O
artigo de meu antecessor intitulado, Um
Olhar Novo sobre a Vida”, ensejou-me uma reflexão sobre a questão do bem e
do mal.
Entre
o bem e o mal há um opaco limiar. Um passo entre ambos. Quanto desejo o mal somente é desejado se for
entendido como bem. O que é preferível: a riqueza ou a pobreza? Não é um mal a
pobreza? São Francisco a considerava um bem. Não é um bem a riqueza? Os
Evangelhos a condenam.
Às
vezes o bem triunfa na consciência. Reflito: está claro, é isso, como não foi
visto antes? A paz desce à alma e ela se regozija porque pôde fazer o mal e não
o fez. Por isso é creditado ao bem. O não fazer o mal se converte em duplo bem,
por isso há um festejo celestial.
Ainda
não é virtude, pois esta é o poder de sempre vencer o mal. Tão somente um ato
isolado louvável, mesmo heróico, mas não virtuoso. A virtude é o estado da alma
e do corpo que consubstanciam o dever ser. Por mais que as ondas batam, o
rochedo não se abala. As ondas do inferno não prevalecem contra a virtude.
Enquanto houver possibilidade de o dever não ser, não temos virtude.
No
limiar a consciência pode atravessar o lado inverso do bem e justificar a
decisão pelo mal. O sabor amargo-doce de se convencer de que não há mal no mal, deixa
a alma e o corpo tensos. Eles se consubstanciaram em razões não da razão, mas
de outros apelos humanos. A razão pode abençoar sentimentos irracionais porque
se tornaram mais fortes que a razão. Eles se impuseram como razões mais fortes
que a simples razão do dever ser. Por que um amor proibido não pode ser bom?
Por que o bom deve ser proibido? A razão raciocina com razões da razão. Os
sentimentos possuem uma lógica que a razão desconhece.
O
sentimento vai ao encontro do próprio gênero da espécie. No ser humano o gênero da espécie se
guia pelo instinto, enquanto a espécie pode negar seu gênero e conduzir-se pela
razão. Há um conflito dialético entre o gênero e a espécie. O mal consiste
negar a espécie e guiar-se pelo gênero. Por isso o sentimento é contra a razão
da espécie mas não contra o gênero. As razões do coração são ignoradas pela
razão da razão.
O
limiar é o mais aflito dos estados de espírito. Ele está entre o dever ser da
razão e o dever ser do gênero ou do coração. A virtude opta sempre pelo dever
ser da razão. O vício sempre pelo dever ser contrário ao bem. Tanto a virtude
como o vício são exceções, por isso, o limiar é o estado comum. A angústia é
comum entre os que estão no limiar. E como o estar no limiar é o comum, a
angústia é também o comum.
A
razão se esforça para superar o limiar. Ela constrói edifícios morais, sistemas
filosófico-morais, princípios universais. O sentimento depara-se atônito
perante a parafernália do complexo humano. Pergunta-se: por que não é mais
simples? Por que não seguir aquilo que meu coração dita? Por que devo ser
diferente dos demais? Sou mais feliz por isso? Por que estou no limiar em vez
de entregar-me ao bem de meus sentimentos e instintos?