Em 1º de julho deste mês, o mundo intelectual perdeu um
grande pensador, Ismael Kadare. Natural de Gjirokastër e falecido aos 88 anos
em Tirana, Albânia. Viveu a devastação da Segunda Guerra em seu país. Sua
produção intelectual reflete os horrores que ele e seu país passaram. A obra
principal: “Os Tambores da Chuva”.
Possui uma perspectiva universal e foi por isso que
angariou fama mundial e sua obra está traduzida em mais de quarenta línguas.
O regime ditatorial e comunista de Enver Hoxha a
contragosto tolerava-o embora tentasse cooptá-lo. Com sua ida para França, 1990, conquista o
reconhecimento internacional. Conquistou os principais prêmios:
Man Booker International Prize, 2005
Prêmio Asturias për Letërsinë, 2009
Prêmio"Lerici Pea", 2010
Prêmio Jerusalém], 2015[9]
Commandeur de la Légion d’Honneur (C.
LH), França, 2016
Prêmio "Letërsia shqipe",
Kosovo, 2017
Prêmio "Nonino". 2018
Prêmio Park Kyung-ni 2019
Várias vezes indicado para Prêmio Nobel.
Um dos momentos decisivos na produção intelectual de
Kadaré foi quando a Albânia foi anexada ao bloco comunista em 1950. A partir de
então os intelectuais de seu país tiveram que se submeter às normas do Socialismo Realismo. Autores que se negassem a se submeter ao pensamento foram impedidos
de publicar. Outros apenas plagiavam obras soviéticas. Tanto a didática como a
filiação ideológica foram impostos aos escritores. Os temas não podiam sair do
círculo ideológico: luta pela libertação nacional, celebração dos progressos do
socialismo ou assuntos afetos ao socialismo.
Quando Kadaré publica Os Tambores da Guerra, cujo
conteúdo narra a história de um general e de um padre que buscam os restos
mortais de soldados italianos mortos na guerra, foi recebido com fúria pelo governo. A
principal acusação era a definição dada a um padre: “um bom homem”. As
tribulações de Kadaré contra o regime continuaram. Após a publicação de Os
Tambores da Chuva o ditador reclama que seus livros são publicados no exterior
e com conteúdo de tristeza. O ditador provocou-o a publicar algo sobre o
“heroico partido albanês”. Kadaré não deu a menor atenção. No entanto o ditador
fê-lo assinar uma declaração onde confessa ter “escrito coisas contrárias ao bem
do povo” (povo entendido como partido)
comportando-se como “inimigo do comunismo”. Esta declaração foi apenas paras evitar represálias piores.
No romance “O Palácio dos Sonhos” praticamente faz uma
paródia da Revolução dos Bichos de Orwell e descreve o sistema burocrático e
policiesco do regime otomano, entendendo-se como o regime comunista. Revivia o
Grande Fratello, Grande Irmão.
A substituição do ditador Hoxha por Ramiz Alia vislumbrou
alguma esperança. No entanto, teve que declarar numa entrevista: “O Estado
albanês prometeu tudo sem procurar soluções eficazes, enganou continuamente os
cidadãos, mas na realidade ninguém tinha intenção de fazer nada».
Obras:
Os tambores da chuva
O Dossier H
Concerto no fim do inverno
O Palácio dos Sonhos
A Pirâmide
Três Cantos Fúnebres pelo Kosovo
Abril despedaçado
O General da Armada Morta (Le général de
l'armée morte) 2004
O jantar errado, (Darka e gabuar),
Companhia das Letras, 2013.
O acidente, (Aksidenti), Companhia das
Letras, 2010
Crônica na pedra (Kronikë në gur),
Companhia das Letras, 2008
Uma questão de loucura (Çështje të
marrëzisë), Companhia das Letras, 2007.
Vida, jogo e morte de Lul Mazrek, (Jeta,
loja dhe vdekja e Lul Mazrekut), Companhia das Letras, 2004.
Obra: “O General da Armada Morta”
“Vinte anos após o fim da Segunda Guerra
Mundial, um general e um coronel capelão do exército italiano, recebem um
mandato pesado e delicado: encontrar os restos mortais de muitos dos nossos
soldados que morreram na Albânia. A missão logo se choca contra as rochas de um
clima hostil, de uma terra impermeável, à qual se soma a frieza de um povo
orgulhoso para quem a guerra parece ser uma condição de vida. Quando o general
estava pronto para trazer o exército morto de volta para casa, percebe que
exumou, além dos restos mortais (ainda faltavam muitos na chamada silenciosa),
também desconfianças e ressentimentos antigos, atávicos em um povo diferente
nos costumes, no sentido da vida, da morte e da honra, que “sempre teve gosto
por matar e ser morto”. Relembrando os horrores da guerra na terra das águias. (