Nós seres humanos somos de tal natureza que
representamos dois atores: num determinado ciclo um faz o papel de cuidador e o
outro protegido. Em seguida se invertem os papéis: o cuidador se torna protegido.
No primeiro, os pais assistem seus
filhos jovens crescerem, ficarem adultos e terem autonomia. E seus pais pouco a
pouco envelhecem e se tornam anciãos.
Os anciãos nas civilizações antigas foram um estrato
social sempre valorizado. Podem ser citadas as culturas hebraicas, egípcia,
mesopotâmicas, gregas e romanas. Inclusive na Bíblia se fala em Anciãos do
Povo. Nessas sociedades os anciãos eram revestidos de autoridade política,
moral e religiosa por causa de sua experiência e sabedoria para dirigirem os
negócios públicos do povo.
No ambiente familiar, até pouco, os anciãos eram
amparados pelos filhos que cresciam junto ou próximos aos pais. Havia o ciclo
de pais protetores dos filhos e filhos amparadores dos pais. As duas categorias
sociais, anciãos e jovens, se completavam cada uma no seu tempo.
Atualmente, devido a diversos fatores, rompeu-se o ciclo
natural. Pais chegam à velhice e não têm mais os filhos para ampará-los. Os
filhos, uns por motivos profissionais, outros por problemas familiares, outros
por dificuldades financeiras abandonam os pais. E há alguns que não têm nada
disso e assim mesmo abandonam os pais. Basta visitar alguns “Lar dos Idosos”,
“Lar dos Vovôs”, “Asilos”, e ouvir as histórias de vida dos internos. Contam história da vida olhando para longe, no horizonte, curtindo a dor, a saudade e remoendo
lembranças.
E quando a tudo isso se junta a doença? Com toda
experiência que os idosos acumularam sabem que não têm mais volta. Estão num
túnel sem luz no final.
O que acontece com a velhice? Não é somente um estágio
estritamente biológico que chega cronologicamente. Se não fosse agregar o que
acompanha seria suportável. No entanto, com a velhice chega a vulnerabilidade
perante o mundo, o sentir-se inseguro para enfrentar a realidade. Entender os
novos tempos, a outra época que não a sua. Ter dificuldade de atualizar-se,
acompanhar a nova tecnologia ou as novas ideias (a reação é: no meu tempo era
assim...). Mas uma das maiores
dificuldades são as novas amizades. As de seu tempo, a maioria desapareceu. A
reação é a clausura, o bloqueio – mental e físico. As limitações começam com a
lentidão nos movimentos físicos e reflexos. Com isso ficam excluídos para
certas atividades, pela inacessibilidade de certos lugares, em consequência, por
exemplo, as companhias turísticas rejeitam idosos em excursões.
Em alguns países, como o Brasil, os idosos são
considerados mentalmente ultrapassados, desatualizados e profissionalmente
desqualificados. Quando deveria ser a melhor idade de se aproveitar pelos conhecimentos,
experiência e maturidade jogam-se no ralo do desperdício. A maioria das
universidades europeias e de países desenvolvidos possuem programas de
aproveitamento de seus intelectuais. E o resultado todos constatam. Aqui os
idosos são classificados simplesmente como “inativos aposentados”, isto é, não
fazem nada e estão nos seus aposentos.
Sem falar na pouca consideração dos jovens. Tudo isso
configura um quadro de isolamento e de desespero e o ancião se sente entre a
bigorna e o martelo.
Na relação entre pais e idosos, é diferente a situação
dos anciãos que tem filhos que assistem ou podem contratar profissionais.
Conheço uma idosa de 92 anos cuja filha cuida da mãe. Não são ricos, classe
média. A idosa aposentada pelo INSS e a filha professora aposentada. Esta
providencia alimentação, medicação, higiene corporal, com a escova
de dentes, banho externo até o íntimo. Cuida da saúde com consultas geriátricas.
A idosa sente-se segura, amparada e demonstra alegria em viver. A comida com os
ingredientes picados ou ralados. Evitam que faça coisas perigosas, pois na
mente do idoso pode fazer tudo o que antes fazia só que a estrutura física não
mais comporta. Mas, sobretudo, sobretudo mesmo, muito carinho.
Mas nem tudo é fácil. Existem idosos dóceis e outros
raivosos, os violentos, teimosos e mesmo maus. Os que em vez de demonstrarem
reconhecimento e segurança para seus filhos, os xingam, insultam e destratam.
Neste caso, se pergunta: como pode um filho retribuir carinho aos maus
tratos? Evidentemente tal filho não se
sentirá à vontade para assistir a seus pais. Neste caso, o melhor é apelar para
uma terceira pessoa, como os cuidadores. Esta, uma profissão nova, que está se
disseminando rapidamente para preencher o hiato formado entre pais idosos e
filhos provedores, evitando que pais sejam órfãos de seus próprios filhos.