sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Para viver melhor é preciso considerar os problemas.José Mauricio de Carvalho





Para viver melhor, além de resolver os inevitáveis desafios da sobrevivência e do conforto pelo estudo e trabalho sistemáticos e ainda pela qualidade e compromisso com que se enfrenta esses compromissos, há dois outros desafios fundamentais. Nenhum deles pode ser esgotado, mas podem ser continuamente apresentados, considerados e revistos.
O primeiro se dá em nossa intimidade, no enfrentamento da angústia existencial que nasce da incerteza de nossas escolhas, dos rumos que damos à nossa vida e do inevitável desfecho de nossa vida corporal e psíquica. Não toco na sobrevivência do espírito que é da fé de cada um. Porém nesse mundo enfrentamos a angústia de viver e responder desafios depois que se sai do ventre materno. Primeiro vem a angústia da vida social, de enfrentar o jardim de infância, a escola e suas exigências. Angústia que é ativada na adolescência quando os hormônios afloram a necessidade do sexo, mas também da aceitação e do amor, num momento em que o corpo muda e mergulhamos na insegurança de sermos aceitos. Angústia que se renova no fim da adolescência com a escolha da profissão com a qual vamos ganhar a sobrevivência, mas que também precisa ser fonte de alegria e realização. Angústia na escolha da companheira de uma vida, cuja presença de amor representa mais que a perpetuação dos genes, criação da prole e superação da rotina, mas identidade alma, de carinho, enfim de um companheirismo que está acima dos outros que também estabelecemos com os amigos e colegas de profissão. Angústia diante do envelhecimento e de suas limitações, da necessidade da comunicação precisa com a qual compartilhamos o mundo pessoal, nossas respostas ao encantamento da vida, de suas belezas, perplexidades, mas também de seus dramas e crises. Trata-se de uma aprendizagem dificílima e poucos de nós conseguem levar essa tarefa adiante comprometido com a excelência das escolhas e com a fidelidade íntima que leva a uma vida feliz.
O segundo dos desafios se dá no âmbito social, onde nossa existência é compartilhada com todos os homens, com o destino comum da humanidade, mas desafio vivido numa pátria pela qual se concretiza, em nosso tempo, essa humanidade comum. E para a nossa afirmação como sociedade nacional é preciso o enfrentamento dos desafios materiais e dos outros problemas sociais, econômicos, morais, jurídicos e políticos que podem ser resumidos por cultura. O enfrentamento desses problemas exige respostas a muitos desafios, mas todos começam pela imprescindível reflexão sobre nossa realidade, a origem e a compreensão de seus problemas, como acentuou recentemente Paulo Margutti em Desenvolvimento, Cultura, Ética: as ideias filosóficas de Mário Vieira de Mello, publicado em São Paulo, pela Loyola (184 p).
Apesar dos pontos frágeis da interpretação de Vieira de Mello sobre a realidade brasileira, que Margutti aprofunda e discute em seu livro, ele valoriza o esforço que Vieira de Mello fez para entender a realidade nacional ao qual se soma seu próprio esforço de interpretação. Se quisermos entender nossas dificuldades e começar a enfrentá-las de modo eficiente será preciso discutir essas questões, mesmo que seja para discordar é preciso debater. Não impor, mas esclarecer e clarear o caminho. O filósofo e diplomata Vieira de Mello analisou inúmeros problemas da Europa, Estados Unidos e do Brasil de forma independente, diz Margutti, "voltada para uma crítica desassombrada do mundo contemporâneo" (p. 178). Só fazendo assim vamos ampliando a consciência de nossos problemas e dos caminhos a trilhar. Ele passa, como disse Vieira de Mello, pelo enfrentamento dos problemas morais que costuram a cultura, pelo entendimento de nossos descaminhos e pela decisão pessoal e coletiva de mudar.


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