Em sua vida terrena, Jesus esteve
em conflito com poderes que oprimiam e impediam as pessoas de viverem
plenamente. Jesus pregou para uns, curou outros, compartilhou seu amor
misericordioso com todos. Entre suas lutas chama atenção o embate com os
fariseus. Os fariseus formavam um grupo de judeus devotos da lei mosaica
(contida nos 5 primeiros livros da bíblia) e se organizaram no século II a.C. Eles
estruturaram o culto nas sinagogas e alguns deles se tornaram importantes
sacerdotes. Formavam um grupo reconhecido e admirado pela população e se
destacavam pelo cumprimento da lei. Com o passar dos anos acabaram escravos da
lei e se afastaram tanto da chama que as alimentava que ficaram longe dos próprios
planos de Deus. Isso sempre acontece com quem defende a letra fria da lei, mas não
considera o espírito e valores que a nutrem. No caso das leis divinas o próprio
Espírito Santo de Deus.
Por
isso, não causa espanto os embates dos fariseus com Jesus. Foram eles que
acabaram sendo o estopim da condenação de Jesus à morte. Jesus lhes fez uma
advertência duríssima, resumida no capítulo 23 do Evangelho de Mateus: “13 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Vós
fechais aos homens o Reino dos céus. Vós mesmos não entrais e nem deixais que
entrem os que querem entrar. 14 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!
Devorais as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso, sereis
castigados com muito maior rigor. 15 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!
Percorreis mares e terras para fazer um prosélito e, quando o conseguis, fazeis
dele um filho do inferno duas vezes pior que vós mesmos. 23 Ai de vós, escribas
e fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do coentro e do cominho e
desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a
fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, sem,
contudo, deixar o restante. 24 Guias cegos! Filtrais um mosquito e engolis um
camelo. 25 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Limpais por fora o copo e
o prato e por dentro estais cheios de roubo e de intemperança. 26 Fariseu cego!
Limpa, primeiro, o interior do copo e do prato, para que também o que está fora
fique limpo. 27 Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos
sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de
ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão. 28 Assim também vós: por
fora pareceis justos aos olhos dos homens, mas por dentro estais cheios de
hipocrisia e de iniquidade!”
A advertência de Jesus acima
transcrita, mostra seu cansaço por pregar a misericórdia e o amor e o esforço
dispendido para mostrar que é o Espírito de Deus quem salva e não o cumprimento
frio da lei. A advertência mostra sua indignação com aqueles homens. Jesus
criticou duramente todos que, em nome da lei e da tradição, maltratam,
discriminam e oprimem as pessoas. Isso mesmo quando têm boas intenções e pregam
a palavra de Deus. E essas palavras de advertência de Jesus são duras porque
ele conhecia o coração humano. Ele sabia que é fácil ser fariseu, cumprir as
obrigações e achar que assim assegurou a salvação pois tem Deus sob seu
controle. Difícil é seguir Jesus, viver a fé cumprindo a lei iluminada pela justiça,
a misericórdia, a fidelidade a Deus. Nesse caso há o risco de errar e sabe-se
não ter o controle de Deus, que Age e Faz o que quer segundo seu Caráter e Misericórdia.
Relembro essa luta de Jesus
contra o farisaísmo, que o levou à exaustão, porque a vejo renascer no esforço
do Papa Francisco por defender o direito dos homossexuais formarem família. Ele
observou que homossexuais "são filhos de Deus e têm direito a uma
família. Ninguém deve ser excluído ou forçado a ser infeliz por isso." É
evidente que a forma didática como Deus apresentou a Lei para os homens de
outros tempos, onde a finalidade do sexo era exclusivamente gerar filhos, para uma
sociedade com alto índice de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida,
contemplava a família heterossexual e a obrigação de terem filhos. Se esse é o
valor, não faz sentido, contudo, condenar pessoas que hoje sabemos desenvolvem
tal impulso por um processo de identificação ocorrido na infância e com
componentes quase sempre inconscientes e fora do controle da vontade. Assim, se
a prática homossexual não é a ideal na perspectiva da moral judaico-cristã,
isso não significa que se deva amaldiçoar ou lançar na fogueira os
homossexuais.
O essencial do
que aqui destaco não é a luta do Papa em defesa dos homossexuais, mas o seu embate,
por isso, com setores conservadores, dentro de fora da Igreja: os fariseus da
contemporaneidade. Assusta o crescimento desse farisaísmo, dentro de fora da
Igreja Católica. Um farisaísmo que se muniu de um discurso escatológico e de
pura maldade, capaz de enxergar em qualquer ato de misericórdia e bondade a
presença do anticristo. Esse clima de conservadorismo farisaico multiplicou-se
nas redes sociais em críticas duras ao Papa, considerando-o aliado do
anticristo. E há muitos vídeos nesse sentido. Vídeos assim são mais uma desgraça
desses tempos de conservadorismo, pois há outras desgraças como a destruição da
legislação de proteção ambiental, o desrespeito aos direitos civis, o aumento
do racismo, a xenofobia, a humilhação do pobre, a politização da prática
científica. É pura maldade, enxergar a presença do anticristo em atos de
misericórdia e em tudo o que não está de acordo com a ignorância religiosa ou
dureza de coração desses fariseus da contemporaneidade. Logo, embora o Papa
Francisco esteja sofrendo forte resistência por sua posição misericordiosa,
nesse e noutros casos, sendo criticado por radicais conservadores de vários
credos, é importante que ele siga imitando Jesus Cristo. Isso mesmo que a
maldade farisaica o flagele com a língua e possa levá-lo à cruz do sofrimento,
da perseguição ou à morte.