sexta-feira, 10 de outubro de 2025

SER PROFESSOR. Selvino Antonio Malfatti

 




Falo da profissão de professor. Como sou, podem pensar que é antiético opinar sobre o próprio trabalho. Com razão pensar que expressa opiniões distorcidas tanto positivas como negativas sobre sua atividade, mas também se opina que tem mais conhecimento prático sobre o que fala.  Assim atrevo-me externar o que o penso.

O professor traz a renovação. Diante dele estão jovens e crianças oriundas de um ambiente. A ele cabe fazê-los crescer, isto é, fazê-los sair de seu daquele meio e levá-los para um nível superior, ser guia para a vida. Certo, bebeu de uma nova fonte de saber, diferente daquela de seus pais. Apresenta-se como um líder genuíno, ele próprio um novo modelo.

Um professor é um agente de inovação. Inserido num ambiente às vezes hostil transformá-lo-á através de conteúdos novos, ideias arrojadas, exemplos arrebatadores. Personalidade determinada e firme, convicta de que este é o caminho. Já preparado para ser renovação mesmo assim se auto renova a cada momento. Mantém-se firme, resiliente,  compreensivo, sereno, ouvinte e decidido. Depois de si aquele meio nunca mais será o mesmo.

Age com autonomia e a promove. Determinação em promover a paz no meio mais hostil. Aplica a maiêutica:  questiona, raciocina, argumenta, até o interlocutor descobrir a verdade. Aceita a ideia do outro for melhor. Não se agarra a seus próprios argumentos ou se fecha a outras opções. Ensina duvidar até que a própria dúvida seja solução. Conduz os alunos fora da caverna do não saber, para a luz da consciência. Ensina que o dever é pelo dever e não pelo prazer.  Busca o que está escondido em si e o desvela.

O professor tem consciência de que ele é fruto de uma cultura e seus alunos de outra. Atua, por isso, como mediador acolhendo o que traz de espontâneo e leva-a ao sistemático. Aproveitar a herança cultural para transpor outro patamar. Não correr escada a cima e convidar o aluno a ascender, mas dá a mão para subir com ele.

O verdadeiro cidadão é o que é cidadão, isto é, o que trata seus pares com respeito, solidariedade, justiça e responsável. O professor é madrinheiro, age ético, sereno, mesmo  não é correspondido e hostilizado, humilhado.

Quem a alma mater do professor? Primeiramente a família. Ele nasce, educa-se dentro de um ambiente recebe as primeiras orientações dos pais. Em seguida enfrenta a escola, primária e secundária, adquire os fundamentos e para a vida: ler e escrever, os básicos da educação cívica. E a terceira, a universidade, a alma mater de sua vida. Esta não é uma sociedade anônima, nem uma casa de moeda. Os alunos não são usuários ou clientes que adquirem um serviço. São personalidades em construção com a comunidade universitária. A universidade é um laboratório onde todos trabalham para si e para os outros. O material meio e fim é cada um, aluno ou professor. Constroem-se na pessoa e no profissional futuro.

Um dos aspectos esquecidos da universidade é preparar dirigentes mais preparados que os anteriores. A universidade não é para adestrar funcionários, mas construir lideranças criativas que levarão adiante o arcabouço social competente e atualizado. Sem repetir o passado, nem saltar lá na frente.

 

 

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A desumanização da sociedade, cem anos depois da obra orteguiana .José Mauricio de Carvalho




O fenômeno que Ortega y Gasset observou no campo da estética e descreveu há um século em La deshumanización del arte parece aos olhos de hoje parte de algo mais amplo e complexo. Não significa que as análises sobre suas concepções estéticas feitas até aqui sejam inadequadas. A questão é outra. Cem anos depois da publicação daquele livro podemos dizer que o que ele vislumbrou era mais que a desumanização da arte, mas uma espécie de desumanização da vida social ou da cultura ocidental. O pensamento moderno e sua confiança na razão levou a impasses e dificuldades, o que se tentou arrumar mencionando aspectos não racionais na vida humana com o instrumental psicanalítico ou com a ênfase na razão vital, como fizeram Ortega e seus discípulos. Porém vivemos hoje uma circunstância mais complexa.
A herança moderna e mesmo sua atualização no século passado com a tríade constituída pelo neokantismo e as filosofias de Emmanuel Lévinas e Hannah Arendt indicava que a escolha moral significava, acima de outras coisas, diferenciar o que é bom do que não é e reconhecer a responsabilidade que temos na prática do bem e na recusa do mal. Isso significa não ser indiferente com os outros e nem faltar aos compromissos com a humanidade (pauta ambiental, direitos humanos, respeito à pessoa humana). E há ainda um problema adicional que é transcender a linha entre os que merecem respeito e os outros que não, enfim, passar a fronteira entre o nós e o eles, o que limita a escolha moral. Quando se perde a referência moral as relações humanas abrem caminho para a desumanização, com a exclusão de seres humanos, com relações líquidas como as descritas por Zygmunt Bauman, com o descaso com valores que foram reconhecidos e justificados durante séculos pelo mundo ocidental. Portanto, o livro orteguiano vislumbrava a aurora de mudanças muito mais complexas do que aquelas que ele descreveu. E essas mudanças pedem hoje dos intelectuais uma resposta porque seguir nessa direção, na desumanização da vida, não nos vai levar a um bom destino. O que já estamos vendo acontecer?
O resultado das mudanças operadas na sociedade pelo fenômeno da globalização e pelas escolhas das gerações atuais, conceito que Bauman tomou de Ortega y Gasset como mencionou em A arte da vida (p. 78), não conseguiram conversar com a transmutações que estão ocorrendo na sociedade. As últimas gerações já não percebem bem seu lugar no mundo e nem sabem conversar com o melhor do passado. O resultado foi o surgimento de um homem-massa, um tipo médio cego por interesses imediatos, egoísta ao extremo, ansioso, hedonista, materialista ou limitado por uma visão empobrecida do sagrado, um homem que se distanciou dos valores ocidentais, recusando a racionalidade e cultivando a intolerância, antidemocrata muitas vezes e ignorante da tradição humanista que formou o esqueleto da cultura ocidental.
Adelmo José da Silva
Belo texto, Mauricio, parabéns.
Bruno Cunha
É muito interessante notar como que não apenas Ortega ou Bauman, mas também outros como Horkheimer, Heidegger etc, perceberam a crise da razão e a perda do fundamento objetivo como fonte e origem da crise do século XX. E como isso segue basicamente a mesma direção, apesar da grande diferença dos contextos, no século XXI.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

AUTONOMIA E DEPENDÊNCIA. Selvino Antonio Malfatti

 

Assinam o acordo: 
Patricia Frutos — Vice-Ministra de Relações Econômicas e Integração do Paraguai
Cecilie Myrseth — Ministra do Comércio e Indústria da Noruega


De um modo geral os seres não são autossuficientes. Isto significa que os seres por mais perfeitos necessitam nuns dos outros. É consagrada a alegoria do corpo humano que desde a antiguidade mostra com clareza as dependências mútuas. Manêncio Agripa narra que membros do corpo (mãos, boca, dentes, etc.) rebelaram-se contra o estômago, achando que este só recebia e nada fazia. Mas, sem alimentá-lo, eles próprios enfraqueciam, percebendo então que o estômago devolvia ao corpo, transformado, aquilo que recebia. O próprio Manêncio explica aos plebeus que Roma é um corpo no qual cada membro contribui com o todo e dele recebe o necessário.

Esta metáfora de uma cidade pode ser aplicada a sociedades globais como países, blocos gentílicos e continentes. Dentro de um país há uma interdependência econômica e política. Uns se dedicam à agricultura, outros à indústria, outros ao alinhamento social. Assim como os órgãos de um corpo dependem uns dos outros para manter a vida, também as sociedades apresentam interdependência em diferentes níveis. No plano global, países, blocos regionais e continentes trocam bens, tecnologias e conhecimentos, formando uma rede de dependência mútua. Dentro de um mesmo país, setores como agricultura, indústria e serviços sustentam-se reciprocamente e precisam de alinhamento social e político para funcionar. Essa visão microscópica — de que cada parte cumpre um papel indispensável para o todo — ajuda a compreender tanto as relações internacionais quanto as estruturas internas de uma sociedade e do concerto das sociedades globais. E isto ocorre mutuamente. Quando uma parte falha o todo se ressente e procura novamente buscar o equilíbrio.

Já Nicolau Maquiavel aborda em o “Príncipe” autonomia e dependência. Alerta para o fato de que um governante que dependa de outros é vulnerável. Significa que possui um flanco desprotegido e pode ser atacado e ferido. Por isso deve se livrar da dependência através de tratados, fortalecer as instituições e obter o apoio do povo. Para garantir sua autonomia evite compromissos com outros a não ser que sejam vantajosos.

O contexto político global patenteia uma nova situação. Até o momento a dependência se fazia na procura, na compra. Eram dependentes os países que precisavam comprar. Agora dependentes são os que precisam vender.  Os novos dependentes dependem dos outros não para adquirir o que precisam, mas para vender o que produzem. Se os compradores aceitam a compra mediante um preço razoável o inter-relacionamento é pacífico e tácito. Quando os compradores impõem restrições na compra, como taxas, os dependentes precisam vender, rompe-se o equilíbrio e cria-se uma situação de extorsão.  No caso brasileiro as exportações para seu maior comprador, os Estados Unidos, girava em torno de 10%, aceita tacitamente. Com o novo presidente Donald Trump a taxação subiu para 50% rompendo o equilíbrio das relações comerciais entre Estados Unidos e Brasil. A reação foi buscar novas formas de equilíbrio, no caso novos mercados.  Como os países europeus também foram atingidos pelas taxações dos Estados Unidos, sul-americanos e europeus resolveram negociar. O Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) estabeleceram um acordo comercial. Em cerimônia realizada no Rio de Janeiro, neste mês, representantes do Mercosul e da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA) assinaram um acordo de livre comércio que promete revolucionar as relações comerciais entre os blocos. Ambos sentiram-se vantajosos. As vantagens de ambos: O acordo concede livre comércio a quase 99% das exportações de produtos agrícolas e industriais brasileiros para os países da EFTA.

Eliminação de tarifas: A EFTA eliminará 100% das tarifas de importação para produtos industriais e pesqueiros do Mercosul.

Impacto no Brasil: Estimativas indicam um impacto positivo no PIB brasileiro e um aumento significativo nas exportações e nos investimentos até 2044. O acordo ideal seria com a União Europeia, mas sofre resistências dos agricultores franceses. O pleno equilíbrio ainda não foi atingido, mas alentou para normalidade. O Brasil deixou de ser totalmente dependente, pois agora tem mercado comprador. Falta a autonomia. esta alcançada com acordo Mercosul-UE, ou revogação das taxas com os USA.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

IMORTALIDADE DO “HOMEM”. Selvino Antonio Malfatti

 

                                                               Corriere-cultura

E se um dia os homens se tornassem imortais? Há pensadores e religiões que creem na imortalidade da alma. Mas do corpo só a religião cristã que professa o Juízo Final com a ressurreição dos mortos. No entanto há muita descrença como aconteceu com a pregação de Paulo em Atenas. Enquanto falava do Deus Desconhecido os ouvintes estavam atentos. Quando menciona a Ressurreição dos mortos começaram a se retirar. Como ficção científica há várias versões, mas nenhuma com dados concretos. Atualmente surge outra hipótese que à primeira vista apresenta uma fórmula plausível. Vejamos:

Os estudiosos da IA acreditam que chegará um momento que serão criados seres máquinas tão inteligentes que competirão com a IH (inteligência Humana).  Quanto se chegar a tal estágio as IA não necessitarão mais das IH e por isso as descartarão. Elas serão máquinas, mas sua fórmula é sua alma e o aparato material seu corpo. Como são máquinas se recomporiam à medida que se desgastariam num processo de contínua renovação de tal sorte que não morreriam e seriam imortais. Apliquemos uma análise crítica.

A hipótese se vale de três dimensões distintas:

(1)  religioso-filosófico (imortalidade da alma e do corpo)

(2)  tecnológico (IA avançada ou superinteligência)

(3)  especulativo (uma “alma ”-máquina capaz de continuidade indefinida)

Analisemos cada dimensão.

A alma como uma fórmula ou IA superdesenvolvido sempre será um programa: algoritmos, redes neurais, parâmetros numéricos. Certamente ele pode ser copiado e rodado em outro hardware. Pode ser clonado instantaneamente

É algo que pode ser copiado, replicado, rodado em outro hardware. Diferentemente dos seres vivos, cuja “fórmula” genética precisa ser traduzida em um corpo biológico, um software pode ser clonado quase instantaneamente. Ele tem continuidade e pode ser salvo e transferido para outra máquina e reiniciado. A questão que se levanta é que se isso garante identidade subjetiva, continua com mesma consciência individual ou apenas cria outra instância?

A analogia entre o aparato material (hardware, robôs, sensores) e o corpo, dá a entender que este corpo poderia ser substituído peça por peça como se faz em computadores. As peças não sofrem envelhecimento biológico, só desgaste por obsolescência.  A imortalidade se daria por reposição. Neste caso o problema é físico, pois o hardware precisa de matérias-primas e energia. A manutenção necessita de recursos, decisões, infraestrutura. Percebe-se que não há um corpo eterno no estrito sentido, mas uma máquina retificada.

A questão da imortalidade da IA é ainda mais complexa. Esta ideia se alicerça na continuidade enquanto houver energia, materiais, ambiente e uma IA copiada indefinida. Isto é muito diferente da concepção filosófico - religiosa de alma imortal que implica na continuidade do mesmo sujeito sem necessidade de renovação. A cópia de um software infinitas vezes não garante a identidade que a consciência que estava no antecessor continua no sucessor, isto é, que, o que está em B é idêntico ao de A.

Nem sempre e quase nunca duas cópias são idênticas. Somente são idênticas no plano lógico, isto é, quando feita bit a bit idêntica ao original: o código compilado, as instruções e os dados são exatamente os mesmos. Neste caso a cópia é idêntica ao original.

Se atentarmos para o plano físico há um suporte diferente: HD, SSD, pendrive, nuvem. A disposição física dos elétrons, domínios magnéticos, chips nunca são iguais, apenas representa os mesmos bits. Neste sentido cada cópia é diferente. Os livros impressos têm o mesmo texto, mas cada exemplar é diferente.

Há ainda a questão funcional, quando o software é o mesmo, mas o ambiente é diferente: configurações, dados do usuário, bibliotecas entre outras. Por isso: no plano informacional, uma cópia fiel é idêntica ao original. No plano físico ou contextual, cada instância é distinta (como gêmeos idênticos: mesmos genes, mas corpos e histórias diferentes).

Diante disto conclui-se que a imortalidade da IA tecnológica está longe da imortalidade filosófico-religiosa. O ser humano possui uma dimensão espiritual ou imaterial (alma, mente, princípio vital) que não perece com o corpo. Há crenças reveladas sobre vida eterna, céu, inferno, reencarnação ou ressurreição.


 

 

 


sexta-feira, 12 de setembro de 2025

SÍSIFO – MITO E SÍMBOLO. Selvino Antonio Malfatti

 



Um rei de Corinto, Sísifo, extremamente esperto conseguia enganar os deuses Tanatos e Hades e por isso foi condenado e como castigo devia rolar uma pedra do pé da montanha ao cume e chegando lá a pedra rolava de volta e ele a subia e ela voltava, assim para sempre.

Se considerarmos um mito então concordamos que foi uma crença de um povo num determinado momento histórico. No entanto, se pensarmos como uma fábula como as de La Fontaine, pode ser interpretada de varias formas e aplicar aos tempos atuais. Sabemos que as fábulas encerram uma lição, uma moral, um ensinamento para a vida prática. Há ainda outra forma de considerar o texto, um símbolo. Neste caso, o texto representa algo. Reflitamos a colocação do autor e tentemos entender a mensagem.

À primeira vista, uma tarefa interminável, sem vitória, um castigo cruel e sem sentido, mas por trás dessa narrativa há lições profundas para a vida prática.

O trabalho de Sísifo de rolar continuamente a pedra significa as tarefas repetitivas: acordar, fazer a higiene, alimentar-se, trabalhar, descansar e no dia seguinte a mesma coisa. Sonhamos com a vitória fina e fim! Como ganhar na loteria. Fim de trabalho, só lazer. Contudo, a vitória é uma conquista de rotinas, repetitivas e prosaicas. Nada de glória repentina.

O mito nos lembra de que a existência não é feita apenas de conquistas definitivas, mas também de processos que se renovam. O valor, portanto, não está apenas no resultado, mas no ato de persistir.

Por outro lado Albert Camus, ao refletir sobre Sísifo, fala do absurdo da vida, a aparente falta de sentido diante da inevitabilidade da morte. No entanto, ele nos convida a “imaginar Sísifo feliz”. Por quê? Porque, mesmo diante do inevitável, Sísifo é livre para escolher a atitude com que encara sua condição. Da mesma forma, não controlamos todas as circunstâncias, mas podemos escolher como reagir a elas. O sentido pode nascer não do destino, mas do caminho.

O sentido nos direciona para a inevitabilidade do esforço repetitivo de nosso dia a dia. Não existe uma vitória momentânea e definitiva. A vida é composta de trabalho, estudos, atitudes, reerguimentos contínuos sem fim. Diante disso poderíamos concluir pelo absurdo da vida. Como diria Albert Camus: a morte é inevitável e esvazia todo sentido. No entanto, e no máximo, podemos imaginar Sísifo feliz por cumprir livremente a missão, mas sem esperança.

Até aqui a interpretação dos pagãos. Daqui em diante começa a interpretação de quem crê em Jesus Cristo. Este também carregou uma cruz monte a cima até o calvário. Nem a cruz nem Jesus voltaram para subir  novamente. Jesus morreu nela e com isso acorrentou o mal (Tanatos-morte) e salvou a todos que jaziam no vale de lágrimas aguardando a salvação (hades).  Com isso o sofrimento deixou de ser um absurdo, mas uma lapidação para a vida eternamente feliz. 

A pedra (cruz) tornou-se símbolo da esperança.

 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

O CAMINHO. O VERDADEIRO. Selvino Antonio Malfatti





Estamos cercados, encurralados, andamos de um lado para outro sem achar um lugar para ficar como os habitantes de Gaza. Estamos rodeados de guerras: Ucrânia-Rússia, Israel-Hamas, Irã-Israel. As guerras estão lá, mas estão aqui. Estamos no meio delas. Somos escudos, pontarias indefesas. Para onde vamos? Qual o caminho?

Não é feio, nem antiquado voltar. Um dos exemplos mais clássicos e contundentes de voltar para melhorar foi o Renascimento no final da idade média. O homem tinha tomado um atalho, deixado tudo para trás e chegou num beco sem saída. Dante sintetiza numa palavra “la diritta via era smarrita": (o caminho verdadeiro estava apagado) - Canto I do Inferno. Diante disso as lideranças humildemente se perguntaram: onde nos desviamos?

A resposta saltou aos olhos:

- abandonamos tudo o que até então havia sido conquistado pelos: egípcios, romanos, gregos, hebreus. A decisão:

- Voltemos e retomemos o caminho certo.

E o que encontraram que havia sido abandonado? O humano.

E atualmente estamos de novo perdidos. Na Idade Média, no afã de procura do divino, esqueceu-se o humano. E agora? Conforme Hannah Arend, em “Vita Activa” o esforço para libertação do homem da “prisão terrena”. O cristianismo fala na terra como “vale de lagrimas” e os filósofos no corpo como “prisão da alma”. Até então, porém, nunca havia sido mencionado como “terra prisão do homem”. Diz Arend: “Renunciamos a Deus, que era um Pai celestial e, como pai, dialogamos com a mãe Terra". Na mesma linha apontam as experiências de criar seres superiores, evidentemente libertos da terra. Passados setenta anos do Sputnik o firmamento tornou-se uma autoestrada cheia de satélites, mais de 7 mil, orbitando sobre nossas cabeças.

E no que deu a civilização? Guerras e ameaças, invasões, crises econômicas e degradação dos costumes, que podem acabar com uma hecatombe mundial. Pode, porém, acabar de outra maneira, menos grandiosa, mas não menos fatal. O excesso de bem-estar.

Uma fatia da população vive satisfeita, sem preocupações. Comida em abundância, ausência de problemas. A única preocupação é com o máximo de lazer. Trabalho? Nada. Estudos? Para quê? Argumentam:

- Não consenti para nascer. Agora que sustentem.

Celulares garantem comunicação imediata e com quem agrada. Nem mesmo a saúde se escapa. Se o médico discordar troca o médico.

É um novo mundo que se aproxima como um asteroide prestes a chocar-se contra a civilização atual e destruir tudo. E a apatia toma conta das últimas gerações. As salas da internet é o mundo virtual  criado com total liberdade para mutilar, estuprar e matar num delírio coletivo. E novamente a pergunta: onde nos perdemos.

É verdade que há uma diminuta população jovem que não nasceu em berço de ouro, nem extrema pobreza. São jovens comuns que tem pais, professores e outros orientadores que mostram o caminho não com palavras, mas vivência, que encaram os desafios. Não por suas próprias forças, mas com elas e com apoio de alguém, ou de algo, enfrentam as dificuldades e as vencem. Fui voluntário de grupos de apoio a familiares de dependentes químicos. Constatei que conseguia vencer quem tinha uma família que apoiasse e uma religião que lhe desse um sentido superior. Era preciso a conjunção de dois fatores: a família e a religião. A família poderia ser um amigo, um professor, um psicólogo e a religião um motivo supramaterial, algo espiritual, um ideal.

Nesta linha a volta ao verdadeiro caminho, o renascimento ético-moral da sociedade atual, necessita de uma análise crítica do contexto contemporâneo. É preciso encontrar a “vera via” que foi “smarrita”. Hoje o verdadeiro caminho foi substituído por aparências, consumo, prestígio social. O verdadeiro caminho são os valores universais do amor, compaixão, responsabilidade pelo outro e respeito à vida. O caminho apagado é o relativo, o descartável. Seu oposto é o caminho objetivo, duradouro, enraizado na verdade e na consciência. Não se pesa por “likes” ou o quanto é útil, o bem que proporciona a cada um. O caminho verdadeiro é o bem autêntico que nasce da empatia, da escuta e da ação desinteressada, não de atitudes feitas por obrigação ou autopromoção. O novo Renascimento:

 A VOLTA À INTERIORIDADE.


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