A liberdade é uma preciosidade humana,
pois ainda que comporte muitas definições e tenha limites práticos, a vida
livre combina a trama do que se busca na vida com o que ela fez de nós. Assim,
entre o que resulta do que escolhemos e do que nos acontece seguimos nossa
história pessoal, trazendo na memória os marcos desse percurso singularíssimo
que amarra nossa consciência única com uma circunstância igualmente única.
A tradição ocidental consolidou, deste
a antiga Grécia, os germes de uma liberdade que ia da vida singular à
participação política. Ela se dava no debate dos problemas da cidade nas praças
por uma parte da sociedade. E assim, passando pelo cristianismo que focou a
liberdade humana na sua dimensão moral, na capacidade de escolher entre o bem e
o mal, até a modernidade quando René Descartes costurou a ideia de uma
subjetividade livre, o mundo ocidental acostumou-se ao tema. Tornou-o um valor
importante, desde que parece ao homem ocidental odiável ter a sua vida privada
tutelada por outrem ou pelo Estado.
Os debates entorno à primeira questão
levaram ao desaparecimento da escravidão e da segunda orientou a experiência
política liberal. Na pátria de origem do liberalismo, a Inglaterra, a liberdade
política foi, inicialmente, uma exigência da classe proprietária, que obrigou a
oligarquia monárquica a aceitar a sua participação na gerência do Estado. Isso
ocorreu com a participação dos proprietários na Assembleia Nacional. O
principal teórico desse momento inicial do liberalismo, John Locke, não apenas
formulou a ideia de representação pelos interesses, como amarrou bem o
exercício da liberdade pessoal à representação política. Dessa forma, outras
pessoas e classes conseguiram, mais tarde, se fazer representar no parlamento
com as reformas eleitorais inglesas dos séculos XIX e XX. Foi então, quando
todos os cidadãos podiam votar e serem votados, que o liberalismo se aliou
definitivamente à democracia.
O liberalismo democrático
consolidou-se no Reino Unido e nos Estados Unidos e, depois, foi-se firmando em
outros países ocidentais. E as teses liberais se consolidaram em todos os
campos da vida social, como na relação entre a democracia e a educação nos
livros de John Dewey. Nas últimas décadas o liberalismo viu crescer uma
corrente conservadora que proclamou uma menor intervenção do Estado na
economia, movimento que ganhou força no governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos,
com Thatcher na Inglaterra e Jacques Chirac na França. Esse liberalismo conservador
era pragmático, antirromântico e cuidadoso na defesa da liberdade pessoal e do
indivíduo contra o Estado. Assim, embora proclamassem uma menor intervenção do
Estado na vida do indivíduo, valorizavam o estado de direito, a representação
política e a justiça independente, garantias do cidadão contra as
arbitrariedades do governo.
Quando se vê, em nosso país, pessoas defendendo
soluções antidemocráticas e contrárias ao estado de direito, à organização
constitucional e contra os poderes Judiciário e Legislativo, julgando defender
a liberdade e a propriedade estão justamente fazendo o inverso e revelando
desconhecimento político. O verdadeiro amigo da liberdade e defensor da livre
iniciativa trabalha com as instituições, a divergência entre os liberais está
no quanto deve o Estado atuar na construção de políticas sociais, uns
acreditando que deve ser mais, outros menos. Essa é a discussão entre os democratas e
republicanos nos Estados Unidos, considerando-se intolerável qualquer tentativa
de desorganizar os outros poderes, como ocorreu na confusão feita por Donald
Trump no final do seu governo. Naquele dia, como disseram os norte-americanos, eles
pareceram ser uma república das bananas. Venceram afinal as instituições e
Trump saiu pela porta dos fundos.
É o judiciário livre e independente
que assegura a defesa do cidadão, da propriedade e é um legislativo livre e
atuante que assegura a procura do consenso em meio ao dissenso próprio da
democracia. A ditadura do executivo é um nazifascismo, a intervenção de força
nos outros poderes também foi observada na experiência comunista. Nazistas,
fascistas e comunistas são totalitários e, nesse aspecto, farinha do mesmo
saco.
A experiência histórica do ocidente
mostrou a não confiar em soluções fora do Estado de direito quando o que se
pretende é defender a liberdade pessoal, o direito de propriedade e a autonomia
do cidadão frente ao Estado.