Falemos de ser pai nos dias
dos pais. A experiência de ter um pai é uma das mais extraordinárias formas de
enriquecimento de nossa humanidade. Considere que a paternidade não é uma
questão apenas biológica e é quase nada se fica apenas nessa dimensão. O que a
faz especial é o fato de que o pai estabelecer com o filho uma forma de cuidado
e relação que o enlaça e o faz crescer, crescer para seu lugar existencial e
abrir-se para os outros numa relação de fraternidade.
Não somente a paternidade é importante, a
maternidade também o é, são ambas expressões do mesmo amor, mas com um tom
diferente. Talvez se possa dizer que paternidade e maternidade sejam variações
do mesmo encontro de afetos, o que fica confuso num tempo em que,
frequentemente, o homem faz o papel de pai e mãe e existem mães que são,
simultaneamente, mães e pais. Mas quando dizemos isto reconhecemos que há
formas diferentes de cuidar do filho que qualificam essas formas de presenças
de modo próprio.
Das variações possíveis
desse amor o pai é quem mais se dedica a proteção da família, vive o esforço de
prover e o desejo de ver o filho crescer e tornar-se adulto independente. Para
isso muitas vezes acaba corrigindo comportamentos e indicando pontos em que o filho
ou filha necessitam evoluir, ele cobra, ele mostra que a sociedade necessita de
pessoas que saibam cumprir sua singular missão e o façam de forma madura e
qualificada. Ele ensina a sempre procurar ser melhor.
Nosso propósito neste texto
não é, contudo, examinar as diferenças entre a maternidade e paternidade já que
em nossos dias ela não é tão explícita, mas indicar que os homens têm um Pai
não somente nesse mundo, mas também fora dele. Um Pai para além do fenomênico.
As religiões antigas, quando
alcançaram a dimensão monoteísta, identificaram um Deus que protegia, mas que
era simultaneamente um disciplinador, um Senhor Altíssimo, isto é, distante,
mesmo quando podia ser invocado. Um Ser acima de todos. Um esclarecimento
crescente dessa relação foi desenvolvida na experiência de Deus feita no
judaísmo e descrita no livro sagrado dos judeus.
Uma das mais significativas
interpretações desse processo de relação com Deus foi feita por Martin Buber.
Ele soube indicar que o mais importante na relação com Deus é a experiência
existencial desse encontro. E Buber fez isso tratando da palavra dirigida a
Deus como o lugar dessa presença. Isso porque Buber via na experiência do homem
bíblico uma forma especial de encontro que, às vezes, também vivemos com outros
homens. Isso porque a relação com o outro homem, em certas circunstâncias, é
semelhante a outra forma que se tem com a transcendência. E é apenas nesse
encontro entre pessoas que surge o amor porque na relação com as coisas se
desenvolvem outras maneiras de relação, como a experiência da utilidade. E a
relação com as coisas é o que vivemos de mais comum e rotineiro, mas a relação
com o outro é o que nos faz humanos. É essa relação qualificada que podemos ter
com Deus e que permite evoluir da percepção de um Deus insondável, distante,
tenebroso, misterioso, violento, acima de todos e completamente Outro para
Alguém com quem se pode viver momentos de intimidade, acolhimento, perdão e
amor. Alguém que vive entre nós. Se Ele é alguém de quem se pode falar e descrever,
então se fez uma reificação de Deus, tornado objeto de minha compreensão. Isso
pode ser feito com o máximo respeito, mas não é mais que uma coisificação de
Deus.
O que há de novo e
fundamental no cristianismo foi que Jesus de Nazaré fez, melhor que todos os
homens, a experiência dessa relação direta com Deus sugerida pelos profetas de
Israel e, nesse encontro, formulou uma metáfora de quem O encontrou. Se temos
que criar uma metáfora para falar Dele, que seja como a um Pai a quem se fala,
disse Jesus. E assim devemos nos aproximar dele, como um pai que é bom, que
acolhe e se entrega de amor a quem o procura e se dispõe a encontrar-se com
Ele. Uma aproximação que não se faz fora da reciprocidade, totalidade,
inobjetivação, imediatez, presença que conduz as pessoas para fora do tempo e
espaço. O que vem depois já é um passo para fora desse momento especial. E para
viver essa relação é que Jesus ensinou a chamar Deus de Pai, pedir para ser
acolhido na Sua presença, Santificar o seu nome, reconhecer e pedir perdão
pelos próprios limites, mostrar que está aprendendo a amar perdoando os outros
que lhe fizeram mal (Mt. 6, 7-15). O encontro é relação entre Pessoas: entre um
Eu e um Tu. Toda tentativa de estabelecer um controle sobre Deus, mediar esse
encontro é farisaísmo e ele se torna mal quando usa o nome de Deus para outros
objetivos menos nobres que participar e difundir o seu Reino. Quem faz isso,
como disse Jesus aos fariseus, não é de Deus porque não O experimentam face a
face, nem vivem na sua presença. E Deus não os escutará mais nem melhor do que
que quem faz o encontro e vive na Sua presença.