As
redes sociais e as mídias se ocuparam, nesses últimos dias, de nos afundar na
lama de Mariana e de nos mergulhar no sangue dos parisienses. Duas tragédias
com todos os componentes fundamentais: a capacidade da cena de provocar horror
e a compaixão das vítimas. Assistimos, nesses dias, dois episódios que ceifaram
vidas inocentes e ameaçaram outras tantas.
Do
lado de cá do Atlântico, um mar de lama escoou de barragem mal fiscalizada,
erguida para dar viabilidade econômica à exploração do minério de ferro e lucros
exorbitantes a empresas globais preocupadas simplesmente em enriquecer; do
outro lado, os tiros e as bombas lançados sobre jovens inocentes que se
divertiam no final de semana. A justificativa da perversidade é o pecado da
cidade condenado pelo fundamentalismo religioso. De comum aos dois episódios a
quebra da tranquilidade e da felicidade que acompanha o homem em seus dias. A
felicidade de estar em paz com a família numa pequena aldeia do interior do
Estado das Minas, ou a de participar de um evento cultural numa das mais lindas
cidades do mundo. Cada qual vivendo sua cota de felicidade, tocando a vida como
lhe parecia melhor, cada homem com suas escolhas e caminho para a felicidade.
Todos a perderam, ninguém a conservou, pois é próprio da tragédia a fugacidade
da felicidade e a destruição do que não é estável; a vida mesma. Nos dois casos,
inocentes estavam na linha do desastre e pagaram com a vida e bens, a
negligência de uns e a violência bárbara de outros.
Houve
quem enxergasse na especulação dos comerciantes de Valadares, que aumentaram o
preço da água, um elemento surrealista no meio da tragédia. Explorar quem passa
por uma tragédia é algo inimaginável mesmo para a plástica inteligência dos
filósofos gregos. Enquanto a solidariedade se ampliava em Paris, a exploração
da tragédia marcaria o lado de cá. No entanto, parece que a reação comum, ou
humana, foi mesmo a solidariedade de lá e de cá. Solidariedade dos moradores
que acolhiam pessoas perdidas e sem saber para onde ir na capital da França,
dos motoristas de taxi da cidade luz que levavam os cidadãos sem cobrar a
corrida e aqui de voluntários que com seu trabalho e doações encheram os
ginásios de Mariana de donativos e solidariedade humana, em magnífica demonstração
de apoio.
Essas
tragédias nasceram não da quebra da ordem divina do mundo como um dia pensaram
os antigos gregos, mas da negligência e imprudência de uns e da ignorância e
brutalidade de outros. Nos dois casos foi o homem quem promoveu a desgraça, espalhou
a dor, deu livre curso à perfídia. Foi a ação humana que alcançou a vida de
inocentes e rompeu a ordem precária do mundo, ecológica aqui, política lá. Nos
dois casos a mesma sensação amarga de que o desastre poderia ter sido evitado
com algum cuidado.
Das
tragédias uma única coisa se salvou, a solidariedade diante do desespero. A
solidariedade capaz de mudar, pelo respeito à dignidade humana o aspecto
terrível do que nos acontece. Da vida constata-se que certo são as incertezas
que nos alcançam em qualquer parte e a qualquer tempo. Fica sempre um desafio
depois da tragédia, superar o absurdo e o horrível que ela provoca e tentar
impedir, parece que sem sucesso, que um novo desastre se repita. O que talvez
possa resultar do cuidado é redução do número de tragédias que acompanham a
história do homem. Alguma com certeza virá, em algum dia, quando menos
estivermos esperando.