A análise de Bauman sobre a
liberdade na obra O mal-estar da
pós-modernidade foi feita no contexto político. Quando alguém, num sistema
democrático ele afirmou, perde uma contenda pode aguardar uma próxima
oportunidade e o vencedor sabe que logo poderá ser derrotado num outro pleito.
Nesse contexto, nenhuma derrota ou vitória é definitiva (id., p. 246): “a
experiência dos que se empenham no jogo chamado liberdade é tão incerta,
contingente e inconclusiva como o destino.” Portanto, a democracia encontra-se
na raiz da liberdade.
A democracia, ao permitir a
alternância de visões de mundo, mostra que a verdade pode ser olhada de
diferentes modos e isso parece fundamental, pois uma única leitura da verdade
já provocou desastres sem fim. Bauman
lembrou que (id., p. 248): “a história está cheia de assassínios de massa
cometidos em nome de uma única verdade.” E pior ainda quando essa verdade se
mistura com assuntos religiosos porque, nesse caso, as atrocidades não parecem
absurdas, pois são feitas em nome de Deus. No caso (ibidem): “não são então os humanos os perpetradores da crueldade
que assumem a responsabilidade, temendo assim serem censurados por sua
consciência.”
Quando se pensa na verdade
como estando na posse de um grupo, um partido ou uma ideologia isso sugeri que
seja razoável o monopólio do poder e o controle de todos os outros indivíduos pela
força. Por isso, a defesa da democracia aparece, na leitura de Bauman, como o
caminho natural para evitar a opressão e a obediência cega a um determinado
líder.
O pior do momento que
vivemos é que as forças que pretendem eliminar as liberdades, creio que a seta
de Bauman se dirige para a extrema-direita ou para ditadores de plantão, é que
há aqueles que temem a liberdade. Esses não se importam em cedê-la
voluntariamente (id., p. 250): “como demonstrou a experiência de nosso tempo de
totalitarismo para além da dúvida razoável, com uma demasiada frequência o
desejo de tirar a liberdade se encontra com o desejo de concedê-la.” Assim, há aqueles que usam sua liberdade para
renunciar a ela e assim perdem a possibilidade de experimentar e buscar um
caminho próprio em meio às inseguranças da vida. Ao contrário, renunciam a ele para
não viver a ansiedade que acompanha essas escolhas ou a insegurança quanto aos
resultados. Bauman destacou que é um caminho inadequado renunciar a liberdade
porque ela (id., p. 251): “é nosso destino: uma sorte de que não se pode
desejar o afastamento e que não se vai embora por mais intensamente que
possamos desviar dela os nossos olhos.”
A questão atual da liberdade
inclui, ele avalia, a contradição entre aqueles muito ricos que querem mais
dela para fazer literalmente tudo o que desejam e os mais pobres que não dispõe
de quase nenhuma autonomia. A questão da liberdade se coloca de tal ordem que
ela não pode ser assegurada pelos indivíduos, tanto porque é circunstanciada
como porque individualmente nenhum sujeito é capaz de garanti-la
individualmente (id., p. 255): “a liberdade individual não pode efetivamente
ser atingida por esforços apenas individualmente; que para alguns poderem
assegurar e desfrutar disso, algo deve ser feito para assegurar a todos a
possibilidade de seu desfrute.” E, nesse contexto, parece ao nosso autor, que a
única coisa justificável é ser solidário com os excluídos, aqueles que ele em
outras obras denomina de lixo humano.
Fica-nos
uma questão: é possível a democracia conviver com aqueles que embora vivam nela
almejam destruí-la logo que possível? É possível admitir totalitários de
plantão como foram Mussolini e Hitler no século passado, deixando-os disputar
tranquilamente os pleitos e depois questionar o sistema para destruí-lo? Creio
que o sistema precisaria se precaver desses oportunistas que, como serpentes
venenosas, encontram-se escondidos na democracia para a matarem logo que
aparece a oportunidade.