O cardeal Carlo Maria Martini (Turim, 15 de fevereiro de 1927 - Gallarate, 31 de agosto de 2012), da Itália, no livro “Diálogo Noturnos em Jerusalém” propõe uma justiça oriunda do contato direto com o sistema prisional. O livro, escrito em parceria com o jesuíta alemão Georg Sporschill, foi lançado no Brasil na PUC-Rio, em 2008. Pensa que para se entender a realidade, como a justiça prisional, é preciso “ver” a realidade, conversar com os prisioneiros, ouvir o que têm a dizer, prestar atenção nos seus pensamentos em voz alta.
Seguindo esta hipótese Marta Cartabia e Adolfo
Ceretti se propõem a reconstituir o pensamento de Martini no livro: “Un’altra
storia inizia qui. La giustizia come ricomposizione”. (Outra história inicia
aqui. A Justiça como Recomposição) Para estes, o pensamento de Martini não se
fundamenta no especulativo, mas no prático, na ação. Diz Martini:
Porque a justiça não é tanto uma ideia que se
coloca fora de nós, mas "uma exigência que postula uma experiência
pessoal: a experiência, precisamente, da justiça ou, melhor, da aspiração à
justiça que nasce da experiência da injustiça e da dor que dela deriva».
Martini defende que para se alcançar um conhecimento
verdadeiro deve-se conhecer experimentalmente o objeto. São famosas as afirmações
de alguns que querem anular qualquer outra conclusão que não a sua, por ter visto ou ter visitado. É o caso, por exemplo, do conhecimento sobre o
sistema prisional. Quem pode alardear que visitou
ou viu se acha numa posição de
superioridade em relação de quem somente leu.
Para estes a compreensão dos delitos e penas é mais
verdadeira que os outros que apenas conhecem por outras vias, geralmente por
terceiros. Inclusive cita-se para reforçar o argumento de quem experimentou
fisicamente o contato com os prisioneiros. Ao citar o cap. 25 de Evangelho de
Mateus: “Estava no cárcere e me visitaste”, dá a entender que a própria
autoridade bíblica confirma a hipótese.
Para os defensores da necessidade da experiência o
ato de ver, por exemplo, nos envolve na experiência de ter “ouvido, visto,
contemplado e tocado.” Desse ato surgem as grandes questões, mormente as
questões paradoxais, como se de repente o mundo nos aparece invertido. Isto nos
força a magna questões e como decorrência nasce uma realidade criativa e
renovada.
No entanto, em contrapartida, isto pode acontecer
com a reflexão especulativa, isto é, quando refletimos em nós o que está
gravado na nossa consciência. Da mesma forma e talvez melhor, se manifesta o
poder criativo da mente, livre do cipoal da experiência. Basta, para tanto,
evocarmos a experiência de Descartes e Kant. O mundo da realidade enriqueceu-se
do mesmo modo com a reflexão do que a realidade contribuiu para o mundo
espiritual. No paradoxo da realidade, como no mundo prisional, onde para se colimar
algo, primeiramente deve-se restringir legal ou moralmente. Para ser livre a
liberdade deverá ser cerceada. No mundo da reflexão não há necessidade de
restringir o que se busca.
Com certeza a experiência do contato com o cárcere
avia-se um processo dialético entre o comunicante e o interlocutor. O
comunicante, por assim dizer, pensa em voz alta e está muito pouco preocupado
com a justiça teorizada. O que ele quer é sair da prisão. Ao interlocutor, por
sua vez, o máximo que pode fazer é ouvir o reclamo e os pedidos do preso. Mas
mais nada pode fazer por que a partir daí a questão passa ser teórica, com um
juiz que tem a lei diante de si e dá um veredicto teórico para ou continuar na
prisão ou ganhar a liberdade. Portanto, a decisão final será sempre teórica. Um
juiz nunca decidirá sobre o que o detento disse, mas sobre se for legal ou
justo e isto é do plano teórico ou especulativo.
Por isso, a tese de Martini, examinada pelos
pensadores Marta Cartabia e Adolfo Ceretti, serve como ponto de partida para
desdobramentos teóricos posteriores. È o que diz Aristóteles: nihil est in intellecto,
quod prius non fueri in sensu. A partir do pensar em voz alta dos detentos,
constrói-se o arcabouço especulativo para justificá-lo ou não.
Aliás, o próprio Martini se deu conta disso: