sábado, 31 de dezembro de 2016

A triste face da barbárie que se instalou entre nós e o ano novo. José Mauricio de Carvalho.





Muita coisa aconteceu no país na última semana, mas pouca tão emblemática como o assassinato do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas que trabalhava, como ambulante, no Metrô de São Paulo. Filmados em agressividade descontrolada, os primos Alípio Rogério e Ricardo Martins não tiveram como negar o assassinato e ficou ridículo a fantasiosa história dos seus advogados. Triste é destino do Direito quando cria histórias sem compromisso com valores e a verdade. E quando se assiste às filmagens da agressão não há como não se perguntar: como é possível tanta brutalidade? Por que fizeram aquilo? Por que ninguém tentou impedir, mas ao contrário, correram apavoradas em histérica fuga?
Não é simples uma resposta. Essa é uma tentativa de alinhavar alguns pontos desse enrosco. Os jovens adultos de hoje foram criados por uma geração que queria gozar sem limites. A geração do é proibido proibir, do sexo livre e rock and roll, a geração que confundiu a necessária repressão à agressividade, sexualidade e desejos, com brutalidade, com violência contra crianças, com desrespeito à lei e ao estado de direito típico dos anos da ditadura. Ao contrário, do que acreditou aquela geração não há educação sem limites, sem contenção dos desejos, o que pode ser feito, contudo, com carinho e amor. É possível uma sociedade ordeira no estado de direito. É preciso controlar os impulsos.
Esses jovens adultos de hoje não aprenderam a dialogar, a usar a razão e a reconhecer quando os outros a têm. Ao contrário, sendo criados na intolerância do desejo, não têm limites e nem reconhecem outra autoridade que a força. Por isso usam a violência nas relações pessoais e se destroem nas drogas. A agressividade nas ruas e trânsito de nossas cidades maiores, em especial na capital paulista, é exemplo de como deixamos de usar a razão para resolver problemas e conflitos.
A geração dos jovens adultos de hoje foi criada numa sociedade absurdamente desigual, onde as desigualdades se aceleraram e se evidenciaram, não porque os pobres ficaram mais pobres, mas porque, ao contrário, houve um enriquecimento. Porém, o paradoxo se esclarece quando se compreende que os benefícios desse enriquecimento, pelo menos em nosso país, se concentraram numa pequena faixa da população, enquanto a grossa maioria permaneceu no limite da sobrevivência. Essa realidade reforçou o comportamento da antiga elite escravocrata. Essa elite não tem pudor de beber champanhe de 10.000 dólares e comprar prédios inteiros em Miami, mas não dá uma bolsa de estudos, nunca fez uma doação para uma universidade ou hospital. Uma elite que não se sente parte dessa nação, que não se solidariza com a imensa maioria, a critica e ridiculariza. Uma elite que se faz representar no parlamento e compra os pobres que ali chegam corrompendo-os com a chance de enriquecer criminosamente. É mais fácil enriquecer meia dúzia de egoístas que construir uma sociedade mais justa. A atual proposta de reforma previdenciária é parte disso.
Os jovens adultos de hoje foram criados no modelo tecnicista de uma educação positivista, que não o deixou de ser nem quando sofreu o impacto dos princípios humanistas da escola nova. Ao contrário, logo aderiu aos modismos da instrução programada, do ensino técnico da 5692/72, como hoje flerta apaixonada com as metodologias tecnológicas. Tudo sem mudar a qualidade do ensino e sem produzir cientistas brilhantes e bons matemáticos como parece ser seu objetivo. Trata-se de sobrevivência tardia do pombalismo, uma espécie de fetiche pela ciência e pela técnica. Pombal acreditava que o progresso da Inglaterra se devia à prática da ciência sem se dar conta da estrutura moral em vigência na sociedade britânica. Pombal reformou a escola portuguesa, trouxe brilhantes cientistas de fora, criou uma universidade de ponta e não mudou essencialmente a sociedade, nem a política. O patrimonialismo sobreviveu e Portugal continuou atrás das sociedades europeias que tinham outra base moral. A nova proposta do ensino é mais do mesmo.
Esses jovens adultos confundem estado de direito e pensamento liberal com posições de direita, sem perceber que nazismo e fascismo, tanto quando o comunismo soviético e cubano, são inimigos da humanidade porque todo totalitarismo ou governo ditatorial, transforma o homem numa peça da máquina estatal. Os que hoje clamam pela ditadura militar apenas manifestam falta de conhecimento da história e do sentido da política.
Os jovens adultos de hoje foram criados por pais que confundiram a relação pessoal com Deus com a prática de ritos e cultos religiosos, que mesmo sendo importantes para os grupos sociais, são o caminho e não o destino da alma humana. Uma geração que não buscou o encontro pessoal com Deus e não consegue mudar a vida pelo lado de dentro porque Deus é apenas a ideia distante que o rito celebra.
Esses jovens adultos de hoje abandonaram as práticas e ritos dos seus pais, afastaram-se dos líderes religiosos que usam o nome de Deus para enriquecer e construir sociedades poderosas que apenas têm o título de igrejas. Esses líderes que falam em nome do profeta de Nazaré, o menino simples que não viveu em belas casas, não construiu nenhum templo, não criou nenhuma seita e viveu para ensinar o amor aos outros e a Deus. Porém, esses jovens não buscam Deus e nem sabem fazê-lo.
Esses jovens adultos de hoje são os frutos da uma geração e seus equívocos. Nesses dias onde aflora o desejo de mudanças, espero que de fato possamos fazê-la, transformando aquilo que realmente vale a pena, mudando os equívocos de ontem para termos uma nação melhor no futuro e uma humanidade melhor que nasça em cada gesto.





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