Humanismo
historicamente caracterizou o movimento literário e filosófico que, no século
XIV, dialogou com a antiga cultura clássica. Teve início na Itália e se
espalhou pelo mundo ocidental, estando suas ideias na base do que ficou
conhecido como modernidade. Depois dessa origem, o conceito se misturou a
diferentes teorias modernas que genericamente tinham o homem no centro de suas
preocupações. É claro que há uma base comum aos humanismos que surgiram desde
então, e ela parece ser a intenção de entender o homem de forma ampla,
tomando-o em suas várias dimensões e inserindo-o na natureza e/ou história, ou
melhor, naquilo que Ortega y Gasset resumiu, contemporaneamente, com o nome de
circunstância.
É
evidente que, dado seu caráter geral, há muitas teorias filosóficas,
sociológicas ou históricas que genericamente assumem, como pano de fundo, essa
raiz humanista da renascença, mas é uma simplificação inadequada confundir o
humanismo com qualquer delas. Um erro comum nestes dias de conservadorismo
religioso e ultradireita política é recusar, por exemplo, como marxismo toda
teoria que valoriza o esforço do homem para criar um mundo mais do seu jeito. O
marxismo, embora integre o movimento moderno de valorização do esforço humano
contra o primado medieval da fé, como teoria filosófica, social e econômica
representa uma visão de homem, história, sociedade e economia que ficaram para
trás no tempo. Teve sua importância na história das ideias pela crítica que
significou ao idealismo hegeliano ao interpretar a história e a sociedade em
função das necessidades materiais do homem. Nesse sentido, ampliou o
significado da dimensão econômica do homem, realçando a vida prática e
produtiva. Vivendo nos dias da estruturação da sociedade industrial, Karl Marx
viu no proletariado a força da mudança histórica, compreendendo as explicações
espirituais do mundo como produto das diferentes maneiras de produzir riqueza.
A economia marxista vê o capitalismo como forma de produção econômica de
transição, destinada a ser substituída pelo comunismo, em razão das
contradições captadas pelo movimento dialético da história. Em síntese, foi um
movimento datado, representa, no âmbito filosófico, uma crítica ao
hegelianismo, contempla uma preocupação com o homem privilegiando suas
necessidades materiais e foi superado pelo andar da história, apesar das
contribuições que trouxe.
O
humanismo encontra-se na base do marxismo e de muitas outras teorias modernas,
ele reflete um modo ampliado de ver o homem. No entanto, não é sinônimo
perfeito de nenhuma dessas teorias modernas ou renascentistas que embasa. Desse
modo podemos dizer que surgiram na modernidade diferentes formas de humanismo,
conforme foram combinados com outras ideias.
Interpretações
divergentes e opostas do humanismo estão, na base do conflito atual do
neoconservadorismo evangélico com outras criações modernas. As versões
antagônicas do humanismo representam, em seus extremos, uma proposta de
salvação do homem pela religião ou, ao contrário, uma dissolução da religião no
processo histórico. O mundo moderno provocou, pelo foco no mundo, um eclipse de
Deus, como mencionou Martin Buber, isto é, representou um esquecimento de Deus
e de seu papel na vida humana.
As
dificuldades contemporâneas de setores evangélicos é que eles negam, em nome de
uma fé pura o valor do esforço e realizações humanas, apostando numa salvação
fora do mundo. A face contrária desse movimento, representada pelas teses de
Georg Hegel e radicalizadas por Karl Marx, considera a evolução histórica, a
superação da espiritualidade religiosa e redução da capacidade espiritual do
homem como objetivos culturais. O esforço da razão humana, em suas várias
realizações, independente do vínculo com a fé, tornou-se foco de ataque de
setores radicais evangélicos.
No
entanto, sabemos que a realizações da razão como outras criações humanas não
são contrárias a espiritualidade, sendo, algumas vezes, parte da evolução das
ideias cristãs. Isso porque muitos aspectos da cultura, a ética filosófica por
exemplo, foi profundamente influenciada pelo cristianismo, diga-se o mesmo dos
direitos humanos e muitos aspectos da arte. E não apenas sabemos hoje que a
espiritualidade religiosa representa um sentido importante para proteção da
saúde mental, como boa parte dos cientistas mostram-se pessoas de fé. Isso
mesmo a ciência limitando seu discurso ao entendimento do funcionamento do
mundo e havendo aqueles que se limitam ao que a ciência reconhece. Resumindo,
há uma compreensão da fé que nega o mundo, uma que se faz em diálogo com ele e
uma visão de mundo à parte da fé. Em todas elas podem ou não existir ideias
humanistas.
O
singular de nossos dias foi a aproximação da ultradireita dos setores mais
radicais do movimento evangélico. Os evangélicos recusando o humanismo absoluto
em nome do primado da fé e a ultradireita recusando, as criações modernas que
não se ajustam as suas teses, especialmente o marxismo. Enfim, a aproximação
entre movimentos tão diferentes se explica porque o hegelianismo e marxismo
representam o esforço humano de construção do mundo que contém os elementos
recusados por ambos os grupos. Hegel e Marx foram tomados como exemplo do que
ambos os grupos recusam. Daí a confusão que fazem muitos filiados da
ultradireita que identificam nazismo com o comunismo, considerando-os de
esquerda, sem perceber que as posições da ultradireita são essencialmente
nazistas e formam, em nossos dias, um neonazismo. Esses políticos revelam
desconhecimento histórico ao não saberem que essas duas formas de totalitarismo
foram inimigas no século passado. A confusão se nutre por essa identificação de
inimigos comuns presentes nas ideias modernas. Porém, falamos de movimentos
diferentes, radicais evangélicos e ultradireita que se aproximaram por conta da
recusa do que o idealismo hegeliano e marxismo representam: a recusa do esforço
humano de um lado e do modo de produção econômica de outro.