O
amor é um destes temas universais e perenes que tocam nosso coração e
inteligência. É assunto de todos os grupos humanos e é tratado pelos tempos
afora com a mesma paixão e interesse. E sendo universal em seu encantamento é
descrito em diferentes criações culturais como: nos poemas mais lidos, nos
romances mais famosos, nas criações filosóficas e nos tratados científicos. E
assim, por diferentes olhares e pelos tempos afora, o amor é assunto, por
excelência, humano. O que surge para o homem de mais sagrado, grandioso e
sublime aparece em sua consciência como amor, segundo a síntese de Jo. 4-8:
“Deus é amor.”
A
história do ocidente privilegiou quatro olhares para o amor. Na antiguidade, Platão
considerava que Eros (amor) era a capacidade de pensar e que conclama a
perfeição, elevando o olhar do particular sensível para o inteligível.
Separando o divino da contaminação sensível chega-se a mais alta beleza: o amor
contemplação. Na modernidade e noutro contexto, René Descartes observou que quando
estamos unidos a um objeto e julgamos um bem possui-lo, nós o desejamos. Para
ele, isso era amor. Um de seus discípulos famosos chamado Baruch Spinoza, deu
sublimidade a essa interpretação dizendo que o amor é ir ao amado com
serenidade e alegria, ou uma forma de beatitude. O romântico Domingos Gonçalves
de Magalhães, julgou necessário distinguir no amor o impulso físico ou sexual
dos sentimentos vividos intimamente na relação com o amado.
Nos
dias atuais, quando passamos por uma crise de cultura que se arrasta há décadas,
encontramos um homem frequentemente perdido em suas escolhas existenciais, com
pouca clareza quanto ao sentido de sua vida e com escolhas que fariam a vida
valer a pena. Suas relações pessoais possuem intenções confusas e um propósito
não manifesto de não interagir. Essa realidade social instável se manifesta, na
síntese de Zygmunt Bauman, nos encontros humanos ficando (Vida em fragmentos, Rio de Janeiro: Zahar, p. 123): “a estabilidade
e a confiabilidade das relações humanas não em melhores condições.” Isso
significa que as forças sociais, especialmente as práticas econômicas,
conspiram contra vínculos estáveis, inclusive as relações de amor, (id., p.
124): “porque elas são disfuncionais no quadro do capitalismo corporativista.
(...) O jogo da vida é rápido, totalmente absorvedor e consumidor da atenção,
tornando nulo o tempo para parar e traçar projetos elaborados.” Encontramos,
por resultado, uma vida fragmentada, onde o tempo perde a linearidade e onde o
indivíduo se desconecta de seu passado e seu futuro, resultando em relações
humanas mais estéticas do que éticas, não por adesão a gostos elaborados, mas para
eliminar o compromisso com o outro, como aparece no romance A insustentável leveza do ser, de Milan
Kundera.
Embora
seja necessário examinar o sentido do amor nessa crise de cultura, vamos
destacar o olhar que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset tem para o amor de
homens e mulheres. Ele parte dos incômodos do amor, isto é, cada homem ou mulher que cruza conosco passa
diante de nós como uma máscara debaixo da qual gesticula doendo gozoso o
mistério de sua personalidade erótica. Essa partida para o tema,
considerando uma força vital que alimenta o coração faz do amor não uma escolha
racional, mas um entregar-se ao amado mesmo quando não se querer. Portanto,
amor é emoção profunda e total. O que vem depois pode alimentá-lo ou mata-lo:
cumplicidade, companheirismo, amizade, projetos comuns, afinidade, etc.
Ortega
enxerga que a mulher, considerando a distinção fenomenológica, tem uma alma
(psique) mais potente que o homem e esse mais força no espírito (pensamento). Por
isso, o filósofo avaliou, a mulher conhece melhor sua intimidade, transita mais
suavemente entre o sim e o não e esse equilíbrio ela realiza maravilhosamente e
de forma delicada. A alma é o espaço entre os desejos fisiológicos e o
pensamento, lugar dos sentimentos.
Como
a vida tem muitos limites e dificuldades, o amor, em suas muitas formas
(filial, fraternal, pela humanidade, romântico ou a caridade cristã) é lugar de
descanso em nessa trajetória. E, para o pensador, geralmente a mulher conhece melhor
este maravilhoso repouso que consiste em ser arrebatado, em viver, pelo amado.
E o amor é uma tal forma de descanso que a distância do amado torna a vida mais
pesada, e os lugares onde se viveu junto um lugar de boas e/ou tristes
recordações.
Ortega
observou que a beleza física torna a pessoa um objeto estético, capaz de atrair
olhares, mas não paixões ou amores. Esses nascem por outras razões, ocultas ou
inconscientes para nós. E assim, ainda que essa leitura esteja influenciada por
nossa cultura e pela crise atual, essas são importantes sugestões do filósofo.
Elas servem para nos ajudar a dialogar com nossa realidade social, o que é
sempre complexo.
Apesar
de nossas atuais dificuldades culturais, o amor continua sendo um dos mais
importantes moventes da vida, um de seus sentidos mais maravilhosos e uma
experiência riquíssima para todos os que são capazes de enxergar no outro
alguém a ser amado.