Explicar o funcionamento do Estado de Direito e das
instituições democráticas no Estado moderno não é fácil. Viver conforme regras
estabelecidas em parlamentos livres, constituições respeitadas, exige
maturidade das comunidades nacionais, além de uma precisa compreensão do que
seja uma nação e das normas de moral social. Essa realidade está mais difícil
nesses dias, quando o pensamento político é pouco estudado e a sociedade de
massas ganha força. Assim, a passagem do General Eduardo Pazuello pelo Ministério
da Saúde do atual governo ajuda a explicar questões importantes para o funcionamento
do Estado de Direito.
A carreira militar proíbe a participação de militares da
ativa em atos políticos e deve ser respeitada porque, sendo uma instituição
permanente e de defesa do Estado, os membros das forças militares não devem se
envolver em manifestações políticas. As forças militares servem ao país, nos
termos postos pela Constituição, e possuem outras regras próprias da atividade.
Assim, ao descumprir uma regra dessas, o militar que errou deve ser punido. E
agora o mais importante. Pessoas erram, pessoas falham. Não é a instituição,
essencial ao bom funcionamento do Estado, que deve ser fechada ou, nesse caso,
as forças armadas dissolvidas porque um de seus membros não cumpriu as regras
que as regem. Aplica-se esse princípio a casos semelhantes que envolvam outros
funcionários públicos de instituições igualmente importantes: justiça,
parlamento, universidades, polícia etc. O erro de um membro não justifica o
desmonte da instituição.
O mencionado General ocupou o cargo de Ministro entorno a
9 meses. Tempo suficiente para ele demonstrar que, como gerente de saúde, é
apenas um soldado de alta patente. Isso não depõe contra ele. Ninguém consegue
ser muito bom em tudo, embora se espere que alguém culto tenha uma visão geral
de mundo à altura de seu tempo. Por isso as ciências têm campos próprios,
métodos singulares e as sociedades complexas exigem preparação específica para
os postos de trabalho. Mas a participação do General como Ministro da Saúde
ajuda a mostrar que os militares, se estão preparados para sua missão
constitucional, não são especialistas em tudo e nem são eficientes para ocupar
todos os cargos de Estado.
Na condição de Ministro de Estado da Saúde, o General
nomeou o coronel da reserva George Divério para a Superintendência Estadual do
Ministério no RJ e esse último contratou, num período de 2 dias, obras sem
licitação, ou amparo legal, que somam cerca de R$ 28,8 milhões. A contratação é
suspeita de fraude e corrupção, especialmente porque os contratados foram
envolvidos, no passado, em outros malfeitos. São eles Fábio de Rezende Tonassi
e Celso Fernandes de Mattos donos da Cefa-3 e forneceram material de
informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação na ocasião mostrou
que o material vendido não foi entregue, em uma fraude aos cofres públicos de
mais de R$ 2 milhões. Por notar fortes indícios de irregularidades, a
Advocacia-Geral da União não aprovou a dispensa de licitação para as obras e os
contratos foram anulados. Ato contínuo, o Tribunal de Contas da União abriu um
processo para investigar as irregularidades.
Isso revela que nem todos os militares são incorruptíveis ou, pelo
menos, não estão preparados para ocupar certos cargos públicos. Não são
eficientes para tudo.
Outro episódio pedagógico envolvendo o General Ministro
foi o que se seguiu ao anúncio da compra de 46 milhões de doses da coronav na
reunião que ele fez com os governadores em outubro de 2020. No dia seguinte, o
Presidente da República desautorizou seu ministro a seguir com as tratativas
com o Instituto Butantan e mandou cancelar a compra das 46 milhões de doses,
embora o Ministro já tivesse anunciado a compra das vacinas em reunião com
governadores. A razão nada científica do Presidente era que a vacina foi
desenvolvida pelo Instituto Butantan, de São Paulo, em pareceria com a Sinovac
(chinesa) e o Presidente é adversário político do governador paulista, João
Doria (PSDB) e vem criticando a China por razões ideológicas. A resposta de
Pazuello de que um manda e outro obedece depois da reprovação do Presidente à
compra é a versão tupiniquim da desculpa dada pelos oficiais nazistas no
tribunal de Nuremberg. Naquela ocasião foi descartada a desculpa de que se
possa justificar atos reprováveis pelo cumprimento de ordens superiores. É que
entre a ordem e a execução há a consciência pessoal como intermediária moral.
Assim, em sua rápida passagem pelo Ministério, o General
nos permitiu mostrar coisas interessantes: pessoas erram, instituições de
estado devem ficar a salvo desses erros; ninguém está isento de atos de
corrupção, independente do posto que ocupa no Estado; ninguém, inclusive os
militares, está preparado para todos os cargos do Estado e, a consciência moral
é a base de nossas ações, especialmente as mais significativas e que envolvam a
vida de muitas pessoas. Não se passa adiante a culpa por más escolhas. Fazer
isso é ser conivente e cúmplice do mal.