Este triste momento da história pátria é a marca de nosso tempo, tempo de corrupção e de crise econômica. Ele tem altos funcionários da República e políticos envolvidos em atos de corrupção de grandes proporções. Todos os dias os meios de comunicação mostram novas fases da operação lava jato, que assustam o cidadão comum. Felizmente igualmente mostram o aparelho do Estado punindo aqueles que se afastaram dos procedimentos esperados dos seus funcionários. Esta realidade do Estado Moderno de que nos falava Max Weber nos seus Ensaios de Sociologia (Rio de Janeiro: Guanabara, 1981) é muito curiosa, ela mostra como o funcionário de carreira cria um interesse por colegas e pela carreira, que, às vezes para o mal se desvia no corporativismo, mas geralmente promove as correções necessárias nos órgãos públicos. Por isso, a sociedade moderna percebe que não pode prescindir de uma boa máquina administrativa: necessita de bons policiais, professores, médicos, juízes, fiscais, administradores públicos e um aparato de suporte para o trabalho deles. De gente boa e comprometida com seu trabalho, embora a experiência mostre que todos precisam permanecer sob a vigilância de chefias que se controlam.
Além
de sabermos que o homem é suscetível de corrupção e que ela aparece em todos os
lugares e tempos da história humana, parece fundamental, para seu atual
enfrentamento, além da excelência na profissionalização do setor público, o
desenvolvimento do sistema econômico e educacional para reduzir a diferença
social. Esse fato consolidará a substituição do privilégio pela competência,
tanto na seleção para o serviço público, como nas atividades econômicas em
geral. A valorização da competência e a formação cidadã comprometem os membros da
sociedade com o funcionamento e seu futuro. Estamos aprendendo, com vergonha e
dor, que esse é um caminho que precisaremos trilhar. E a mudança começa
necessariamente pelo esforço de cada um para bem cumprir suas tarefas e
respeitar as regras sociais, mas inclui a substituição da mentalidade
patrimonial por uma forma legal de administrar a coisa pública. O problema,
como venho insistindo transcende os Partidos e atuais dirigentes, embora quem
errou deva ser punido conforme a lei. Simples assim.
Uma
forma de administração patrimonial é, como ensina Weber, resultante de formas
de dominação tradicional como ocorria nos antigos califados que ocuparam a Península
Ibérica durante boa parte da Idade Média. A história mostra que Portugal e
Espanha tiveram que incorporar práticas patrimoniais para enfrentar exércitos
poderosos do Califa cuja vida e morte dos soldados estavam nas mãos dos
Senhores. Se foram eficientes no enfrentamento do invasor, a sobrevivência do
modelo prejudicou o desenvolvimento da mentalidade moderna na formatação desses
Estados, modelo que se transferiu para as colônias. E como é a administração
patrimonial? Ela é arbitrária (não há um sistema de leis impessoais), o
administrador não se submete a regras de controle de sua autoridade, disso
resultando ausência de supervisão do trabalho dos dirigentes. A forma de acesso
aos cargos é por amizade ou parentesco com os dirigentes e os demais
contratados são empregados pessoais dos dirigentes (no Brasil de hoje
companheiros de Partido), os assuntos públicos são tratados em encontros
pessoais e resolvidos diretamente, sem documentos oficiais. Enfim, é uma forma
de administrar que não combina com o Estado Moderno, mas pode sobreviver dentro
dele, como parece ocorrer entre nós.
No
nosso caso, infelizmente, o patrimonialismo somou-se à sobrevivência da moral
contrarreformista, com sua implicância com a riqueza e o enriquecimento pessoal
e o desastre do idealismo jurídico como está em Caminhos de moral moderna, a
experiência luso-brasileira (Belo Horizonte: Itatiaia, 1995).
Assim,
apesar da tradição patrimonial e a falta de formação cidadã, se a polícia e
justiça atuarem agora como parte de uma administração legal, como prevalece nos
Estados Modernos, diminuirá consideravelmente os efeitos da corrupção. Fica o
restante e maior desafio para a formação moral dos cidadãos e sua preparação
para viver na República. Para isso será necessário organizar a escola, melhorar
as relações familiares e sociais de modo geral. Também será ótimo se as Igrejas
ensinarem que a vida mais próxima de Deus implica em solidarizar-se com o
destino dos outros homens, começando pelos mais próximos que habitam nosso
país.
De
alguma forma a existência do homem passa pelo bem viver, por encontrar uma
razão para a vida num mundo em crise pela desconfiança das utopias e do
progresso automático. Estamos mergulhados na falta de crenças de que falava
Ortega y Gasset para explicar os momentos de crise e não superamos a era da
massas que ele descreve em A rebelião das
massas. Enfim, vivemos num mundo que precisa descobrir novas razões para
bem viver e num país que precisa encontrar rapidamente os caminhos da
racionalidade administrativa, da superação do patrimonialismo e da formação
cidadã.