sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Conhecimento e experiência em Carlo Maria Martini. Selvino Antonio Malfatti.

 


O cardeal Carlo Maria Martini (Turim, 15 de fevereiro de 1927 - Gallarate, 31 de agosto de 2012), da Itália, no livro “Diálogo Noturnos em Jerusalém” propõe uma justiça oriunda do contato direto com o sistema prisional. O livro, escrito em parceria com o jesuíta alemão Georg Sporschill, foi lançado no Brasil na PUC-Rio, em 2008. Pensa que para se entender a realidade, como a justiça prisional, é preciso “ver” a realidade, conversar com os prisioneiros, ouvir o que têm a dizer, prestar atenção nos seus pensamentos em voz alta.

Seguindo esta hipótese Marta Cartabia e Adolfo Ceretti se propõem a reconstituir o pensamento de Martini no livro: “Un’altra storia inizia qui. La giustizia come ricomposizione”. (Outra história inicia aqui. A Justiça como Recomposição) Para estes, o pensamento de Martini não se fundamenta no especulativo, mas no prático, na ação. Diz Martini:

 

Porque a justiça não é tanto uma ideia que se coloca fora de nós, mas "uma exigência que postula uma experiência pessoal: a experiência, precisamente, da justiça ou, melhor, da aspiração à justiça que nasce da experiência da injustiça e da dor que dela deriva».

 

Martini defende que para se alcançar um conhecimento verdadeiro deve-se conhecer experimentalmente o objeto. São famosas as afirmações de alguns que querem anular qualquer outra conclusão que não a sua, por ter visto ou ter visitado. É o caso, por exemplo, do conhecimento sobre o sistema prisional. Quem pode alardear que visitou ou viu se acha numa posição de superioridade em relação de quem somente leu.

Para estes a compreensão dos delitos e penas é mais verdadeira que os outros que apenas conhecem por outras vias, geralmente por terceiros. Inclusive cita-se para reforçar o argumento de quem experimentou fisicamente o contato com os prisioneiros. Ao citar o cap. 25 de Evangelho de Mateus: “Estava no cárcere e me visitaste”, dá a entender que a própria autoridade bíblica confirma a hipótese.

Para os defensores da necessidade da experiência o ato de ver, por exemplo, nos envolve na experiência de ter “ouvido, visto, contemplado e tocado.” Desse ato surgem as grandes questões, mormente as questões paradoxais, como se de repente o mundo nos aparece invertido. Isto nos força a magna questões e como decorrência nasce uma realidade criativa e renovada.

No entanto, em contrapartida, isto pode acontecer com a reflexão especulativa, isto é, quando refletimos em nós o que está gravado na nossa consciência. Da mesma forma e talvez melhor, se manifesta o poder criativo da mente, livre do cipoal da experiência. Basta, para tanto, evocarmos a experiência de Descartes e Kant. O mundo da realidade enriqueceu-se do mesmo modo com a reflexão do que a realidade contribuiu para o mundo espiritual. No paradoxo da realidade, como no mundo prisional, onde para se colimar algo, primeiramente deve-se restringir legal ou moralmente. Para ser livre a liberdade deverá ser cerceada. No mundo da reflexão não há necessidade de restringir o que se busca.

Com certeza a experiência do contato com o cárcere avia-se um processo dialético entre o comunicante e o interlocutor. O comunicante, por assim dizer, pensa em voz alta e está muito pouco preocupado com a justiça teorizada. O que ele quer é sair da prisão. Ao interlocutor, por sua vez, o máximo que pode fazer é ouvir o reclamo e os pedidos do preso. Mas mais nada pode fazer por que a partir daí a questão passa ser teórica, com um juiz que tem a lei diante de si e dá um veredicto teórico para ou continuar na prisão ou ganhar a liberdade. Portanto, a decisão final será sempre teórica. Um juiz nunca decidirá sobre o que o detento disse, mas sobre se for legal ou justo e isto é do plano teórico ou especulativo.

Por isso, a tese de Martini, examinada pelos pensadores Marta Cartabia e Adolfo Ceretti, serve como ponto de partida para desdobramentos teóricos posteriores. È o que diz Aristóteles: nihil est in intellecto, quod prius non fueri in sensu. A partir do pensar em voz alta dos detentos, constrói-se o arcabouço especulativo para justificá-lo ou não.

Aliás, o próprio Martini se deu conta disso:


Os acontecimentos "em si mesmos são mudos, ou pelo menos ambíguos: (podem dizer uma coisa e até o contrário) é o que acontece, com o que chega a nós, mas que não necessariamente tem sentido em si mesmo. É apenas em comparação com um ideal que esses eventos começam a falar, a sugerir um sentido, um caminho a 

 

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