A história do homem é expressão de seu desejo de
mudar o mundo e fazê-lo mais do seu jeito. Toda a criação cultural é tentativa
de produzir um espaço melhor onde se possa viver mais favoravelmente do que no
ambiente natural. E esse esforço se origina em sua vitalidade, mas precisa se
concretizar com esforço e também com inteligência e arte, para tornar real
aquilo que se deseja. Esforço necessário não só para mudar a natureza sem
destruí-la, mas imprescindível para tornar qualquer desejo uma coisa concreta,
real.
O momento pelo qual passa nosso país é especialmente
intenso no desejo de mudança. Não é que o país não venha se modificando e
melhorando nas últimas décadas, conseguiu estabelecer um forte sistema
democrático, mas nossos partidos políticos não funcionam bem; conseguiu
melhorar a vida da classe média, mas há ainda milhões em grande pobreza e é
enorme a desigualdade social, melhorou o nível de escolaridade, mas nossa
escola não tem resultados excelentes. Fez uma tentativa de universalizar os
serviços de saúde, mas esse serviço não tem qualidade. Diante da promessa
recente dos governantes de que íamos para um tipo de vida semelhante ao das
nações mais ricas e desenvolvidas e isso não aconteceu, vive-se momento de
frustração, questionamento, manifestações e protestos. Será ótimo se este
desejo de renovação se converter em esforço para mudar as coisas, será
magnífico se se cobrar do Estado uma atuação mais eficiente. No entanto, nada
representará se a sociedade não dialogar direto com as instituições e não tiver
metas realizáveis e cobráveis dos gestores públicos.
Os protestos da semana liderados pelo sindicalismo
tupiniquim, agressivo e inconsequente, com o propósito de revogar uma muito
tímida reforma da previdência social feita em 2003 está entre a irrealidade e a
ficção. Todos os países sérios do mundo estudam estabelecer um tempo de
trabalho maior para conceder a aposentadoria e nos próximos anos na Europa
quase inteira se acordou estabelecer uma idade mínima para aposentar não aos sessenta,
mais aos sessenta e cinco anos. Há países como a França que adotarão sessenta e
sete anos como idade mínima nos próximos quatro anos. Aposentadoria cedo
significa redução dos benefícios. Precisamos pensar esse assunto de forma séria
para não mergulharmos na fantasia do país
da cocanha. É lamentável que muita gente não tenha entendido que o que se
quer é uma mudança para toda a sociedade e não benefícios insustentáveis:
ônibus de graça, hospital de graça, tudo de graça. Mas, o que é o país da cocanha?
Na Idade Média, em pleno século XII, em meio às
enormes dificuldades existentes: alimentação deficiente, doenças terríveis sem
tratamento, brutal diferença social, circulou um poema que anunciava um país
imaginário. Era uma terra de abundância onde queijos caiam do céu, havia
freiras jovens e bonitas sempre dispostas a oferecer sexo gostoso a todos que
desejassem. Esse era o país da cocanha. Nesse país não se envelhecia, não se
adoecia e, que delícia, além de não precisar
trabalhar ou se esforçar, as casas, não se sabe como, eram feitas de doce e o
vinho nunca acabava. Com a descoberta da América, muitos europeus pouco
ilustrados julgaram que os ameríndios viviam num lugar assim.
O que a maioria dos
brasileiros deseja hoje em dia é um país onde o Estado funcione: onde os
serviços de saúde atentam quem o procure, a escola seja eficiente em sua missão
de ensinar, a água distribuída tenha qualidade e os esgotos sejam tratados
antes de lançados na natureza. Espera-se que os últimos vestígios do
patrimonialismo sejam erradicados para que nossos governadores não achem normal
ir de helicóptero oficial para casa de praia, que as políticas de preservação
ambiental e do patrimônio funcionem, que os órgãos públicos sejam eficientes.
Tudo isso só será possível se cobrarmos resultados dos governantes, trabalho,
mas não um país da cocanha, que é um lugar de sonhos onde se goza sem limite.