sai.

A Europa chega tarde nos investimentos para IA, inclusive os109 bilhões de euros destinados por Macron, na verdade não são próprios, mas de Emirados Árabes, americanos e canadenses. Nos Estados unidos só uma empresa, a Amazon, destinou 100 bilhões de dólares.


O desenvolvimento da IA é crucial para a economia mundial. O que no passado se media por armamentos, atualmente se compara pelo avanço na IA. A modelo chinesa, DeepSeek, sozinha investiu 5 milhões de dólares gastando muito menos energia que seus concorrentes. A estratégia dos governos e empresas atuais procura manter sob seu controle os centros de processamento de dados para estar na ponta dos melhores modelos de IA.

“A Europa está atrasada e precisa ter iniciativas, para retomar o controle, afirma Sylvain Duranton, do Boston Consulting Group”.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou 10 supercomputadores públicos à disposição de pesquisadores de IA.

Em resumo a cúpula chegou aos principais resultados:

> Ficou clara a divisão entre Europa (França, Alemanha, Espanha, Canadá e Japão) de um lado e Estados Unidos e Inglaterra de outro. Inclusive os dois últimos não quiseram assinar a Declaração final argumentando que feriam seus interesses.

> O presidente francês, Emmanuel Macron anunciou m investimento de 109 bilhões de euros em IA justificando que a Europa não poderia ficar atrás dos Estados Unidos.

> O ministro das relações exteriores do Brasil, Mauro Vieira, alertou para o peróodo para as democracias ao se deixar o desenvolvimento da IA nas mãos de poucos atores como está acontecendo com Europa e Estados Unidos. 

> As maiores divergências incidiram sobre a governança da IA, no que se refere a segurança, ética e inovação.

A cúpula evidenciou a falta de consenso global sobre a governança da inteligência artificial, com debates contínuos entre segurança, ética e inovação.

Como se vê está aberta a guerra da IA, tendo inicialmente dois lados aos quais se alinharão outros.

N. DO AUTOR: Gostaríamos de apresentar o original do texto original da Declaração, mas até o momento não foi disponibilizado publicamente.

 

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