sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O público e o privado. José Maurício de Carvalho



A passagem de ano para 2015 foi um momento de renovar as esperanças numa vida melhor e num futuro menos incerto. E chegou com belas festas pelo mundo. Esperamos mais momentos felizes e menos sofrimentos no ano que se inicia. O homem exercita todo início de ano a aprendizagem da esperança e nunca parece aprender o suficiente dessa arte, pois a vida sempre surpreende de um ou outro modo. Mesmo depois de ultrapassar os cinquenta ou sessenta anos, ainda nos encantamos com as boas surpresas e nos angustiamos na iminência do sofrimento. E embora muito do que vivemos simplesmente nos acontece independente de nossas ações, boa parte de nossos momentos mais ou menos felizes dependem das escolhas que fazemos.
Em meio aos votos de felicitações do novo ano, multiplicaram-se nas redes sociais selfs e fotos da vida privada, popularizando um novo hábito: o de dar publicidade aos acontecimentos da vida particular. Será essa mania parte de um novo estilo de viver no século XXI? O que as pessoas esperam com esse novo hábito? O que pode interessar ao público em geral o prato do jantar de alguém, o retrato do vestido, o mostrar que está soltando foguete, ou bebendo em um clube, ou ainda dando um beijo?  Até pouco tempo era elegante manter no âmbito privado aquilo que era da esfera particular. Elegante e sábio, pois podia-se ser vítima de exposição indevida. Havia mesmo o temor de que a vida particular das pessoas fosse invadida por algum tipo de bisbilhoteiro eletrônico. A literatura do final do século que findou explorou e criticou a existência de um poder intrometesse nos detalhes particulares da vida. Refiro-me particularmente ao Big Brother (não o reality show), mas ao personagem de Georg Orwell, expressão de uma tirania terrível. No romance de Orwell havia em todo canto aparelhos de TV que repetiam a frase "o Grande Irmão está te observando", ele zela por você. Ninguém estava a salvo daquele olhar indiscreto.
No mundo real, até pouco tempo apenas personalidades públicas tinham a vida penetrada pelas câmaras de jornalistas indiscretos e fotógrafos de ocasião, sempre prontos a ganhar notoriedade e algum dinheiro com a exposição de alguma figura pública. Essa exposição sempre incomodou os famosos, pois tinham colocado a público coisas íntimas: o decote que mostrava mais do que devia, a calcinha que surgia com um vento indiscreto, a nudez colhida na piscina particular, etc. Mais que os famosos, o políticos sempre detestaram a publicidade da vida particular, pois ela podia trazer algo que não agradasse os eleitores ou que agradasse à Polícia.
Pois bem, de uma hora para outra, sem que fosse necessário nenhum poder total, nem nenhum bisbilhoteiro de plantão, as pessoas começaram a expor a vida particular: seus passeios, seus amigos, sua comida, sua casa, seus bichinhos de estimação, suas tatuagens, etc. Aspectos íntimos da vida.

Dentre as esperanças de ano novo permito-me também esse voto, que essa mistura entre o privado e o público vista nas redes sociais, não se estenda para outros aspectos da vida diária, pois é preciso distinguir que o que se pode fazer na sala de casa não é o mesmo que se pode fazer na rua, que os bens públicos não podem ser tratados como os particulares, que não se pode usar ruas e praças como coisas privadas, pois a mistura entre o público e o privado é o desastre da vida social.

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