Poucos se detêm para refletir sobre uma faixa de bens que
precedem e supõem os bens de mercado ou de Estado. São os bens proto-mercantis
e meta-estatais. Os bens de mercado, sabemos, são negociáveis, têm preço, estão
à venda e à compra. No entanto, existe um conjunto de bens, que são
valiosíssimos, mas não se compram, nem se vendem, pois são anteriores e a cima
dos bens de mercado. Numa comparação, assim como o Direito possui direitos
pétreos, isto é, imutáveis, alheios à negociação, assim também existem os proto-bens
e os meta-bens. São bens intocáveis pelo Estado e fora de objeto de exploração do mercado.
Entre os proto-bens incluem-se o ar que se respira, a
água in natura, terra. São os elementos essenciais identificados pelos
filósofos gregos pré-socráticos. Assim, pode-se ver que Tales de Mileto, viu na
água a origem de tudo. Anaximandro privilegiou o ápeiron, o indefinido.
Anaxímenes, descobriu o ar e Heráclito o fogo, a energia e Xenófanes, a terra.
Aqueles que poluem a água, envenenam o ar ou exaurem a
terra estão atingindo bens fora do controle do Estado e objeto de mercado. Fazem
isso sem custo e em detrimento de todos. Pode-se incluir a impotência do
mercado ou a incompetência do Estado quanto à escassez de determinados bens
como a água, agricultura e petróleo. A sugestão de esperar, pois os custos de
substituição são muitos elevados, como a dessalinização da água do mar está nos
levando para uma situação limite. Mas é possível ainda procrastinar?
O certo é que no embate entre mercado e estado,
configura-se um desenvolvimento insustentável e suicida e até o momento a conta
é creditada ao déficit ecológico. Os economistas lançam alerta, mas o mercado
brinca de cego e o Estado faz olho grosso Afirmando que os recursos são
inesgotáveis. O agravante vem com a explosão demográfica no mundo: Hoje somos
mais de sete e em 2050 ultrapassaremos a marca de nove bilhões.
A combinação desastrosa entre ecologia e demografia
eclodiria com uma mudança climática, já diversas vezes ensaiada aqui e acolá,
na superfície da terra, como ocorreu com Poluição em Minemata, Explosão em
Seveso, Vazamento em Bhopal, Desastre de Chernobyl ou Mariana e Brumadino no
Brasil? Imaginemos o que poderia acontecer na Índia se as monções invertessem
de direção ou desaparecessem? Quem poderia superar os efeitos? O mercado ou o
Estado?
O pior poderá estar por vir: a combinação de desastres,
como demografia e ecologia, por exemplo. Ninguém conseguirá deter a hecatombe
de um desastre numa localidade superpovoada. Todos os órgãos que num período
normal funcionam harmonicamente, com o desastre passariam a funcionar de forma
contraditória. As marés com fluxos e refluxos se avolumariam e invadiriam a
terra. Os ventos varreriam tudo o que encontrassem pela frente. A energia
elétrica provocará incêndios; os rios em vez de transportar, inundam; a água
potável se mesclará com óxidos; os aeroportos virariam entulhos; os hospitais
se tornariam centros de disseminação de vírus infecciosos. Será o cenário do
“Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago.