Sempre me convenço mais que há uma similaridade entre a
corrupção política italiana, exposta a partir de 1990, e a corrupção política
brasileira, esta, vindo a público a partir das denúncias de Roberto Jefferson,
em 2005. Na Itália a ação foi deflagrada após a prisão de Mario Chiesa. Ambas
têm muitos pontos em comum e, claro, outros divergentes. Comuns é o sistema
multipartidário e diverso o sistema de governo. Na Itália, parlamentarismo; no Brasil, presidencialismo. Uma das características mais marcantes nos dois casos é o
envolvimento de membros de quase todos os partidos. Vejamos.
1. O sistema de
poder italiano até a década de Noventa era multipartidário. Um partido com maioria simples, coligado com
outros partidos formava o governo. Faziam-se as eleições, o partido conquistava
a maioria relativa, o Presidente da República nomeava o Presidente do Conselho
e este deveria fazer as coligações para apresentar um ministério com a
confiança das duas câmaras. O eixo da política italiana girava em torno do
partido, que até então compunha um governo num sistema de coligações. O partido de liderança, na Itália, era a Democracia Cristã.
2. O sistema político brasileiro também é multipartidário,
com um partido de maioria simples que necessita coligar-se com outros partidos
para conseguir maioria no Parlamento. O eixo da política brasileira gira em
torno de um partido com suas coligações. Até aí nada demais. O problema começa
a emergir tanto lá como cá com adoção do critério das coligações. Isto é,
quando o critério passa a ser pecuniário que pode ser em espécie ou
benefícios como ministérios, cargos, sinecuras e outros. O partido governo governista, no Brasil, é o Partido dos Trabalhadores.
3. A partir de Noventa na Itália emergem denúncias de
corrupções. As tentativas para sanar eram sistematicamente neutralizadas pelos
parlamentares. No Brasil ocorreu a mesma coisa. Até se ensaiou Comissões
Parlamentares de Inquérito, mas a maioria deu em nada.
4. Na Itália o volume de denúncias foi colossal. Os crimes
de Tangentopoli ou Mani Pulite podem ser classificados sob vários critérios.
Seguimos o critério de Luca Ricolfi . Conforme este autor, as acusações de
crimes podiam ser classificados em a) abuso de poder, b) econômico-fiscais e
patrimônio, c) potencialmente de mera transgressão, d) Comportamentos violentos
( atentados, homicídios, seqüestro de pessoas),
e) associações ( mafioso, delinqüente, subversiva, militar, partido
fascista), f) Opinião e informação ( revelações de segredos de ofício,
instigação a desobediência às leis, difamação, vilipêndio de instituições,
apologia ao fascismo, e outros), g) Rixa
e conflito, h) outros ( danos efetivos, comportamentos dolosos, atos
provocativos). Um sintético inventário
dos inquéritos judiciais nos levaria a nada menos que 914 processos, envolvendo
179 tipos de crimes. Dentre estes, os mais citados foram corrupção inerente ao
cargo ( 165), extorsão ( 167), divulgação de notícias falsas ou tendenciosas (
170), falsidade ideológica, de informação e escrita ( somadas as três: 511), Inobservância de ordens de autoridades
( 179), ameaças obrigando a cometer crime ( 169), acordo entre contribuintes
para o não pagamento de impostos ( 162), atentados ( 156), homicídios (
75), enfim uma infinidade de
acusações.
5. No Brasil a situação é praticamente idêntica. Os
partidos, uns mais outros menos, engalfinhara-se na luta por verbas O estopim
tem início quando um funcionário dos Correios é flagrado recebendo propina.
Desde então, até o presente, veio a público uma dezena de casos semelhantes. Os
de maior repercussão foram acusações de crimes envolvendo parentes do
Presidente Luís Inácio Lula da Silva - os denominados casos Lulinha e caso Vavá
-, o saque de Roberto Marques - assessor e amigo do ministro José Dirceu -,
Paulo Okamotto - pagador de contas do Presidente .- as movimentações
milionárias em paraísos fiscais do publicitário Duda Mendonça, a violação de
privacidade e gestão fraudulenta do ministro Antonio Palocci, as ações de
Henrique Meirelles tentando liquidar os bancos Mercantil e Econômico, a
duvidosa intervenção do Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos na tentativa
de encobrir a violação do sigilo bancário por parte do ministro Antonio
Palocci, a concordância da nacionalização dos bens da Petrobrás na Bolívia por
parte do executivo brasileiro, as propinas recebidas através do Dossiê Dantas,
as Comissões Parlamentares de Inquérito, sem falar no assassinato ainda não
elucidado do prefeito de Sento André, Celso Daniel, e na renúncia do
ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (Carneiro, 2006). Comissões
Parlamentares de Inquérito se multiplicam, atualmente já passam de uma dezena.
Tiveram início com as dos Bingos, depois dos Correios, em seguida com a do Mensalão
e continuaram com a da Imigração Ilegal, da Terra, das Armas, da 8iopirataria e
do Extermínio do Nordeste. E novas estão surgindo, como a da Anatel e das
Empresas de Telecomunicações, a do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem
Terra, a que trata do Registro Nacional de Veículos Automotores - Renavam, CPI
das Sanguessugas e outras. Atualmente a maior ação na justiça é o Lava-Jato que
envolve o núcleo do poder, como o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e
atual presidente Dilma Rousseff, além de deputados, senadores e políticos de
primeiro escalão.
6. Tanto na Itália como no Brasil as tentativas para
estancar a sangria da corrupção eram neutralizadas pelos próprios
parlamentares. O efetivo julgamento e condenação dos acusados somente ocorrem
quando se iniciam os processos judiciais processando políticos de liderança
nacional de envolvimento com o mundo da criminalidade, da corrupção, do tráfico
de influência e do crime organizado levando-os à prisão.
7. A situação atual, na Itália, praticamente o
processo está concluído e no Brasil está em andamento.