No primeiro mandato de Lula o Brasil foi convulcionado por um tsunami de escândalos, envolvendo partidos – inclusive alguns políticos muito próximos do presidente – empresários e parentes de políticos. A classe política, em vez de sanar o problema com medidas corretivas, passou a se autoproteger. A sociedade reagiu e iniciou um movimento, através de uma iniciativa popular, exigindo que, para o futuro, os candidatos a cargos políticos deveriam ter “ficha limpa”, isto é, não terem sido condenados por órgãos colegiados da justiça. Surge então um Projeto de Lei, de iniciativa popular, que reuniu quase 2 milhões de assinaturas. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado em maio de 2010, e em junho do mesmo ano é sancionado pelo Presidente.
Todos estavam convencidos de que a lei deveria valer já para as próximas eleições. No entanto, vários políticos, que não se enquadravam na Ficha Limpa, se candidataram e foram eleitos. Ao serem impedidos de asssumir ingressaram com recursos perante o Supremo Tribunal Federal. E aí armou-se a confusão, pois em vez de julgar se podia ou não o candidato concorrer, o Superior Tribunal Federal resolveu julgar aplicabilidade da lei naquela eleição. Neste afã, o próprio Tribunal se perdeu, pois ora julgava que podia, ora não. No julgamento do mérito, houve empate. Como estava vaga uma cadeira, a decisão somente ocorreu em 23 de março deste ano quando a votação foi desempatada pelo estreante Luiz Fux. O voto do ministro foi de que a lei somente poderia ser aplicada em 2012, na próxima eleição, estribando-se no preceito constitucional que diz que a mudança da lei eleitoral somente se aplicará um ano depois de promulgada.
Há quem diga que Fux foi bem na estréia. Com todo respeito, discordo. Ao embasar seu voto, alegando que se atinha ao preceito constitucional, mostrou que se apegou à letra da lei, menosprezando o seu espírito. Com efeito, Montesquieu diz que o que realmente torna uma lei eficaz é quando reflete a vontade popular, e este é seu espírito. E o que há de mais popular do que uma lei de iniciativa popular? Por outro lado, ao justificar que estava defendendo as minorias, se pergunta: quais as minorias implicadas? Pelo que sabemos, eram os justiçados! Tocquevile ao invocar a defesa das minorias se referia aos injustiçados, aqueles que a lei não protegia. Mas nesso caso, as minorias eram exatamente os condenados pela lei. Por ora, portanto, as minorias dos “Ficha Suja” podem ficar tranquilos.
É bom frisar que as próximas eleições serão municipais e, por isso, os políticos envolvidos serão de abrangência regional e consequentemente o impacto da Lei da “Ficha Limpa” será apenas local. Tudo leva a crer que o senador Pedro Simon tem razão: o Supremo matou a Lei da Ficha Limpa.