O
cenário do romance de E. L. James passa-se em meio a chicotes, açoites, bolas, laptop
e iPod. O “Dominador” Christian e a “Submissa” Anastásia entregam-se
completamente aos prazeres do sexo. Ele, prisioneiro dos complexos infantis e
juvenis, porta-se como Hórus. Ela, ora aprovada, ora desaprovada pelo interior
e pelo inconsciente, é Vênus. Ambos mantêm um relacionamento sexual tenso e
prazeroso. Em qualquer ambiente encontram motivos para novas experiências. No escritório,
quarto, cozinha, restaurante, corredores, mas principalmente na Sala Vermelha
da Dor o impulso sobrepõe-se às suas vontades e eles o satisfazem. Basta se
entreolharem para mergulharem de corpo e alma nesta volúpia. E o fazem sem
culpa nem remorsos.
Nestes
momentos para eles o mundo ao redor se tornar etéreo e se deixam levar ao
abismo pela voracidade. Às vezes tudo é lento, espontâneo. Outras, sofreguidão
da abstinência. Um vácuo para ser preenchido com o tudo. Puro cosmos de
deleite, ânsia do belo, do nada, infinito e eterno cabendo num átomo de
segundo. Esfuzia-se a alma diante do esvaecimento do corpo. Aos borbotões jorra
o prazer esquecido do sofrimento. É a morte que vive, revive, transfigura-se.
Cada membro do corpo pode sentir e tocar a felicidade total. A alma se entrega
ao inefável. Morre a lógica, vence a natureza. Os princípios se calam. Os
sistemas se esfumam nas contradições. As teorias agonizam perante o viver da
vida. Tudo rebrota e floresce. O universo se abraça à felicidade de provar o
inalcançável. Quer-se escuridão porque a luz pode findar num segundo aquele momento
desejado e repelido. O prazer desceu na esteira do raio e transformou-se em
leito desnudo. Como é doce aquele morrer porque é por ele que se sente a vida
palpitar no gemido do sofrimento gozoso. Por que não queria? Por que proibia? Quem
proibia devia ser alguém ciumento por que queria guardar só para si toda a
beleza da bondade. Que importa o castigo se a felicidade supera todo o
sofrimento? Por que não fazer o mal se ele é tão doce à alma? A deusa fica
vazia e repleta, ofegante, em repouso. Ela possui tudo e quereria não ter nada.
Esta é a morte mais inebriante dos vinhos para a alma.
A
mente está vazia de medo. Quer apenas aquele momento, único, esperado e
amedrontador. A deusa queria e não queria. Hórus queria. O corpo consente e a
alma deseja. Quem diz que carne é fraca? Ela convence a alma que não queria. Os
dois, vitoriosos, se congratulam e festejam a vitória sobre a proibição. A
provação passou. Agora é a hora da recompensa e do regozijo.
Por
que se chama de queda esta suprema vitória da natureza? A taça espumante e
transbordante chegou aos lábios sôfregos. Sorvida, entrou pelas moléculas do
corpo fazendo-as estremecerem. Os instintos satisfeitos aquietaram a alma
inquieta. Ela precisa de um lugar para repousar. Sua quietude está no corpo que
carrega como um casulo. Em vão se debate na busca de fantasias. A felicidade
está com ela, basta dá-la. A natureza não deixou longe o que a alma e o corpo
precisam. Depositou neles. Basta apanhá-los. A alma inquieta procurando onde
repousar e encontrou a paz no corpo. Mas isto é efêmero. Por que o efêmero não
se torna eterno?
Vênus
ou Hórus, quem sobrepujará? O amor ou o sexo?