David Hume (1711-1776) foi filósofo e historiador britânico, nascido na Escócia.
Ele ficou conhecido na tradição filosófica pela proposta de um empirismo radical e por defender um ceticismo filosófico. Hume foi um dos maiores nomes da filosofia na
modernidade.
Como compreender esse seu papel na tradição filosófica? Há
quatro nomes essenciais à sua volta que ajudam a entender suas ideias: ele é
herdeiro do subjetivismo moderno de René Descartes, mas crítico de seu
racionalismo subjetivista; é o ponto de chegada do empirismo e do iluminismo
britânicos por continuar a reflexão de John
Locke e George
Berkeley e ainda o inspirador do filósofo alemão
Emmanuel Kant. Não é pouco o que deixou na história do pensamento. Esse último
filósofo lhe atribuiu o papel de despertá-lo do sono dogmático por melhor
formular o problema da metafísica (Crítica
da razão pura, Nova Cultural, 1987 – os pensadores - p. 32) além de ser o
responsável pela crítica devastadora da noção de causalidade (p. 26) que exigiu
de Kant o desenvolvimento das chamadas formas puras da intuição.
Como o filósofo se relaciona com seus antecessores? Berkeley
dera sustentação ao empirismo, mas deixara um resto de pensamento metafísico
com o acolhimento das ideias cartesianas de substância pensante ou espírito.
Berkeley porém atacara a noção de substância material do cartesianismo, que ficara
preservado no empirismo de Locke. Ao radicalizar o psicologismo de Berkeley,
Hume destruiu a noção de substância material deixada por Locke e a de
substância espiritual, ainda presente nas teses de Berkeley. Em resumo:
Descartes dizia existir as duas substâncias (pensante e extensa) mais Deus,
Locke concordava com Descartes, Berkeley dizia existir eu e Deus, mas não a
substância material. Hume concluiu simplesmente que não há eu, nem mundo, nem
Deus.
Como ele propôs e defendeu essas ideias? Empregando um novo
método de investigação que associou os dados da sensibilidade às ideias que
temos. Assim se experimentamos uma impressão (ou dado sensorial) pelo contato
com o pôr do sol, por exemplo, mais tarde poderemos lembrar desse astro e
formar dele uma ideia. Temos aí uma ideia simples que nasce do contato direto
com a coisa. E como concebemos as outras ideias não associadas às impressões
sensíveis? Como formamos a ideia de substância, acima mencionada, seja ela
material ou espiritual, como ela surge? Hume avaliou que ela não veio de
nenhuma impressão que recebi, nem a reunião delas. Ele concluiu que ela é fruto
da imaginação, o que equivale a dizer que é uma ideia fictícia, uma criação do
homem. Se não acho no mundo uma impressão para a substância material, ele
disse, também não encontro nenhuma impressão para associar ao eu. O que se
denomina assim é um conjunto de vivências interiores, mas não há propriamente
um eu observado nelas. Assim chegamos às ideias complexas.
Essas ideias complexas, por exemplo: substâncias, eu, causa,
realidade não são, entretanto, uma criação a esmo da imaginação. Em sua vida
prática, o homem observa uma certa regularidade no mundo e se vale dela em sua
vida. Logo que acende o fogo, observa a claridade e sente o calor, então, por
conta da associação psicológica desses estímulos, afirma que luz e calor foram
causados pelo fogo. O que permite associar essas coisas é, contudo, apenas o
hábito. Em outras palavras temos uma certeza psicológica. Não há propriamente
um vínculo metafísico entre elas, ou eu não posso concluir isso pelo que é
possível experimentar no mundo.
O que nos ficou das meditações desse filósofo? Há quem
destaque o seu ceticismo destruidor da metafísica, das ideias sobre
espiritualidade e todas as ideias complexas. Porém não se pode considerar nesse
ceticismo apenas seu caráter demolidor, ele possui também uma dimensão crítica,
pois aprofunda os mecanismos de operação do intelecto.
Hume é o ponto de chegada do empirismo inglês e defensor de
um psicologismo que estabeleceu no costume e no hábito a base do pensamento
científico. Ele fez isso considerando verdade as regularidades obtidas com a
observação. E justamente por defender esse psicologismo radical, consideramos o
filósofo como o ponto de partida do positivismo e do materialismo modernos, não
porque Hume acreditasse na possibilidade de uma resposta metafísica para o
problema da realidade, mas por que disse que realidade é o que se obtém com a
associação dos dados da sensibilidade. E isso foi decisivo para que parte dos
cientistas deixasse de lado qualquer questão metafísica ou espiritual,
parecendo-nos a raiz do movimento moderno que Martin Buber denominou de eclipse
de Deus no mundo ocidental. Esse movimento suprimiu adicionalmente a linguagem
metafísica e da psicologia espiritualista do pensamento ocidental. O movimento
identificado por Buber mostra como o pensar, conforme categorias materialistas,
suprimiu (O eclipse de Deus, Verus,
2007, p. 19): “a ideia de Deus e, dessa forma, também a realidade de nossa
relação com Deus.” Além disso, antecipou o simplificador discurso da inutilidade
da filosofia, discurso ingênuo que não se dá conta de que é ele próprio
metafísico, mas bem ao gosto do anti intelectualismo das massas de nosso tempo.
Esse movimento começou com a valorização dos sentimentos e
instintos que, conforme Hume, está na base da vida prática, do utilitarismo
inglês e da moral da simpatia. Essa moral foi a forma pela qual o empirismo de
Hume chegou ao mundo do trabalho e do mercado. Simpatia, resumiu Adam Smith é o
sentimento que me permite olhar para mim mesmo com os olhares dos outros e me
julgar segundo a expectativa que eles têm de mim. Ortega y Gasset fez uma
crítica demolidora a essa forma de comportamento que me leva a querer ser como
todo mundo e a agir como todo mundo, mas isso é tema para outro dia.