Não restam mais dúvidas. O Brasil está infestado pelo joio da intolerância. É prática comum nas redes
sociais, principalmente, nas conversas, nas trocas de ideias, na avaliação acadêmica.
O diálogo sereno, a avaliação imparcial, o respeito critico, foi banido. Nos
outros não há verdade. Predominam os odiadores, os aborrecedores, os “haters”,
os “trolls”.
Enclausurados em nossas
salas acústicas, onde ouvimos pelas redes sociais os ecos de nossos próprios
sons, isto é, opiniões dos que pensam como nós, na verdade voltamos ao estágio
primitivo. No centro da aldeia finca-se uma estaca e a partir dela enxerga-se o
mundo. Os antropólogos, como William Graham Sumner, denominaram isto de etnocentrismo.
É a atitude de quem considera o grupo, o “nós”, a ”tribo” superior ao grupo
externo, o “seu”, o “outros”. A terapia
para tal doença é o “pluralismo”, que consiste em sair das câmaras de eco e
ouvir a verdade dos outros.
Há, porém, um cuidado com
outra armadilha: o relativismo. A diferença entre ambos – pluralismo e
relativismo – consiste em que o primeiro possui um número limitado de valores humanos.
Não pretende alcançar a todos, mas os reconhece
plausíveis e não se nega à crítica dos mesmos. O segundo, o relativismo,
acha que tudo é possível, isto é, todos os valores de cada um são válidos. Um
pluralista se apavora com o apedrejamento de mulheres adúlteras como pregam os
talibãs, um relativista considera válido. (Giancarlo Bosetti «A verdade dos
outros. A descoberta do pluralismo em dez histórias "(Bollati Boringhieri,
páginas 198).
A questão do pluralismo e
relativismo esteve subjacente ao pensamento filosófico. Ora mais visível ora
velado. Pode-se exemplificar com Maquiavel, considerado o fundador do
pluralismo. Ao contrastar os valores pagãos – força, justiça e coragem - e
cristãos – caridade, misericórdia e sacrifício - deixou clara uma contradição
aparente e fez brilhar o paradoxo. Eles são somente aparentemente
contraditórios. Existem princípios válidos, ainda que em conflito entre eles,
como liberdade e igualdade, clemência e justiça, amor e imparcialidade. Tudo o
que decorre de uma única construção monista é sempre duvidosos. Outro exemplo é o mito da Torre de Babel;
Deus desgostou-se não da altura da torre, mas da monotonia da linguagem. Falar
muitas línguas foi um presente e não um castigo.
Uma das lições mais
convincentes do pluralismo nos foi deixada pelo filósofo Orígenes. Aos trinta e
três anos encontrou-se em Antioquia com Giulia Namea, esposa de imperador
Septínio Severo, que havia decapitado seu pai. Giulia Namea pediu conselhos a
Orígenes sobre a educação de seu filho, conforme os textos sagrados. Orígenes
disse-lhe que os textos sagrados não devem ser tomados literalmente e que a
salvação é extensiva a todos e não somente para os cristãos.
Falamos no início deste
texto sobre a problemática da intolerância que grassa em nossa sociedade. Todos
concordam que é preciso estancar o ódio. Para tanto, devemos fazer como os
renascentistas. Perguntar-se onde e quando começamos errar. E eles
identificaram corretamente: quando entronizamos a intolerância e admitimos o
monismo gnosiológico. A partir daí, em vez do pluralismo, nos guiamos pelo
relativismo. Então, corajosamente,
voltaram atrás até onde haviam abandonado a tolerância e o pluralismo. Esta
atitude salvou a ciência, filosofia, arte, convívio religioso. Foi o
Renascimento.
Nós também temos que fazer
um feedback, uma autocrítica, e retomarmos o nossa marcha na direção correta. A
pergunta: o que nos desviou? O abandono da hierarquia, o esquecimento do
respeito, difusão da mentira. Por isso, é preciso voltar e retomar:
1.
A hierarquia – Com ela se consegue garantir o
pluralismo e afastar o relativismo, considerar os demais como inimigos,
difundir o erro.
2.
Exigir respeito – É o princípio do sistema
democrático. Com isso cada um pode ter garantia da verdade.
3.
Usar as redes sociais para externar a verdade
e não para haters.
4.
Antes de falar, pensar se é verdadeiro, se
conveniente e se ajuda alguma coisa.