O
julgamento no TSE da chapa Dilma-Temer terminou com frustração daqueles que
desejam um país sem corrupção e, especialmente, onde valor e justiça caminhem
juntas.
O
raciocínio seguido pelos juízes que votaram pela absolvição da chapa vencedora
no último pleito presidencial foi a desqualificação da denúncia inicial, para
que o processo ficasse ao ponto da absolvição, ainda que para isso fosse
necessário fechar os olhos para o enorme conjunto de provas agregadas ao
processo com as gravíssimas denúncias dos executivos da JBS. Ainda que as
provas contidas na petição inicial não fossem suficientes para condenar a
chapa, o que é bastante duvidoso, o conjunto de provas agregadas ao processo
seria certamente mais que suficiente para conduzir o julgamento nessa direção.
O
caminho seguido pela maioria dos juízes foi desconsiderar os fatos na sua
integralidade em nome, provavelmente, da estabilidade econômica. Esse parece um
raciocínio limitado, somente válido para os superficiais e oportunistas, porque
não parece que a aberta mentira possa assegurar a legitimidade e a estabilidade
econômica no médio prazo. Se não tiver efeito ruim imediatamente o terá no
futuro, no momento dos próximos pleitos quanto o eleito deverá assegurar apenas
que governará, não importa o modo como atinja o poder. Essa atitude dos juízes
provoca uma grande saudade do mestre Reale, que para além de jurista era
filósofo e fazia com que fato, valor e norma estivessem atadas pela força da
consciência histórica. Valores que a consciência nacional reconhece como
fundamentais para a convivência pacífica e justa dos cidadãos como honestidade,
integridade e coerência não podem ser desprezados, mesmo que provoquem dor no
momento.
No
livro Miguel Reale, ética e filosofia do
direito pode-se ler (Carvalho, 2011, p. 186/7): “A compreensão
tridimensional do Direito sugere que uma norma adquire validade objetiva
integrando os fatos nos valores aceitos por certa comunidade num período
específico de sua história. No momento de interpretar uma norma é necessário
compreendê-la em função dos fatos que a condicionam e dos valores que a guiam.
A conclusão que nos permite tal consideração é que o Direito é norma e, ao
mesmo tempo, uma situação normatizada, “no sentido de que a regra do Direito
não pode ser compreendida tão somente em razão de seus enlaces formais” (p.
242).
A questão essencial
desse tridimensionalismo jurídico para Reale não é, portanto, mencionar a
aproximação entre a norma e valor numa certa circunstância dada. Isso foi feito
de muitos modos ao longo da história do Direito. O que há de inovador na
contribuição de Reale é tratar fato, valor e norma como partes integrantes de
um processo histórico unificado, conforme ele explicou no livro Fundamentos do Direito (1940).
Nessa visão
tridimensional elaborada por Miguel Reale o modelo jurídico não é pensado
apenas pela coerência interna da lei, sem comparação com outras normas que,
estando em vigor, possam alterar a sua significação. Ao serem posicionadas ao
lado das normas já existentes, as novas normas dão um outro entendimento ao
modelo jurídico em vigor. Para que a elaboração de novas leis não crie um
instituto incoerente é preciso entender o tridimensionalismo jurídico como uma
relação dialética entre norma, fato e valor. Para nosso pensador, não é
suficiente pensar o tridimensionalismo como o faz Gustav Radbruch ou Julius
Stone, que estudam separadamente fato, valor e norma”.
Para o julgamento em
questão fica-nos aquela lição, naturalmente esquecida, de que a regra do
Direito não pode ser compreendida somente pelos seus laços formais e a decisão
judicial não pode criar um instituto incoerente firmado em jurisprudência.