Nos
final dos anos cinquenta, o filósofo alemão Karl Jaspers fez uma conferência
radiofônica intitulada A bomba atômica e
o futuro do homem. O texto foi publicado na Alemanha em 1958 e traduzido,
no Brasil pela Agir, em 1960. Não foi a única experiência do filósofo que fez várias conferências transmitidas
pelo rádio, colocando o público alemão em contato com os mais sérios problemas
do seu tempo. É admirável reconhecer os erros e meditar sobre o próprio
destino. A meditação não redime os erros cometidos, mas fortalece a
responsabilidade e os futuros compromissos. A outra iniciativa no gênero deu
origem a uma coletânea de doze conferências publicada em Lisboa, pela
Guimarães, 1987 com o título Iniciação
Filosófica.
No
texto A bomba atômica e o futuro do homem
Jaspers examinou um tema que provocava enorme angústia na sua geração, o risco
de uma guerra entre potências que culminasse na completa destruição da vida na
terra. Como forma de erradicar esse risco concebeu uma política de controle
recíproco entre potências que levasse a desativação das bombas atômicas. Na
época apenas Rússia, Estados Unidos e Inglaterra detinham a tecnologia para
produzir a bomba. Ele postulava ainda o reconhecimento internacional dos
tratados de paz, o ordenamento da ideia de direito dos povos, a liberdade de
comunicação, tomar a violação dos direitos humanos, em qualquer lugar, como
ofensa a todos os Estados e a superação da soberania absoluta dos Estados.
O
mundo mudou muito desde os anos sessenta e as questões políticas apresentadas
na famosa conferência já não fazem sentido. No entanto, o risco atômico ainda
existe se artefatos nucleares caírem nas mãos de grupos terroristas ou de
fundamentalistas, se pequenas guerras regionais se ampliarem com conflitos
maiores envolvendo grandes Estados ou se for ameaçado algum Estado que ainda
vive sob controle de grupos totalitários.
As
angústias de hoje estão centradas na violência urbana, no poder das máfias das
drogas, na falta de desenvolvimento de muitas sociedades, no fundamentalismo
religioso e terrorismo fanático, na rápida deterioração das condições
ambientais. No entanto, se mudaram os riscos de nossa geração, a raiz dos males
de ontem apontada pelo filósofo "na violência, falta de escrúpulos,
coragem cega para a luta, e paralelamente, o comodismo, indiferença, descaso e
a falta de preocupação previdente" (p. 32) parece ainda muito viva. Assim,
se os compromissos éticos não virão de forma impositiva, somente a meditação
sobre o futuro do homem pelas diferentes instituições sociais poderão mudar,
para melhor, o padrão social. Se também parece inútil acreditar que o homem
possa alcançar pela meditação ética um futuro de paz definitiva, talvez o
caminho que reste seja ainda aquele que o filósofo vislumbrava com os olhos
cheios de admiração no velho Emmanuel Kant: "viver em nosso mundo pela
razão, não somente pelo entendimento, mas sim através da esclarecedora razão, e
com ela dirigir nossos pensamentos, impulsos, esforços, a começar pelas
atividades quotidianas, na superação da catástrofe ameaçadora" (p. 48).
A linda reflexão de Jaspers sobre as angústias
de sua geração encontrarão lugar e sentido em nossos dias se nos dermos conta
da necessidade de pensar filosoficamente para não perder o rumo da vida nas rotinas
e nas trivialidades quotidianas. Só superando as insinceridades e subterfúgios
com que nos enganamos e aumentando o sentido da responsabilidade por nossos
atos e escolhas, podemos assegurar confiança e esperança no futuro do homem.