Como anunciamos, a partir de
agora teremos a colaboração do Professor José Maurício de Carvalho que leciona na Universidade
Federal de São João del-Rei. É graduado em
Psicologia, Filosofia e Pedagogia. Na pós-graduação possui especialização,
mestrado e Doutorado. Concluiu estágio de Pós-doutorado na Universidade Nova de
Lisboa e na Universidade federal do Rio de Janeiro. É membro do Instituto de Filosofia
Luso-brasileira, com sede em Lisboa. Atua também como consultor de diversas
revistas científicas. Destaca-se como professor de filosofia, ética e cultura.
Segue o artigo.
"RELIGIÃO E DIGNIDADE HUMANA
A semana
começou com notícias duras para a humanidade: acirrou a crise econômica
na Europa, o Paquistão testou com sucesso um míssil capaz de levar ogivas
nucleares, aumentou o desmatamento da Mata Atlântica na costa brasileira,
ocorreu novo massacre de crianças e mulheres na revolta popular contra o
governo da Síria e houve intoxicação criminosa de jovens estudantes afegãs.
A última notícia choca tanto pela novidade, quanto pela justificativa.
Grupos
radicais islâmicos que não aceitam a educação da mulher e sua dignidade promoveram
o atentado que quase levou a morte 150 jovens. Socorridas às pressas e levadas
ao hospital, elas estão em tratamento, mas ainda não há notícias das seqüelas
físicas e psíquicas do atentado covarde. Estes grupos encontram justificativa
na interpretação limitada do livro sagrado, para considerar a mulher um ser
inferior, devendo permanecer sem educação, reclusa em casa e coberta por um
manto da cabeça aos pés.
Os
americanos que invadiram o país depois do atentado de 11 de setembro, em luta
contra o terrorismo religioso, abriram as escolas para a mulher e levaram para
lá o padrão de vida ocidental, rejeitado imediatamente pelos radicais religiosos.
O que vemos ali desde então? Um país que já foi sede de brilhante civilização
influenciada pela Grécia e Índia, tornou-se, em nosso tempo, território de
atraso e barbarismo. Para isto contribuiu o interesse da Guerra Fria, quando os
russos, com o propósito de aumentar sua área de influência, invadiram o país em
1979. Naqueles dias, os americanos apoiaram os grupos de radicais religiosos que
se fortaleceram com o apoio e enfrentaram os russos. Durante doze anos uma guerra
brutal teve por palco as belas planícies e muitas montanhas do país. A guerra
durou até que as tropas soviéticas deixaram o país em 1989, quando, por conta
da deterioração do regime comunista, esgotou-se o modelo imperialista da Antiga
União Soviética. Os grupos de radicais religiosos que haviam lutado para expulsar
os russos encontravam-se então bem armados para expandir o que acreditam seja o
projeto de Deus para a humanidade. E foi assim que a pobre população, nos dois
sentidos, viu-se dominada por fanáticos armados e os americanos provaram o
resultado de suas políticas pragmáticas.
Não
sabemos se o novo governo que ali se formou na última década terá força para
enfrentar tais grupos radicais ou se com a saída dos americanos eles voltarão a
controlar o país. O pior do episódio das jovens contaminadas é a justificação
religiosa do atentado, mostrando o desastre que significa a religião ser é
usada para escravizar a humanidade. O ocidente também não teve dias de elevação
espiritual durante a Idade Média quando vigorou a intolerância religiosa, a
perseguição aos judeus, à condenação das bruxas, as fogueiras, a inquisição.
Felizmente,
a combinação da filosofia grega com o cristianismo e o código civil romano
permitiu o reconhecimento da dignidade humana, favoreceu a tolerância,
erradicou a perseguição religiosa e deu origem a movimentos pacíficos e ao
retorno à pregação de Cristo. Estamos ainda muito longe da elevação humana
pretendida por Jesus de Nazaré: igualdade em dignidade de homens e mulheres,
fim da escravidão do homem pela religião, estímulo ao amor fraterno entre as
pessoas, tolerância entre os homens, espiritualização crescente, etc. No entanto,
parece um despropósito a religião contribuir para obstaculizar a elevação
espiritual do homem.
O
atentado contra as jovens é um alerta à consciência religiosa no sentido de que
o que há de mais sagrado na mensagem religiosa é o respeito humano, é o cuidado com as pessoas,
é a educação que eleva seus interesses, educa seu egoísmo natural e fortalece a
fé. A religião, como diálogo com Deus, se aceita e admitida, é convite de
elevação espiritual e não instrumento de dominação. É o que a consciência moral
aponta como diretriz nos dias que vivemos."