Conta
a Bíblia Judaica (o Antigo Testamento da Bíblia Cristã) que um pouco antes de 1200
a. C., um judeu criado na corte do faraó, de nome Moisés, liderou um grupo de escravos
na fuga do Egito. O grupo de libertos entrou no deserto em busca de uma nova
terra para viver e a eles outras tribos nômades se associaram na fé comum e na
mesma esperança. A fé desses homens os fez acreditar que o Deus que os retirara
do Egito lhes daria uma terra livre da dominação. Acreditavam num Deus
diferente dos encontrados na região, um Deus Vivo e Poderoso que caminhava com
o povo e ouvia seu clamor. Esse Deus propunha-lhes, em contrapartida, uma forma
de viver sem a qual seria impossível sobreviver no deserto e menos ainda se
organizar como povo na terra da esperança. A história da fuga e da conquista da
nova terra é um acontecimento extraordinário e foi retratado em muitos filmes: Êxodo (1956), o desenho O príncipe do Egito (1998) e o mais
recente Êxodo: Deuses e Reis (2014).
Ao
conceder-lhes a liberdade política e lhes oferecer uma nova vida, Deus lhes deu
regras capazes de assegurar a liberdade íntima, mas também uma vida socialmente
organizada. Independente da fé que se possa ter nesse Deus que libertou o povo
do Egito, a caminhada pelo deserto e a instalação na nova terra somente foi
possível porque essas pessoas se submeteram à autoridade de Moisés e as regras
que ele lhes deu em nome de Deus. E Moisés apresentou a regra para viver em
grupo, uma regra cujos mandamentos eram encontradas entre outros povos da região,
mas não de forma tão simples e completa. Como não acreditar que aquela síntese
provinha diretamente do Deus poderoso que estava realizando o extraordinário prodígio
de libertar o povo de um reino poderoso e levá-lo a salvo pelo deserto? Assim
entenderam os que seguiam Moisés. Eles tomaram a sério o código mosaico, embora
as regras pudessem parecer um código banal ou uma síntese superficial. A
história mostrou que não eram banais aquelas regras, o resultado do seu uso demonstrou
que se tratava de uma orientação maravilhosa para viver em sociedade.
O
episódio da entrega da lei, contada de vários modos, mostra que Deus deu
diretamente a Lei a Moisés, consistindo o fato num extraordinário enigma em
torno ao qual a inteligência humana se depara há muito tempo sem avançar muito,
considerando-se que a Lei mosaica é a base da moral evangélica ensinada por
Jesus de Nazaré, que resumiu os mandamentos sociais do decálogo no amor ao
próximo. E essas regras se tornaram a base de moralidade ocidental.
Se
observar todas as regras do decálogo é muito difícil para qualquer homem, o
descumprimento ostensivo de qualquer delas inviabiliza a vida social. Fossem todas
as regras bem seguidas e teríamos uma vida feliz, independente da fé em sua
transmissão sobrenatural. Contudo, mesmo sem a fé religiosa, as normas do
decálogo podem ser justificadas racionalmente como regra moral para todos os
homens viverem de forma pacífica e civilizada. Obedecê-las exige esforço
interior, uma educação íntima forjada pela consciência e socialmente justificadas
e ensinadas pelas filosofias, famílias, escolas e igrejas. Ao reconhecê-la
adequada, a consciência dá a si mesma uma orientação, um caminho para seguir.
Os
judeus encontraram no decálogo uma direção para a vida social e puderam viver
com base nas suas orientações. É algo assim que necessitamos nesse momento
difícil da nossa história. Talvez se possa encontrar nas regras do decálogo, ou
nas suas reformulações éticas, uma direção para vencer a violência, a
irracionalidade, a falta de amor que assistimos surgir do egoísmo exacerbado e
hedonismo ansioso que enchem o coração do homem de nossos dias.