sábado, 7 de junho de 2025

SEBASTIÃO SALGADO, À SOMBRA DO PRETO E BRANCO. Selvino Antonio Malfatti.



 


Por ocasião de o presidente Luís Inácio Lula da Silvas visitar o  Estado da  França, ainda se sentia a ausência do fotógrafo franco-brasileiro: Sebastião Salgado, falecido em 23 de maio.

A obra fotográfica de Sebastião Salgado, marcada pelo uso do preto e branco, destaca-se no cenário internacional pelo seu forte comprometimento ético, social e ambiental. Seus ensaios visuais constituem um testemunho da condição humana, retratando trabalhadores, migrantes e populações vulneráveis em contextos de exclusão e desigualdade. Ao aliar estética e denúncia, suas imagens transcendem o valor artístico e assumem um papel crítico e político, promovendo a reflexão sobre questões estruturais da sociedade contemporânea. Nos trabalhos mais recentes, voltados à conservação ambiental, Salgado amplia sua atuação, abordando a relação entre humanidade e natureza. Sua obra, assim, configura-se como instrumento de sensibilização coletiva, propondo um olhar humanista e transformador sobre o mundo.”

Brasil mantém uma longa tradição de intercâmbio franco-brasileiro que continua dando bons frutos. às vésperas de nossa independência em 1816 chegou ao Brasil a Missão francesa, sob o comando de Joachin Lebroton trazendo artistas e artesãos para fundar aqui a escola de Artes e Ofícios depois a Escola Real de Artes. O intercâmbio continua com Oscar Santos do Mont (1873 – 1932),  Niemeyer (1907-2012), o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009), a fotógrafa Claudia Andujar, o músico Georges Moustaki (1934-2013), a coreógrafa Lia Rodrigues, a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973) e o médium Allan Kardec (1804-1869) entre outros.

A presença de Lula na França foi marcada por festas, Doutor Honoris, fotos na Torre Eiffel decorada de verde-amarelo, reuniões e muita bajulação em que pese o luto do Brasil pelas mortes de Niède Guidon e de Sebastião Salgado. Este um fotógrafo franco-brasileiro e aquela uma arqueóloga também franco-brasileira que levantou a hipótese de africanos terem habitado a América além de asiáticos.

A alma viva, porém era Sebastião Salgado. Abaixo as mais emblemáticas obras suas:

1. Trabalhadores (1993)

Um ensaio fotográfico monumental sobre o trabalho humano ao redor do mundo, especialmente em formas de trabalho pesado e manual.

Mostra mineradores, operários, cortadores de cana, pescadores, entre outros, ressaltando a dignidade e a dureza do trabalho.

2. Terra (1997)

Foca na vida e na luta dos trabalhadores rurais sem terra no Brasil.

Foi feito em colaboração com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com forte conteúdo político e social.

3. Êxodos (2000)

Documenta os movimentos migratórios globais, como refugiados, exilados, deslocados por guerras, pobreza ou desastres ambientais.

Uma obra humanista que ressalta o sofrimento e a resiliência de populações deslocadas.

4. Gênesis (2013)

Projeto que durou mais de oito anos, focado na natureza, nos povos indígenas e em territórios praticamente intocados pela ação humana.

Revela a beleza e diversidade do planeta, funcionando como um alerta ecológico e um tributo à Terra.

5. Amazônia (2021). Conjunto de fotografias feitas ao longo de sete anos na região amazônica brasileira.

A mais conhecida e famosa é Êxodos.




sexta-feira, 30 de maio de 2025

AUDIÊNCIA - A NOVA DEMOCRACIA -. Selvino Antonio Malfatti.

 

 


Há democracia de notáveis, somente os nobres votam; de elite, nesta só nos ricos votam; de massas, todos votam.

Agora surge outra: Democracia de AUDIÊNCIA.  (Sociólogo Edgar Manin - Os princípios do governo representativo). Nesta recebe mais votos o que mais brilha, encanta. O que faz mais espetáculo.  Desfiles de candidatos, passeatas, shows, carreatas, carros de som, danças, coreografias. O brilho da apresentação.

Como se manifesta concretamente a democracia de audiência

Personalização da política

A atenção dos eleitores se volta para as figuras dos candidatos, mais do que para os programas partidários. Líderes carismáticos ganham destaque, e a imagem pública se torna central. A relação entre governantes e governados passa a ser mediada pela mídia, especialmente pela televisão (e, mais recentemente, pela internet).

Primazia da comunicação midiática

O debate político se desloca para os meios de comunicação de massa, onde os eleitores são "audiência" de um espetáculo político. O sucesso de um político depende da sua capacidade de comunicação, de conquistar a opinião pública, e não apenas da fidelidade partidária ou do debate programático.

Declínio da centralidade dos partidos

Os partidos continuam existindo, mas perdem parte de sua função tradicional de formação ideológica e mobilização de base. Os eleitores se tornam menos fiéis a partidos específicos e mais suscetíveis a mudar de voto conforme a performance individual dos candidatos.

Eleitor como espectador

O cidadão-eleitor se comporta mais como um espectador crítico do que como um participante ativo do processo político. A política se transforma num espetáculo de comunicação, e a deliberação pública se torna fragmentada e superficial.

Campanhas centradas em imagem e opinião pública

As campanhas eleitorais se apoiam em estratégias de marketing político, uso de pesquisas de opinião, slogans e apelos emocionais, reforçando uma lógica de consumo: o eleitor "escolhe" um candidato como um consumidor escolhe um produto.

Em resumo:

A democracia de audiência é uma forma de democracia representativa onde os cidadãos se relacionam com os representantes através da mediação da imagem e da comunicação, não mais por meio da identificação partidária ou da participação ativa em estruturas coletivas. Essa transformação altera a natureza da representação política, reforçando a centralidade do indivíduo e da performance no espaço público.

A reflexão do sociólogo Bernard Manin constata que houve e há erosão da representação política tradicional. Observa que os partidos políticos e os políticos perderam a capacidade de estruturar a vontade popular de forma eficaz. Isso leva ao enfraquecimento do vínculo entre eleitores e representantes. As instituições políticas representativas ficaram fragilizadas. E por isso estão ameaçadas. Quais as ameaças?  

Esses pontos revelam que a democracia contemporânea está se afastando de seus fundamentos representativos e deliberativos, abrindo espaço para formas de governo autoritárias e tecnocráticas. O que mais promete na mídia é mais aplaudido daquele que promete o possível. O político de audiência fala bonito e encanta sem compromisso com a verdade, como por exemplo:

“Deus deixou o sertão sem água porque sabia que EU ia trazer!”

 

 

sexta-feira, 23 de maio de 2025

O EXPANSIONISMO DE TRUMP. Selvino Antonio Malfatti.

 

 



Na posse, Trump edita os principais pontos de seu programa de governo[i]. Todas as medidas afetam mais aos estrangeiros que seu próprio país. Ele quer não só a América para os americanos, mas o mundo para os americanos ou domínio do mundo.

De imediato ergue um “muro” que se estende do Golfo do México (da América conforme Trump) ao oceano pacífico como fronteira da América. A justificativa é proteger seu país de “traficantes de drogas e criminosos e estupradores” que corrompem a pureza do sangue de seu país. Abole as antigas alianças abrindo caminho para o expansionismo, tal como o Canal do Panamá, cedido por Jimmy Carter o qual acreditava na equidade nas relações entre as nações. Trump crê apenas no vantajoso e quando uma aliança deixa de ter as razões de quando foi criada pode ser rompida, conforme Maquiavel. Quão longe estamos da Aliança para o Progresso de John F. Kennedy, em 1961!

O apetite de Trump pela expansão do domínio exterior é ilimitado e insaciável. Até mesmo em assuntos estranhos. É o caso do questionamento da soberania no canal do Panamá. Em que pese a promessa de acabar com as guerras nada justifica sua ingerência em estados autônomos como a Groenlândia dinamarquesa que, qual o Panamá, reivindica interesse estratégico. Às vezes assume um ar profético como um Moisés apontando para a Terra Prometida. Para tanto conclama os cristãos, mormente os evangélicos para que votem nele e tudo está resolvido.[ii]

A aproximação de Trump com os bilionários como ele e não com políticos de seu país antevê a inauguração de uma república oligarca econômico-científico-tecnológico. A presença de Elon Musk lhe garante este objetivo. É mais tranquilo aliar-se a donos das redes sociais X e Space X que nada objetam em questões de transgênero que enfrentar os debates na câmara e no Senado. O expansionismo obedece a uma lógica maquiavélica com a ausência de regras ou abolição das existentes abre o caminho para o dono da lei e das regras. Oxalá as demais nações democráticas não sigam seu exemplo. Ficou evidente o móvel de sua política externa: "Não seremos conquistados, não seremos intimidados". Pelo visto nada detém sua tirania de príncipe. Para chegar a seus objetivos vale tudo: armas, taxas, deportações, protecionismo.

Neste contexto entram as tarifas. Estas fazem parte da história econômica dos USA. Desde os Pais Fundadores a questão perpassa os governos americanos. Tanto o secretário de estado (para nós seria Ministro) Thomas Jefferson e seu secretário do tesouro Alexander Hamilton são frutos do iluminismo. Ambos participaram da Revolução Americana, mas são ideologicamente  contrários um do outro. Thomas Jefferson defendeu os interesses agrários do sul, Alexander Hamilton defende os interesses industriais do norte. A tradição Jeffersoniana é pelo laissez faire, livre comércio, governo limitado. Seu oposto Hamilton defende o protecionismo, indústrias domésticas. Trump se encaixa nesta tradição. Para tanto impõe as tarifas afastando os importadores querendo desenvolver a indústria doméstica. Daí seu lema: “amo as tarifas”. O problema foi o estrago que as tarifas causou às economias mundiais e, por tabela, a própria. Agora está voltando atrás não “motu próprio”, mas pela pressão internacional e de seu país.

Os outros itens de seu programa estão em andamento. Deportações em massas, aos milhares, pressão sobre o judiciário para que não proteja os imigrantes, atritos com o Panamá, Dinamarca  e Canadá. Nada de acordos sobre clima e saída da OMS. 



[i]   Emergência nos limites entre Usa e México, deportação em massa e imediata de imigrantes ilegais, fica abolido o “ius soli” da  cidadania americana, o golfo do México passa a denominar-se Golfo da América, saída do acordo do clima de Paris, saída da Organização Mundial da Saúde, fim do incentivo para automóveis elétricos, fim da proibição de perfuração no Alasca, fim dos limites de concessões de licenças para o petróleo e atividade mineral, fim dos investimentos na energia renovável, a administração federal reconhece só dois sexos: masculino e feminino, os cartéis de drogas passam para a categoria do “organizações terroristas estrangeiras”

[ii] E mais uma vez, queridos cristãos, saiam de suas casas e vão votar; só desta vez; você não precisará mais fazer isso. Vocês não precisarão votar novamente no futuro, meus lindos amigos cristãos. Eu te amo, eu sou um cristão, eu te amo; Saia de sua casa e vote. Em quatro anos, você não terá que votar novamente. Teremos organizado tudo, para que você não precise mais votar.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Leão XIV e o legado de Agostinho. José Mauricio de Carvalho

 



A eleição do cardeal Robert Prevost, Leão XIV, realçou a herança espiritual de Agostinho de Hipona, inspirador da Ordem Religiosa a que ele pertence. Isso porque, em suas primeiras comunicações, o Pontífice revelou elementos da espiritualidade agostiniana. Apresentou-nos, evidentemente, aspectos dessa herança atualizada, porque a problemática do Bispo de Hipona, que viveu entre o quarto e o quinto século, como de todos os pensadores, é sempre datada e responde aos questionamentos de um dado tempo, ainda que contemple elementos universais.

Agostinho de Hipona, foi um pensador que impactou de forma profunda a tradição filosófica. Pelo menos entorno a dois temas importantes que são: a História e o Espírito (intimidade ou subjetividade que no seu tempo não se separava da alma como passaram a fazer os fenomenólogos atualmente). Para ambos os temas deixou contribuições notáveis que enriqueceram a tradição filosófica. O primeiro conteúdo abriu as portas para as filosofias da História de Bossuet, Hegel e dos idealistas em geral e o segundo ofereceu elementos de hidratação à mística cristã e aos estudos da subjetividade, como também fez Descartes. Claro que com a diferença de que a subjetividade agostiniana não se compreende sem Deus, ao contrário de Descartes onde Deus entra como arranjo.

O filósofo formou-se sob dupla influência. Um pai instruído, mas pagão e uma mãe cristã e santa, mas sem formação intelectual maior. Depois de uma juventude onde mergulhou nos prazeres mundanos iniciou um caminho de elevação espiritual que nunca mais parou e o conduziu a líder intelectual dos cristãos e bispo da Igreja. Nesse caminhar Cícero o colocou em contato com a tradição filosófica e, mais tarde, Ambrósio o apresentou a doutrina cristã dos primeiros padres.

Embora sua construção intelectual seja ampla queremos destacar três obras que nos legou: A Cidade de Deus (a mais importante da perspectiva filosófica), As Confissões (que abriu os estudos sobre o mundo interior) e o Tratado sobre a Trindade, onde proclamou a divindade de Jesus e caracterizou o mal como ausência de Deus.

Em Confissões realizou uma autoanálise, descrevendo sua jornada interior até alcançar Deus no fundo da alma, também tratando da morte, da finitude e das dificuldades e erros humanos. Como em Platão, o homem foi considerado simultaneamente anjo e fera. A alma possuía as seguintes faculdades: memória, inteligência e vontade (amor), nessa última ele enxergou a presença de Deus. No livro abordou a vida interior, o encontrar a si mesmo e ficar a sós com seu eu.

Para o filósofo, a alma faz uma jornada de fora para dentro, mas não se fecha em si, ao descobrir Deus ela descobriu o que é maior e que se reflete nela. Se a contemplação do mundo (teoria da iluminação platônica) nos apresenta seres temporais e contingentes, eles abrem o caminho para o Eterno, Imutável, Altíssimo e necessário que lhes serve de base. Como em Platão, as ideias estão na mente divina (Ser absoluto) e dão origem ao mundo (o mundo é reflexo dessas ideias ou modelos exemplares que Deus usou para criá-lo). Embora Deus seja descoberto na interioridade, ele, mesmo visitado, permanece inacessível a todo entendimento, apenas se deixando vislumbrar na alma. O mundo que habitamos foi criado por Ele e por sua vontade e bondade.

Enquanto Platão partia do mundo que chegar às Ideias eternas, Agostinho partiu dos movimentos da alma que alimentam a sensibilidade. É a alma que conhece o mundo, primeiro sensorialmente, depois quando se dobrou sobre si mesma e, finalmente, enquanto percorreu as vias íntimas descobrindo Deus. Com essa jornada, o filósofo não apenas defendeu a divindade de Jesus como superou o materialismo maniqueísta que lhe inspirara na juventude e ganhava força naqueles dias.

O filósofo criou um diálogo entre razão e fé que abriu a problemática medieval, embora nele a pesquisa e o estudo somente fossem bons quando incorporavam a sabedoria vinda de Deus. Porém, o estudo é fundamental porque não se pode amar o que se desconhece. A viabilidade desse mergulho em Deus decorre da marca deixada por Deus na alma de cada homem.  O conhecimento em si não conduz à felicidade ou a satisfação que só vem com a sabedoria. Essa surge no contato com as verdades eternas que ele encontrou nas cartas de Paulo. Sem sabedoria, o conhecimento é incompleto e impuro. O mal decorre da ausência de sabedoria. A origem das criaturas é o Eterno, base de sua cosmologia contra os Maniqueus. O mal em si não existe, ele é a ausência do bem ou da presença de Deus.

Na Cidade de Deus há uma reflexão análoga a cartesiana, que contempla a descoberta do eu, acima de todas as dúvidas. Não há engano na constatação de que sou. Se existo, não me engano a esse respeito, pois ainda que me enganasse sobre tudo continuaria a existir. Por seu próprio exercício, o espírito conhece as coisas, a si mesmo e indiretamente a Deus, presente na criação e sua causa fundamental. Todos os nossos conceitos são insuficientes para falar de Deus, mas nos dizem algo Dele. Na sua antropologia a alma, como o corpo vem dos pais, daí o pecado original ser deles herdado. Parte dessas ideias entra no protestantismo, Lutero era monge agostiniano.

Que lições deixou Agostinho para nossos dias? O propor que o movente maior da vida é amor (em suas várias formas). Quando alguém está em sintonia consigo move-se no amor. Sua luz elimina a sombra e atrai a verdade, como lembrou o Papa Leão XIV. Assim, não basta conhecer a lei (natural e divina) é preciso agir conforme ela, vive-la. É o amor que qualifica e move a alma. Esse é o núcleo do pensamento ético de Agostinho, daí o famoso imperativo ama e faz o quiseres (de acordo com esse movimento da alma para o amor). Agostinho identificou a necessidade da construção da Cidade de Deus, mostrando que o caminho da humanidade é um desafio moral de humanização, uma história com referência moral vivida no Reino de Deus. Por isso é, que o mal não prevalecerá, disse o Papa Leão XIV, porque o processo tem um fiador. Agostinho apontou os desafios maiores do cristianismo, uma história que vence e supera o mal e uma interioridade onde essa batalha também deve ser travada e vencida.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

ELEIÇÃO DO PAPA LEÃO XIV. Selvino Antonio Malfatti






1.    Gênese do Papado

O papado surgiu de forma consuetudinária e tradicional na Igreja Católica Romana. Havia uma indicação do próprio mestre Jesus, chamado o Cristo, o Ungido, de Pedro ser O Chefe da Igreja. Não foi a carne que te revelou...por isso digo: Tu, Pedro, será a pedra que construirei minha Igreja. Alguns entendem nesta passagem como indicação direta de Jesus como chefe da Igreja, outros que a frase deve ser interpretada no contexto. O certo (?) é que no Concílio de Jerusalém, 48-50 d.C., Pedro o presidiu.

Durante toda a História de 2000 anos o papa foi figura central da Igreja católica adquirindo um profundo sentido teológico, sendo o papa considerado o 1. Sucessor de Pedro, 2. Líder espiritual, 3. Fator de unidade e comunhão entre os católicos. Sua figura atrai a atenção do mundo todo, haja vista o interesse do mundo inteiro na atual eleição do Sucessor de Francisco.

Para os católicos não é uma pura eleição política, mas possui um significado teológico mais profundo. No papa cada católico vê o Cristo na terra, carregado de autoridade divina como pastor apascentando os fieis de sua grei. Sua presença desperta inúmeras controvérsias e celeumas. Talvez o mais problemático é o mistério do dogma de sua infalibilidade: não erra quando fala como autoridade da Igreja. Este mistério é um dos mais tardios proclamados pela Igreja. Surge no Concílio Vaticano I no documento "Pastor Aeternus" em 1870.

2.    Missão

A missão do papa, além do exposto a cima, é de promover o Evangelho, a justiça e a paz. No papa está expressa visivelmente a unidade da fé cristã. Os fiéis veem nele o guia espiritual carregando o estandarte da Cruz, o próprio Cristo na terra.

3.    Eleição do novo Papa

 

1.    Primeiro dia.

Quarta feira, dia 7. Os cardeais entraram na Capela Sistina e inicia o Conclave. Expectativa para a primeira rodada.

Após uma longa espera de uma multidão de 45.000 pessoas na Praça São Pedro e os fieis de todo mundo, apareceu fumaça preta na primeira rodada eletiva, frustrando a esperança de todos os que acompanhavam. Não foi eleito.

 

1.    Segundo dia.

Após 4 tentativas finalmente fumaça branca saiu da chaminé exatamente às 13 hs e 8 min, sinalizando ao mundo que a Igreja católica tem um novo Papa. É o 267º. Seu nome é Leão XIV.

De nome Robert Prevost, tem 69 anos, dos Estados Unidos, Chicago. É conhecido como Pastor de Duas Pátrias: USA e Peru, nas dioceses de Rujillo e Chiclayo. Conhece a Igreja na América Latina de tal sorte que pode ser considerado um latino-americano.  

No Vaticano ocupava o cargo de prefeito de Dicastério, um departamento do vaticano para bispos. Foi elevado ao Cardinalato por Francisco em 2023 para uma diocese de Roma.

 

2.    Orientação religiosa.

Na reunião preliminar dos Cardeais, antes do Conclave, Ficou estabelecido o perfil do novo papa: deveria alguém que daria continuidade a Francisco I. Este se caracterizou em proteger os marginalizados, excluídos, os “lixos” da sociedade, como os separados, divorciados, gays e lesbicas e outros. O novo papa escolheu o nome de Leão XIV. O nome sempre indica um ideal em mente de quem põe ou escolhe. Seu patrono o papa Leão XIII, protegeu os trabalhadores terrivelmente explorados na época. Através da Encíclica Rerum Novaram reivindica para os trabalhadores salários justos, proteção,  sindicatos, férias, aposentadoria. Se Leão XIV escolheu o nome de Leão é porque deverá seguir a linha de seu patrono: defender os mais também fracos, através de garantias mais justas.

 

 

sexta-feira, 2 de maio de 2025

INSTITUIÇÃO POLÍTICO-RELIGIOSA DO PAPADO[i]. Selvino Antonio Malfatti

 



A partir de 7 de maio haverá em Roma, capital do Vaticano, um Conclave com o objetivo de eleger um Papa. Como se originou e se formou o Papado? É a Instituição político-religiosa mais longa do ocidente. Vejamos alguns momentos significativos.

1.    Judaismo

O cristianismo se originou dentro dentro de uma teocracia político-religiosa, o judaismo. Após o exílio, os judeus perambularam como um povo pária, isto é, o único vínculo era o Deus comum, Javé. Com a elaboração de uma lei sacerdotal, levada adiante pelos levitas, juntamente com a pregação dos profetas, abriu espaço para um caráter prático e ético, expurgando as crenças de magias que grassavam no meio do povo.

2.    Cristianismo

Iniciou como uma doutrina de artesãos jornaleiros itinerantes, tendo por líder Jesus que se apresentou como Filho de Deus. Permaneceu sempre como uma religião urbana e cívica. Em todos os períodos manteve este caráter: antiguidade, Idade Média e Época moderna. 

3.    Expansão cristã

Após a reunião dos apóstolos e mais algumas pessoas em Pentecostes, os apóstolos cada um individualmente começou a pregar uma nova religião dentro do judaismo. O confronto era inevitável, pois no seio de uma comunidade religiosa teocrática se pregava algo diverso e literalmente contrário à religião dominante.  A consequência foram  perseguições, prisões e mesmo mortes.

O cristianismo inicial não tinha propriamente um chefe, um líder que centralizasse as ações. Cada apóstolo agia, pregava e escrevia por conta própria. Poder-se-ia dizer que cada apóstolo formava sua igreja, eclesia. E com as perseguições na Judeia obrigaram-se sair procurando outros lugares para pregar. Os primeiros lugares foi o mundo grego principalmente as colônias da Ásia Menor[ii]. Surgem então as igrejas de Colossos, Cartago, Fílipos, Samos,Tessalônica como provam as cartas dos apóstolos e mais tarde estendem a pregação em  Roma. Os apóstolos por aonde iam fundavam comunidades religiosas sob suas lideranças. Não havia uma autoridade centralizada. Cada apóstolo era a autoridade suprema dentro de sua igreja. Mal comparando cada comunidade era uma mini cidade-estado da época.

4.    Papado

O Papado como autoridade centralizada do cristianismo levou tempo, séculos, para ser instituída, não sem confrontos.  Neste período o «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; e o poder da Morte não prevalecerá sobre ele” somente tardiamente foi instituída. O termo “pappa” (pai) era uma designação afetuosa ao chefe da comunidade. Cada apóstolo, e seus sucessores bispos, era um ”pappa”, como por exemplo, os bispos de Cartago e Alexandria. Só gradualmente este título tornou-se exclusivo ao bispo de Roma.

Até o século IV os cristãos viveram ilegalmente na clandestinidade escondendo-se nas catacumbas para seu culto, como em Roma. E as seitas cristãs eram dezenas dentro da própria Roma. Uma delas, a “católica”, era a mais poderosa. O Imperador de Roma percebeu que os cristãos eram maioria, por isso converteu-se ao cristianismo e elevou o cristianismo como religião oficial, em 313. O bispo dda igreja católica de Roma, Clemente, já chamado de “pappa”, e tornou-se teoricamente  chefe também de toda cristandade, não com consenso, mas com contínuos conflitos entre as igrejas, mormente do oriente contra o ocidente, e culminou com o Cisma do no Ano 1000. Desse conflito resultaram duas Igrejas: a ortodoxa do Oriente e Católica do Ocidente, a primeira com o Patriarca, com sede em Constantinopla e a segunda o Papa com sede em Roma. Internamente as maiores discordâncias ocorreram com a Reforma de Lutero, que auto se excluiu da autoridade do Papado e a Igreja Anglicana como arcebispo de Cantuária como chefe da Igreja da Inglaterra.

1.    Escolha dos sucessores de Pedro.

Segundo a tradição católica o apóstolo Pedro (Simão) foi o primeiro papa escolhido diretamente por Jesus: “"Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". Após Pedro a sucessão papal, não envolveu escolhas diretas, mas seguiu procedimentos institucionais e não institucionais.

1.    Período Antigo (séculos I–IV):

Nos primeiros séculos, os bispos de Roma (título equivalente ao papa) eram geralmente escolhidos pelo clero local e com participação da comunidade cristã de Roma. A escolha nem sempre era pacífica, houve conflitos e até mesmo papas simultâneos em alguns períodos. A nomeação envolvia consenso entre os presbíteros e diáconos da cidade.

1.     Idade Média (séculos V–XV)

A partir do século V, aumentou a influência política. Imperadores romanos, e depois do Sacro Império Romano-Germânico, passaram a influir na escolha e confirmação do papa. Já a instituição do Conclave foi estabelecida de forma permanente em 1274 no Concílio de Lyon, padronizando o processo de sucessão por cardeais reunidos em votação secreta.

2.    Idade Moderna e atual

Os papas são eleitos por um colégio de cardeais com menos de 80 anos reunidos em Conclave (fechados à chave), no estado do Vaticano. Requer uma maioria qualificada de dois terços de votantes

Após a eleição, o novo papa pode aceitar ou recusar, e ao aceitar, escolhe um nome papal. 




[i] Falo de instituição política porque o Vaticano, sede do Papa, é um Estado igual a todos os estados. E religiosa porque é a autoridade suprema da Religião Católica. As opiniões aqui expressas são as que considero verdadeiras, mas respeito outras.

[2] Pessoalmente sou testemunha ocular destes marcos cristãos da Ásia Menor. Em toda parte se encontram cruzes,  logotipo do peixe e outras símbolos cristãos,  nas praças, ruas, templos pagãos.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

O FENÔMENO TOTALITÁRIO. Selvino Antonio Malfatti.

 


O FENÔMENO TOTALITÁRIO. Selvino Antonio Malfatti.

Há um sonho subjacente no inconsciente da humanidade que a arrasta para o abismo do global. Aspira por uma entidade, pessoa física ou abstrata que seja sábio, providente e previdente para trazer paz e felicidade. É algo que provê tudo e da melhor forma possível. O sonho de uma felicidade total sem esforço. Um entregar-se ao todo e ser infinitamente feliz. Não sentir nenhum sofrimento apenas quietude e paz.

Este fascínio atrai a humanidade para o todo. O fenômeno do totalitarismo foi genialmente estudado por Roque Spencer de Barros, no Fenômeno Totalitário[i]. Ele caracteriza o fenômeno pela ambiguidade entre o desejo de singularidade e o fascínio da totalidade. O ser quer ser único, livre, singular, mas sente-se atraído pela despersonalização em favor do todo. Poderia se imaginar o dispersivo de Heráclito e o Uno de Parmênides. O Fenômeno Totalitário como aspiração aparece, desaparece e ressurge novamente na trajetória da Humanidade, nas mais variadas formas.

No fenômeno totalitário uma dimensão do homem absorve as demais. A reflexão ocorreu na Idade Antiga com a Religião, que abarcou todos os setores como o judaísmo e zoroastrismo. Mainfestou-se em todas as grandes civilizações como a hindu no oriente com Nirvana. No ocidente pode-se dizer que é inaugurada solenemente aparição do fenômeno totalitário na República de Platão, na Antiguidade. Nela o autor descreve uma sociedade ideal governada por sábios que provém a felicidade, paz e justiça para todos.

Na Idade Média ressurge o fenômeno com Santo Agostinho. Na Cidade de Deus existe a verdadeira felicidade pelas leis cristãs. Na cidade dos homens, pagã reina a desgraça, injustiça e infelicidade. As sábias leis divinas trarão a verdadeira felicidade humana.

O anseio por uma ordem totalitária, segundo o filósofo Roque Spencer de Barro, faz parte da própria ambiguidade, que a seu ver, é constitutiva da natureza do ente humano. Esse ente habita entre a singularidade e a totalidade. No âmbito da singularidade, em sua consciência, ele, e aqui está o aspecto trágico, depara-se com o grande desafio da responsabilidade pessoal e da incumbência de dar um sentido à sua vida e, diante de tantos revezes, pode encontrar-se desamparado. Essa pessoa, instância ética singular, pode ver, no horizonte, a solução de refugiar-se em uma totalidade, na dissolução de sua individualidade em uma ordem coletiva na qual o domínio da responsabilidade pessoal ceda lugar ao domínio do igual, de uma total transparência, da vivência e das decisões coletivas. O sonho totalitário mostra-se, portanto, como a válvula de escape para o pesadelo cotidiano do encontrar-se. É como alguém que está prestes a desmaiar. De repente não sente mais seu próprio corpo nem pensa, é levado para repouso. Não quer voltar à consciência de si, mas permanecer no êxtase.

O fenômeno totalitário, que se origina da exclusão e domínio de uma das dimensões do ser humano como a religião, política, ideologia, tem um alicerce filosófico que lhe dá suporte. Para superá-la necessita de outra filosofia. O totalitarismo político, por exemplo, para ser superado deverá buscar outro suporte filosófico.  No caso a alternativa é a democracia. O totalitarismo racial deverá ser substituído pelo pluralismo. 

Em que pese o Brasil nunca ter sofrido um totalitarismo genuíno nos moldes da Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini, Rússia de Stalin, Iugoslávia de Tito e assim por diante. Tivemos regimes ditatoriais muito intensos como Getúlio, oclocracia parlamentar como D. Pedro II, juristocracia sufocante como atual prática da Suprema Corte. Nunca, porém, conhecemos um totalitarismo, da perda da consciência.

O totalitarismo é uma doença de risco mortal. Precisa de medicação adequada e não tratamento paliativo. Não basta eliminar a dor, mas tratar o foco infeccioso. Enquanto o totalitarismo estiver imanente no ser, um ícone na memória, que pode a qualquer momento ser ativado e metastizar todo corpo social: política, religião, cultura, sociedade, enfim as instituições.


[i] Nasceu em São Paulo, Bariri em 1927 e falece em São Paulo, 1999. Foi historiador, filósofo, educador. Ideologicamente posicionou-se como liberal, refletindo seu pensamento na produção intelectual.

 

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