A eleição do
Papa Francisco foi momento de profunda emoção para os católicos. Emoção porque
o Papa Bento XVI não morreu, renunciou quando sentiu que suas forças faltavam
ante os desafios da Igreja no nosso tempo. E os católicos acolheram seu novo
líder como alguém que irá enfrentar estes desafios. E o Papa Bento XVI teve pesados
desafios desde que assumiu. Ele é teólogo e professor brilhante. Apesar dos
gestos amáveis e fala doce teve uma missão difícil, quase impossível, de
substituir o carismático João Paulo II, uma figura humana extraordinária, um
quase místico e um comunicador sem comparação. E Bento XVI teve ainda um particular
desafio que desagrada qualquer intelectual do nível do agora Papa emérito,
enfrentar a burocracia e a maldade incrustada na Igreja sob a forma de
corrupção no Banco do Vaticano e pedofilia no clero. É preciso mais que vontade
férrea para uma missão destas, é necessário ter a alma fria de administrador
eficiente e possuir muita força física. E o Papa Bento não possuía nenhuma das
duas coisas. Sua renúncia foi testemunho de humildade, de consciência dos
próprios limites e confiança de que Deus encontraria um modo de inspirar a
Igreja depois de seu gesto.
O Papa
Francisco chega para enfrentar estes desafios e muitos outros. Para a
burocracia corrupta da Santa Sé anuncia uma Igreja pobre, sem ostentação. E
lembra em seu nome um dos mais queridos santos da Igreja Católica: o pobre de
Assis. O jovem Francisco cuja experiência de Deus o fez migrar para níveis
elevados de espiritualidade. Um patamar onde a fome e a sede quase não o
alcançavam, e a tentação do poder e da riqueza nem sequer se aproximavam. Um
jovem que agradecia com entusiasmo a Deus pelo pão simples sobre a mesa e pela
roupa singela que o protegia do frio. Francisco de Assis é modelo de
espiritualidade e bondade em conformidade com os ideais do evangelho. Ele soube
viver o Reino de Deus no amor aos outros e na simplicidade.
A figura de
Francisco de Assis é modelo de espiritualidade e humanidade. Como modelo indica
que o homem não necessita consumir crescentemente, possuir o corpo coberto por
roupas finas e jóias, nem ser escravo do corpo para ter dignidade e valor. A
dignidade está em escolhas livres e responsáveis. O Papa Francisco começa dando
profundo testemunho de espiritualidade. Se ele ajudar as pessoas a entenderem
isto, talvez diminua no mundo o hedonismo angustiado de nossa época que é
impossível sustentar, mesmo que o capitalismo produza como nunca. Uma época em
que para se sentir pessoa humana é preciso amealhar coisas, trocar
quinquilharias, muitas vezes em detrimento da vida, dignidade e valores.
O espírito
evangélico e a simplicidade pessoal ancorado na ideia de que todos somos filhos
de Deus não nos tira, avalio, a obrigação de produzir riqueza para assegurar a
sobrevivência material e a prosperidade social. Isto revela que a elevação da
espiritualidade não significa condenação da riqueza e do trabalho produtivo
como fizeram setores da Igreja depois do Concílio de Trento. Desejo que a vinda
do Papa Francisco seja um tempo de acolhimento delicado aos homens que sofrem
buscando o que não encontrarão no acúmulo ansioso e gozo irresponsável. Espero,
mais ainda, que a espiritualidade elevada de Francisco de Assis não sirva para
alimentar setores renitentes e sobreviventes do Concílio de Trento que
renasceram no marxismo travestido de Teologia da Libertação. Já se escuta neste
grupo o jubilo pelo afastamento do agora Papa emérito, porque ele combateu e
desmontou no campo intelectual a Teologia da Libertação. Espero que também não se distorça a
espiritualidade elevada do querido pobre de Assis na condenação generalizada da
riqueza, do trabalho, da poupança e da necessidade de fazer no mundo, como na
alma, obra digna do Criador.