Em diversas partes do mundo, mormente em civilizações de
Primeiro Mundo, surgem sinais de alerta sobre o avanço da robotização em
detrimento da humanização. Estes sinais provem das mais diversas áreas do saber
como filosofia, psicologia, sociologia, antropologia e até mesmo das ciências
denominadas experimentais. Os alertas apontam para o perigo do cientificismo,
hedonismo, utilitarismo, enfim um mundo onde só existe cada um.
Nesta esteira encontramos o pensador francês David Le
Breton, professor da Universidade de Estrasburgo, que em 2015 lançou o livro: El Silencio e Elogio del Caminar. Propõe
formas concretas para enfrentar a desumanização dos dias atuais. Uma das formas
seria o silêncio.
Constata o filósofo que estamos sempre conectados com o
ruído, mormente o portátil. Há dispositivos grudados em nós que nos lembram a
toda hora que estamos conectados, quando recebemos uma mensagem ou nos alertam
sobre os horários. Este mundo que nos circunda veio juntar-se ao do século XX,
como tráfego de carros e todo tipo de contaminação acústica. Se adotarmos o
silêncio estamos numa postura de resistência, protegendo nossa dimensão
interior, nos revestindo de uma redoma contra as pressões exteriores. O
silêncio é o instrumento para mantermos uma conexão com o interior. O silêncio
visibiliza o interior, enquanto o ruído a neutraliza.
Outra forma de nos manter conectados com o interior é o
caminhar transcorrido em silêncio. A esta conclusão Le Breton chegou ao fazer o
Caminho de Compostela. Ao caminhar mais de trinta dias em silêncio, ao término, constatou que se transformou completamente.
Era outra pessoa. Isso devido a dois fatores conjugados: caminhar e silêncio.
Diz Le Breton que caminhar é uma forma de tomar consciência de si, de sentir seu corpo, no respirar, no silêncio. Não pode ser um caminhar com objetivo: vou à padaria comprar pão. Não. Um caminhar sem fim, sem meta, sem buscar nada. O português tem uma palavra definidora: ao léu.
Diz Le Breton que caminhar é uma forma de tomar consciência de si, de sentir seu corpo, no respirar, no silêncio. Não pode ser um caminhar com objetivo: vou à padaria comprar pão. Não. Um caminhar sem fim, sem meta, sem buscar nada. O português tem uma palavra definidora: ao léu.
Ele constata que já não conseguimos ter uma conversação
com os demais. Utilizamos ferramentas tecnológicas para nos comunicar. E estas
nos desligam do nosso interior. Há culturas que enfatizam o mundo interior,
como a japonesa com a filosofia do zen. Nas remotas tradições cristãs se
valorizava o silêncio. Inclusive a própria educação abria um espaço para a
meditação silenciosa. Era uma forma de compreender o que não se poderia dizer.
E nisso consistia a sabedoria.
Na filosofia portuguesa há um corrente de pensamentro que aparentemente parece uma “contraditio
interminis”: a experiência mística. A experiência religiosa que nos possibilita
transpor o limiar do racionalismo para entrar num mundo místico. Este valor
conferido à experiência mística constitui uma peculiaridade da Filosofia
Portuguesa. Admitir a experiência religiosa como mais uma forma gnosiológica é
poder alçar-se a um mundo acessível a poucos.
Acatada como válida para o conhecimento a experiência
religiosa abre o leque das possibilidades de formas de conhecimento e
confere legitimidade à sensação, intuição, sentimento, imaginação e crenças.
Uma das mais significativas é a ética que transcende a lei, norma, mandamento.
O noumeno dos mitos leva ao sagrado, ao divino, à união mística.
Quando entramos no ambiente do silêncio, que pode ser
pela caminhada, encontramos outras vozes, outros interlocutores, outras
realidades, escondidas por trás dos aparelhos penduricados em nosso corpo.