Para
viver melhor, além de resolver os inevitáveis desafios da sobrevivência e do
conforto pelo estudo e trabalho sistemáticos e ainda pela qualidade e
compromisso com que se enfrenta esses compromissos, há dois outros desafios
fundamentais. Nenhum deles pode ser esgotado, mas podem ser continuamente
apresentados, considerados e revistos.
O
primeiro se dá em nossa intimidade, no enfrentamento da angústia existencial
que nasce da incerteza de nossas escolhas, dos rumos que damos à nossa vida e
do inevitável desfecho de nossa vida corporal e psíquica. Não toco na
sobrevivência do espírito que é da fé de cada um. Porém nesse mundo enfrentamos
a angústia de viver e responder desafios depois que se sai do ventre materno.
Primeiro vem a angústia da vida social, de enfrentar o jardim de infância, a
escola e suas exigências. Angústia que é ativada na adolescência quando os
hormônios afloram a necessidade do sexo, mas também da aceitação e do amor, num
momento em que o corpo muda e mergulhamos na insegurança de sermos aceitos.
Angústia que se renova no fim da adolescência com a escolha da profissão com a
qual vamos ganhar a sobrevivência, mas que também precisa ser fonte de alegria
e realização. Angústia na escolha da companheira de uma vida, cuja presença de
amor representa mais que a perpetuação dos genes, criação da prole e superação
da rotina, mas identidade alma, de carinho, enfim de um companheirismo que está
acima dos outros que também estabelecemos com os amigos e colegas de profissão.
Angústia diante do envelhecimento e de suas limitações, da necessidade da
comunicação precisa com a qual compartilhamos o mundo pessoal, nossas respostas
ao encantamento da vida, de suas belezas, perplexidades, mas também de seus dramas
e crises. Trata-se de uma aprendizagem dificílima e poucos de nós conseguem
levar essa tarefa adiante comprometido com a excelência das escolhas e com a
fidelidade íntima que leva a uma vida feliz.
O
segundo dos desafios se dá no âmbito social, onde nossa existência é
compartilhada com todos os homens, com o destino comum da humanidade, mas
desafio vivido numa pátria pela qual se concretiza, em nosso tempo, essa
humanidade comum. E para a nossa afirmação como sociedade nacional é preciso o
enfrentamento dos desafios materiais e dos outros problemas sociais,
econômicos, morais, jurídicos e políticos que podem ser resumidos por cultura.
O enfrentamento desses problemas exige respostas a muitos desafios, mas todos
começam pela imprescindível reflexão sobre nossa realidade, a origem e a
compreensão de seus problemas, como acentuou recentemente Paulo Margutti em Desenvolvimento, Cultura, Ética: as ideias
filosóficas de Mário Vieira de Mello, publicado em São Paulo, pela Loyola
(184 p).
Apesar
dos pontos frágeis da interpretação de Vieira de Mello sobre a realidade
brasileira, que Margutti aprofunda e discute em seu livro, ele valoriza o
esforço que Vieira de Mello fez para entender a realidade nacional ao qual se
soma seu próprio esforço de interpretação. Se quisermos entender nossas
dificuldades e começar a enfrentá-las de modo eficiente será preciso discutir
essas questões, mesmo que seja para discordar é preciso debater. Não impor, mas
esclarecer e clarear o caminho. O filósofo e diplomata Vieira de Mello analisou
inúmeros problemas da Europa, Estados Unidos e do Brasil de forma independente,
diz Margutti, "voltada para uma crítica desassombrada do mundo
contemporâneo" (p. 178). Só fazendo assim vamos ampliando a consciência de
nossos problemas e dos caminhos a trilhar. Ele passa, como disse Vieira de
Mello, pelo enfrentamento dos problemas morais que costuram a cultura, pelo
entendimento de nossos descaminhos e pela decisão pessoal e coletiva de mudar.