Há muitas formas de
entender o Brasil e de explicar suas virtudes e dificuldades. Minha geração
cresceu ouvindo explicações sobre os problemas do país e a maioria delas hoje
soa destituída de sentido. Esses
comentários reaparecem vez por outra causando confusão e bastante mal. Eles
nunca me convenceram, mas apenas hoje,
um pouco mais maduro, um pouco mais estudado, um pouco mais crítico e um pouco
mais preocupado com o destino da pátria consigo entender melhor a razão. E por
que é importante desmascarar essas explicações? Por que elas colaboram para
popularizar uma imagem distorcida do que somos e nos afasta, pela
inconsciência, de um futuro melhor.
A primeira delas é:
o Brasil é um país jovem. E o que se
quer dizer com isso? Que a juventude histórica explica nosso atraso econômico e
cultural. Como estado nacional, o Brasil nasce em 1822, mas seu espírito não é
jovem. Foi colônia por três séculos, mas desde o final do século XVIII começou
a ser preparado para ser o centro do Império lusitano. O Brasil é realização do
projeto nacional da geração pombalina e tem os méritos e limites desse projeto.
Boa parte das nações da Europa só se consolidaram na modernidade e alguns
países como a Itália e a Alemanha só se unificaram como Estado nacional em
1870, bem depois de nós. O afastamento político de Portugal depois da
independência não nos fez, no íntimo, diferentes do projeto português que nos
concebeu. Encontra-se nele as razões de nossas virtudes e dificuldades,
lamentável que o conheçamos pouco.
Outra afirmação
ingênua é: O Brasil recebeu do
criador natureza generosa. E o que
isso significa? Que estamos protegidos das catástrofes naturais que assolam
outras partes do mundo e aqui a vida é fácil. Houve uma época na Europa que se
julgava ser a América o país da Cocanha. Grande ilusão, o Brasil tem problemas
com sua natureza como outros povos. Implantar nessa região do globo uma grande
nação é um empreendimento hercúleo. Estamos numa região de muito calor durante
quase o ano todo, temos solo pobre na maioria do território, tempestades
tropicais, uma enorme região semi-árida e outra com parte significativa da
maior floresta equatorial do mundo. Esses ambientes são de difícil adaptação e
demandam tecnologia própria para conviver num local tão diverso da velha
Europa. Apenas o sul tem clima e território parecido com a Europa, berço do
ocidente.
Segue-se esse outro
primor de incorreção: o brasileiro tem
preconceito racial. Se há algo que não temos é isso, pelo menos se
entendermos por preconceito o modo como outros povos enxergam estrangeiros e/ou
tratam outras nacionalidades. Há preconceito contra o pobre, infelizmente. E a
razão é a péssima distribuição da riqueza, última herança da velha nobreza
lusitana. Aquela mesma aristocracia improdutiva que vivia dos favores reais,
quase sempre cultivando aparências, julgando-se melhor que o cidadão comum,
distraindo-se no ócio e na caça, tentando aparentar mais do que verdadeiramente
possuía e podia. Pombal fez o que pode para acabar com essa nobreza improdutiva,
mas não conseguiu.
Essa outra é ótima:
somos pobres porque fomos explorados por
Portugal. Essa é a joia rara do marxismo tupiniquim e do chamado terceiro
mundismo. Pombal na hora do aperto disse algo parecido ao rei D. José I para
explicar a decadência portuguesa: somos pobres porque a Inglaterra nos explora.
Safou-se, mas deixou um mau exemplo, qual seja, culpar os outros por nossa
incompetência. Na verdade, se tivéssemos que pagar o custo da implantação da
nova nação: casario, estradas, pontes, palácios, bibliotecas, igrejas,
instalações militares, creio que ainda deveríamos a Portugal, mesmo descontados
os impostos pagos e o ouro embarcado. O que nos faz pobres é a dificuldade de
viver o espírito do capitalismo ou do mercado como se diz hoje em dia. E isso
decorre principalmente de nossa matriz católica (como a espanhola e italiana).
Max Weber e sua geração compreenderam que a cristandade ocidental encontrava-se
dividida entre dois projetos distintos: um católico e outro protestante. O
segundo favoreceu o desenvolvimento do capitalismo, o primeiro não. Só há uma
forma de enriquecer como povo: trabalhar muito e com qualidade, poupar e
investir no que gera riqueza.
O Brasil é um país
ocidental, sua raiz íntima não se afasta dos valores centrais do ocidente: a
pessoa, a democracia liberal, o estado de direito e a liberdade. Nossa cultura
está estruturada sobre os três pilares do ocidente: a cristandade, a forma
jurídica romana e o cultivo do pensamento lógico que é a base da ciência e da
filosofia. Nossas dificuldades econômicas, a má gestão da coisa pública, a
corrupção e a falta de uma moralidade que não esteja amarrada no direito ou na
religião, nossos problemas sociais, a má distribuição da riqueza e a
intransigência de impor à força interesses particulares de pequenos grupos
(sindicatos radicais e vândalos de plantão), enfim, nossos problemas, nossa
timidez e falta de espírito crítico são mazelas de nossa formação cultural.