O
afastamento da Presidente Dilma e os fatos políticos que se seguiram, apesar de
seguir o rito constitucional, com respeito as leis e às instituições da
República, mostrou fragilidades da comunidade nacional. De um lado, divisão
irracional entorno a propostas políticas e de outro divisão institucional, com pessoas
propondo a quebra da ordem constitucional por um golpe militar. Não se entra, a
seguir, nas razões do impedimento para não tocar nessas diferenças, decerto importantes, mas
fora do objetivo de pensar as bases de uma
comunidade nacional. É evidente que essa comunidade não pode se limitar a torcer
pela seleção brasileira ou pelos atletas olímpicos do país.
A
compreensão do que seja uma comunidade nacional é fundamental para os membros
de um grupo social, pois só quando esse grupo reconhece e cultiva os elementos
de sua unidade consegue vencer os desafios que precisa enfrentar. Todos os
grupos nacionais têm problemas, embora diferentes. A vida com sua dinâmica
providencia novos desafios, muitas vezes sem que exista na história desse povo
experiência para enfrentar as novas dificuldades.
Nascido
no início do processo de globalização, o Brasil é uma continuação da Europa,
como de resto toda a América. Isso significa que somos ocidentais, ainda que de
modo próprio. Temos por base civilizacional o valor da pessoa, sua liberdade e
dignidade, justificado no cristianismo e temos igualmente uma tradição jurídica
que nos liga a Roma e ao modo de pensar grego, consideradas essas três pilastras
os fundamentos do mundo ocidental.
Como
país que se formou pela mistura das tribos indígenas presentes no território
com portugueses e africanos, não foram laços familiares, mas a pertença o
Império Português a base dessa unidade. Também não foi uma experiência de fé primitiva
como fizeram os israelitas. Em outras palavras não foi o sangue, nem uma fé primitiva
que une os brasileiros, mas um projeto político de unidade constituído com base
numa língua e valores comuns de humanidade.
A
diferença de interesses entre os portugueses aqui residentes e os que habitavam
a metrópole foi, a partir de certo tempo, fator fundamental de desagregação
desse grupo. Esse fator cresceu quando os habitantes daqui passaram a ter um
projeto de vida mais amplo que enriquecer ou ganhar a vida, voltando, depois,
para Portugal. Por isso, é lamentável que, ao lado da baixa escolarização, hoje
em dia, não estudemos, de forma séria,
as bases da nossa comunidade nacional. Independente das circunstâncias
históricas atuais que sugerem uma reaproximação estratégica com Portugal, e com
outras nações comprometidas com valores ocidentais, o país precisa conhecer o
esforço inicial para construir a nação. Inclui-se, nesse esforço, fatos
diversos como a inconfidência mineira e a adesão de parte da família real
portuguesa que conduziu à emancipação política do país.
A
liderança de D. Pedro I permitiu que os portugueses de cá buscassem seu caminho
político sem romper com as raízes daquele projeto de portugalidade que levou
Chico Buarque no Fado Tropical a
sintetizar em estrofe genial: "Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal,
ainda vai se tornar um imenso Portugal".
Esse
grande Portugal se realiza num grande território, habitado por uma comunidade de
valores judaico-cristãos, num território indiviso, com a convivência pacífica de
etnias diversas, com ordem política, com as leis legitimamente construídas, com
o uso da língua portuguesa, comprometida com o futuro de prosperidade. Isso
exige solidariedade dos membros, portanto uma espécie de fraternidade laica, inspirada
no liberalismo democrático que se desenvolveu no ocidente. Essa comunidade seria
aberta ao diálogo e inserção na comunidade humana.
Essa
comunidade experimenta hoje dificuldades porque não fez experiência de uma
moral social consensual, como os países de língua inglesa, cristãos mas com
diferentes religiões. Além disso, ficou, em razão, de reunir tanta gente
diferente, perdida nos laços de solidariedade familiar, necessária, mas
insuficiente para sua realidade grupal.
Nesse
sentido, italianos, alemães, poloneses, judeus, árabes, japoneses e outros
grupos minoritários que para aqui vieram depois da independência política,
nunca foram excluídos e discriminados por questões de sangue ou fé. Foram
aceitos como brasileiros. Ficaram pois, igualmente comprometidos com o projeto
político de prosperidade material, liberdade e dignidade pessoal, unidade
territorial, linguística e solidariedade grupal que une essas pessoas a um
destino ou projeto comum.