No seu belo poema Perí tes fyseos (Acerca da Natureza), o
filósofo Parmênides de Eléia narra, em bela ficção poética, a marcha do carro
do conhecimento, guiado pelas Helíades (Filhas do Sol), em direção ao Infinito,
em busca da Verdade. O homem (que somos todos nós, passageiros desse carro da
aventura epistêmica rumo à Luz imorredoura) parte das "moradas da
noite" que se identificam com a nossa cotidianidade (a defesa dos interesses
materiais), a fim de, no alto Céu, encontrarmos duas deusas: Diké (a Norma) e
Themis (a deusa amorosa do sentimento de Justiça).
Ora, no convívio com as duas deidades iluminamos com a
Luz da Verdade as nossas "moradas da noite", a cotidianidade que nos
assoberba com os seus finitos e passageiros requerimentos. Mas o filósofo
alerta que o convívio com as deusas não pode nos separar dessas "moradas
da noite" que devem ser iluminadas, sempre, com a luz olímpica da Justiça
e da Lei.
Distribui entre os meu alunos do Curso de Direito da
Universidade Positivo em Londrina, nas aulas da disciplina "Teorias da
Justiça", o belo texto de Parmênides, na maravilhosa tradução do saudoso
Gerardo Mello Mourão (Parmênides. O Poema sobre a Natureza. Edição bilíngue, tradução
de Gerardo M. Mourão, São Paulo: Edições Gumercindo Rocha Dorea - GRD, 1987, 28
pg.). Os meus alunos, pertencentes na
sua maioria à primeira turma do Curso, fizeram comentários entusiasmados acerca
do belo poema de Parmênides. O pensador pre-socrático intuía, na sua narrativa
poética, o caminhar da razão humana rumo à descoberta de verdades imorredouras,
partindo sempre dos dados da vida cotidiana. Antecipava genialmente Parmênides
a estrutura tridimensional do Direito, que Miguel Reale identificou como
distribuída entre Fato, Valor e Norma. Somente poderemos dar solução aos
conflitos de interesses que azucrinam a vida dos humanos (Fatos) se nos
elevarmos, pela reflexão, às Normas (identificadas com a "poderosa"
deusa Dikê) e se formos inspirados, ao mesmo tempo, pela amorosa presença de
Themis (a deusa do Amor à Justiça).
Juízes que julgam acerca dos comportamentos erráticos dos
homens devem confrontá-los com as Normas, mas sem esquecer o sentimento do amor
à Justiça, que constituiria como que o espírito
da Lei. Nestes tempos bicudos de tentativas de desmonte da mega-operação
Lava-Jato (que virou torrente que parece não se exaurir), lembrar essa dimensão
tridimensional do Direito postulada pelo Mestre Miguel Reale, é uma
necessidade. Sem o primado da Lei, à luz da vivência do sentimento da Justiça,
não poderemos iluminar as "sendas da noite", ou seja, a
particularidade dos fatos humanos e dos conflitos de interesses que precisam
ser esclarecidos e equacionados à luz da Verdade. Hoje, mais do que nunca, a
Filosofia precisa verter a sua luz imorredoura sobre os tortuosos caminhos
pelos que o Direito se firma como Norma e como Ideal. Somente sob a batuta de
juízes íntegros, dispostos a ir até às últimas consequências no seu amor à
Justiça, é como poderemos obter ajuda para encararmos estes tempos difíceis,
salvando as Instituições.
Acontece que nem sempre as nossas cortes superiores,
notadamente o Supremo Tribunal Federal, parecem afinadas com os altos ideais de
amor incondicional à Justiça e de respeito às Normas do Direito positivo.
Decisões liminares contrapõem-se, na nossa Suprema Corte, a decisões colegiadas
que já tinham assinalado o caminho seguro para o império da Justiça. Tal
intuito, certamente, tinha animado aos Juízes da Suprema Corte quando
definiram, há quase uma década atrás, de forma colegiada, a espinhosa questão
da prisão após a condenação dos réus na segunda instância. Ao ensejo da
possibilidade de prisão do ex-presidente Lula, há algumas semanas atrás, a
questão foi novamente colocada sobre o tapete, abrindo o precedente de
incerteza jurídica que ainda hoje paira sobre as nossas cabeças. E, para piorar
as coisas, alguns juízes da Suprema Corte adotaram comportamentos pouco éticos,
colocando a própria vaidade e os compromissos com interesses individuais por
cima da dedicação que deveriam mostrar às causas que afetam a Vida Republicana.
Gilmar Mendes viajando de afogadilho para tocar os seus negócios particulares
em Portugal, trouxe para o Supremo uma péssima imagem de alguém que deveria viver,
fundamentalmente, para responder às exigências do alto cargo que ocupa. Outro
ministro, caracterizado por suas posições individuais discordantes, deu um show
de falta de seriedade quando se afastou célere da reunião do Supremo para
atender a compromissos sociais no Rio de Janeiro, alegando que "já tinha
marcado assento no voo". Como se, no caso da sessão do Supremo Tribunal
Federal, se tratasse de uma reuniãozinha qualquer marcada com amigos de
ocasião.
Para cúmulo de males, a nossa secular tradição
patrimonialista viu-se reforçada, nos últimos quatorze anos de desgovernos
petistas, pela prática dos vícios que o clientelismo rasteiro sedimentou no
agir político brasileiro, com o foco nos "amigos" e não nos cidadãos
para os que deveriam, Lula e os seus colaboradores, governar. A corrupção no
sentido aristotélico (quando os que governam fazem-no pensando no seu próprio
bem-estar unicamente, se esquecendo do bem de todos) tomou conta do país. Isso
motivou as mega-manifestações de 2013 e dos anos seguintes. O país viu a
transformação das instituições republicanas no "Mecanismo" tão bem
dramatizado pelo filme da Netflix, dirigido por José Padilha com roteiro de
Elena Soares. O nosso Estado, que deveria servir a todos os brasileiros, virou,
como diria Weber, um "Estado das autoridades" que unicamente cuida do
bem-estar da burocracia e dos seus áulicos empresários corruptos, deixando de
ser um "Estado do povo".
Esse descaso com o que é de todos, que nos afeta desde o
início dos nossos dias como Nação, no ciclo lulopetista se converteu em doença
contagiosa que faz periclitar o convívio político. O Brasil vai às escuras,
tendo deixado de equacionar os grandes problemas que atravancam a vida
política. Não foi feita a reforma política. As reformas no terreno econômico,
como a previdenciária, patinam. O Partido que nos governou até recentemente
especializou-se, ao longo dos seus trinta anos de história como agremiação
partidária, a fugir dos problemas nacionais. Lula não assinou a Carta de 88. Os
petistas torpedearam por todos os meios a efetivação das reformas econômicas
que, ao ensejo do Plano Real, puseram fim à corrida inflacionária. E hoje,
desalojados do poder, conspiram contra qualquer tentativa de conferir
estabilidade à nau do Estado, se aliando ao anarquismo irresponsável dos mal
chamados "movimentos sociais" e pregando, pela boca do seu máximo
líder, ora na cadeia, um confuso e anárquico messianismo que não se sabe aonde
pretende nos conduzir.
Ora, como as instituições não caem do céu, competindo a
todos nós equacioná-las, é tempo de pensarmos naquilo que deve ser feito para
garantir o convívio coletivo. A primeira reforma deveria ser a política, com a
redefinição do nosso pacto federativo. Do jeito que a representação foi pensada
ao longo dos ciclos autoritários, favorecendo mais os grotões atrasados do que
a participação maior dos Estados mais modernizados, não iremos a lugar nenhum.
A segunda providência deveria ser no terreno da definição político-partidária,
mediante a adoção do voto distrital, a fim de aproximar mais os eleitos dos
eleitores e dar a estes, efetivamente, o controle sobre o Congresso. A terceira
providência deveria ser, no terreno econômico, com a diminuição efetiva da
presença do Estado na economia, mediante as privatizações da centena e meia de
empresas estatais improdutivas que garantem gastos mas que atravancam o
desenvolvimento.
William Waak no seu artigo intitulado: "Uma
Ideia" (O Estado de São Paulo, 12/04/2018) chamava a a atenção para o fato
de que a prisão do ex-presidente Lula não era a solução mágica para todos os
males que nos afligem. Ela foi, certamente, um evento alvissareiro. Pelo menos,
nesse caso, foi feita justiça. Alguém,
como Lula, que se vangloriava de não levar em conta as instituições, teve de
sair de cena, por força da lei penal que ainda vige e que castiga severamente
aqueles que se prevalecem do poder para desviar recursos públicos.
Mas a solução dos nossos males passa também pelas
reformas que ainda não foram feitas, notadamente o reerguimento do Legislativo como
poder autenticamente republicano, hoje reduzido a um colegiado que tem vergonha
de si mesmo e do qual os brasileiros deblateram. Ora, sem representação que
valha, não teremos uma República que mereça o nome. Teremos, sim, um despotismo
mais ou menos disfarçado.
Belíssimo.
ResponderExcluirMuito bom.
Voto distrital, será o caminho,uma luz, esperança.
ResponderExcluirAcredito que o voto distrital seja a solução,bom.
ExcluirPara ser república precisamos de pessoas responsáveis e eticas cumpridora das leis,desalinhadas de partidos políticos.
ResponderExcluirSolução para nossos males, justiça igual para todos,ladrao é ladrão, colarinho branco é só a gola de uma camisa.
ResponderExcluirQue os ceus nos abençoe.
ResponderExcluirMuito bom.
Os céus nos abençoam, com certeza, mas precisamos aprender a votar.
ExcluirMuitas bênçãos, mas devemos entender que temos que fazer nossa parte, sair do individualismo, pensar no bem de todos.
ExcluirSim, amor a justiça, espírito da LEI, bons tempos que passaram, assim como havia a missão do professor com vocação.
ResponderExcluirA busca da Verdade, me encanto, não encontro.
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