O rabino Jonathan Sacks é um pensador que ultrapassa a
cultura estritamente hebraica para se lançar como um pensador global. Com
efeito, é filósofo, teólogo e um combatente que
não arreda no ao mal que assola o mundo. Se amiúde debruça-se sobre a Bíblia
para obter inspiração não significa que não passe daí, isto é, no plano
hebraico. Para ele somos muito infelizes e não conseguimos melhorar. Falta uma
moral do bem comum que perpasse a economia e a sociedade.
Sua voz é reconhecida em todo mundo. Nascido em 1949, foi
nomeado rabino chefe da Grã Bretanha e da Commonwealth de 1991 a 2013. A rainha
Elisabeth tornou-o Sir por causa da promoção das relações inter-religiosas e
posteriormente Barão com assento na Câmara dos Lordes. Possui aproximadamente
25 livros até agora, tem transmissão na BBC, é seguido por milhares de pessoas
no site pessoal apresentando lições do Torah, intervenções de temáticas
políticas e sociais atuais.
A essência de seu pensamento consiste numa proposta cujo
centro é o bem, um bem que possa congregar todos os povos, progredir juntos, ao
escrever há poucos anos “Não em nome de Deus”. É um texto que deixa todo mundo
perplexo ao perguntar por que tanta violência jorra precisamente das matrizes
religiosas, mormente do fundamentalismo islâmico, quando, na verdade
consultando-se o texto comum às três religiões monoteístas se pode, ao invés,
encontrar uma resposta unificante. Com efeito, a rivalidade fraterna entre Caim
e Abel, entre Isaac e Ismael, Jacó e Isaú, entre José e seus irmãos, não são
definitivas nem indirimíveis, mas um ponto de partida para qualquer homem de
fé.
Para Sacks o bem de cada um não pode prescindir do bem de
todos, pois estamos interligados uns aos outros. Isto é ainda mais válido em
época de Covid-19. Se cada um não fizer sua própria obrigação toda comunidade
será afetada, como uso de máscaras, higienização, controle térmicos,
distanciamentos. Somos todos interdependentes. Da mesma forma, se cada um não
fizer a sua parte numa democracia todo o edifício ruirá. Somos co-dependentes na
liberdade, dignidade, solidariedade os quais não podem ter seu apoio apenas na
economia de mercado e no estado. É um princípio moral, acima e anterior ao
Estado e ao mercado.
Neste momento desponta a questão onde apoiar este princípio.
Um deles é a origem religiosa, isto é, uma moral decorrente da religião. Neste
ponto o hebraísmo leva imensa vantagem em relação a outras culturas. Uma
religião que se perde no início dos tempos, se manteve intacta e congrega a
sociedade. Cada membro se identifica com o todo da sociedade e por isso de fato
o eu é um nós.
Mas há outras culturas e sociedades que são heterogêneas,
constituídas de várias culturas, algumas conflitantes entre si. È o caso do
Brasil que só para falar no caldinho religioso entram na sua constituição
catolicismo, protestantismo, espiritismo, religiões africanas e também religião
hebraica. Qual delas pode ser considerada o ímã dos eus? Qual pode imantar as
vontades pessoas para comporem a vontade do nós?
Neste caso só é possível através do consenso representado
pelas instituições jurídico-morais. É uma construção artificial de um nós. Conseguir-se-á o consenso? Os resultados não
são nada animadores. Veja-se, por exemplo, o soberanismo no Brexit , o
antissemitismo no Labour inglês, as revoltas violentas dos coletes amarelos
franceses, as divisões provocadas por Trump e Bolsonaro, o crescimento do
populismo e o ressentimento em decorrência da descrença nas instituições, no
Brasil a desconfiança no judiciário, enfim o fracionamento grupal da sociedade
e a projeção das minorias que se arvoram representantes da sociedade. É um
quadro típico da Revolução francesa.
A proposta de Sacks é um apelo moral voluntário. A começar
pela economia deveria nascer um novo “ethos “ social que substitua o lucro pelo
bem comum. E se não acontecer a decisão espontânea? E se não for seguido o
preceito de Deus confiado a Moisés? “Amarás o próximo como a ti mesmo”?
O maior problema está no conflito de princípios, isto é,
solidariedade versus competição. Somente em pequenas comunidades poderia haver uma economia
solidária. Tais atividades abrangeriam a produção, distribuição, consumo,
crédito sem visar lucro individual, apenas coletivo, como cooperativas. Já em sociedades globais, com economias
multinacionais a atividade econômica se faz na forma que visam lucros, tais
como: Motorola, Nokia, Siemens, Vivo,
Sony, Coca Cola, Pepsi, Unilever, Mc Donald's, Nestlé, Nike, Adidas, Puma,
Volkswagen, General Motors, Toyota, Peugeot, Petrobras etc. . Por isso, é impossível
uma solidariedade econômica nessas, pois são essencialmente competitivas e
lucrativas. Uma organização social pode ser solidária, mas numa econonia do
tipo competitiva os princípios da solidariedade e competição chocam-se. É
impossível erigir um sistema econômico global baseado na solidariedade. Uma
instituição econômica particular até pode organizar-se sobre a solidariedade,
mas ao relacionar-se com outras instituições passará a competir com as demais.
Por isso, só em parte a proposta de Sacks pode ser
contemplada: a solidariedade econômica e social em pequenas comunidades, preferencialmente
de cunho cultural homogêneo, como a hebraica.