No
decorrer da história da cultura a palavra mito teve significados distintos
desde que surgiu entre os antigos gregos. Platão a concebeu como forma
deturpada de verdade ou como aquilo que se distancia de uma narrativa
verdadeira. Aristóteles elaborou na Poética
essa compreensão e a apresentou não somente como falsa narrativa, mas como
maneira aproximada ou simbólica de dizer algo. Esta noção de verdade aproximada
abriu espaço para uso do termo como narrativa simbólica com valor moral ou
religioso e assim passaram a ser nomeadas as narrativas cosmogônicas ou
soteriológicas, isto é, que narravam as origens ou fins do universo de uma
perspectiva religiosa, como se vê na Bíblia.
Entre
os modernos a palavra mito adquiriu um sentido não reconhecido na antiguidade.
Um dos responsáveis por essa virada gnosiológica foi o italiano Giambattista
Vico que enxergou nas narrativas mitológicas não inverdades ou verdades
diminuídas, mas uma outra forma de dizer a verdade. E ele observou que é
possível comunicar uma verdade de várias maneiras. Disse ainda que os povos ao
narrarem sua origem se valia de caracteres poéticos e simbólicos para expressar
aspectos difíceis de serem transmitidos numa linguagem lógica e discursiva.
Porém, foi no idealismo alemão que o mito ganhou uma significação mais
elaborada ao ser apresentado como uma espécie de religião natural, isto é,
forma natural pela qual ocorre a manifestação do Absoluto entre os povos. O
grande articulador dessa forma de pensar foi Friedrich von Schelling autor de uma
Filosofia da mitologia, onde avalia
as narrativas mitológicas como manifestação da divindade na natureza.
O
pensamento contemporâneo retomou as considerações do idealismo alemão para
destacar na narrativa mítica uma realidade decorrente da compreensão
fenomenológica de entender o mundo. Para os fenomenólogos sempre que se pensa
se está pensando algo. Daí a
expressão consciência de, para
traduzir esse entendimento de que se é a consciência subjetiva que pensa o mundo,
como ensinou Descartes, ela pensa o mundo representando-a nela ou o medindo
segundo suas possibilidades. Por isso, Ernest Cassirer no Ensaio sobre o homem trata essas formas simbólicas ou poéticas de
descrever as origens como reveladora da distância existente entre o símbolo e o
que ele representa. Assim as narrativas míticas, embora privadas de rigor
lógico, não são incoerentes se observadas na ótica dos sentimentos, que são
muito fortes entre os primitivos.
A
Sociologia moderna trouxe esse entendimento contemporâneo para descrever o
surgimento de elementos de formação dos grupos. Esse uso foi deturpado na
linguagem comum. Isso ajuda a entender o uso despropositado que passa ser feito
do conceito para representar um homem e sua liderança. A extrema direita foi
campeã nesse uso deformado do conceito ao veicular a ideia de que Hitler ou
Mussolini eram mitos. Isso andou meio esquecido em razão dos destinos da
guerra. Aproveitando-se da ignorância geral a direita brasileira está assanhada
tentando propor outro mito ou de fazer a sociedade engolir outro mico.