Desde que iniciei o estudo da política, uma questão recorrente sempre me intrigou: por que no Brasil e em Portugal os partidos cristãos foram e são tão inexpressivos, enquanto em boa parte da Europa como Itália, Alemanha, Áustria, Bélgica e França tiveram e ainda têm grandes partidos cristãos? Em Portugal, desde os mais remotos tempos, a Igreja desfrutou de vários privilégios: religião oficial, clero funcionário público, ensino entregue às congregações religiosas, bispos indicados pela coroa, entre outros. Isto fazia com que a religião católica fosse uma entidade onipresente no estado português, estendendo-se por todo seu território, inclusive nas colônias. Quando o Brasil se emancipa, adota os mesmo critérios em relação à religião. Então, por que, apesar da presença maciça da religião católica, a ideologia cristã é tão insignificante?
Ao participar de um Congresso em Cadiz, na Espanha, constatei que a situação era a mesma na América espanhola. Ao comentar a questão com os colegas, uma professora do México, Laura Alarcon Menchaca, sugeriu-me a pista: as condições para a existência de partidos cristãos. E quais são?
A cima de tudo e como condição “sine qua non” é necessário que haja um húmus institucional, isto é, instituições que garantam seu sucesso. É preciso, portanto, um regime representativo e um parlamento. Os regimes liberais criaram no século XIX este ambiente favorável no qual os partidos de várias ideologias aproveitaram o espaço e plantaram seus partidos. Tanto no Brasil como em Portugal este ambiente foi criado com a adoção de uma monarquia constitucional. No entanto, mesmo com disponibilidade, os partidos cristãos não surgiram. Por que foi desperdiçada a oportunidade?
A primeira condição institucional é um estado neutro em matéria confessional. E isto nem Portugal nem Brasil possuíam. Formar-se um partido cristão dentro de um ambiente político onde esta religião constitui parte do aparato institucional do Estado seria um contra senso. Um partido anglicano, por exemplo, onde a Igreja Anglicana é religião oficial daquele estado não faz o menor sentido, como acontece na Inglaterra.
A condição seguinte é de os cristãos politicamente sejam minorias sendo alvo de discriminação de algum partido, ou vários. Não é o caso de Portugal e Brasil. Até poucos anos atrás os católicos eram maioria absoluta. Agora, com o avanço de outras religiões cristãs, os cristãos continuam maioria. Não há marginalização dos cristãos e muito menos é necessário enfrentar qualquer desafio ou necessidade de lutar para garantir o espaço religioso.
A terceira condição é autonomia em relação à hierarquia eclesiástica. Os partidos cristãos até podem nascer no seio e do seio da hierarquia da Igreja, mas precisam se libertar e se tornarem autônomos. Enquanto os partidos ficarem atrelados e dependentes do clero eles não conseguirão acenar para uma ética de bem comum. Esta condição não foi bem sucedida, nem em Portugal, nem no Brasil, pois nem mesmo a ética conseguiu se libertar do conteúdo confessional católico.
Como quarta condição, para emergir um partido cristão, a religião tem que ser fervorosamente praticada na vida privada. Ora, o catolicismo em Portugal e Brasil foi essencialmente uma religião pública, formal. Na vida privada cada um tinha sua ética. A política deve refletir o fenômeno cultural religioso. O cristianismo das associações, das entidades, dos sindicatos, fará, então, parte do partido. Insere-se nele. O partido passa a ser a face social da religião. Ora nada disso aconteceu nos nossos dois países.
E por último, é indispensável determinação para avançar da simples postura defensiva para a ofensiva. Na Europa, no primeiro momento, os cristãos se defenderam dos ataques liberais, depois foram para o confronto. No Brasil e em Portugal, houve uma passividade espantosa da parte dos católicos, provavelmente para não perderem os privilégios de religião oficial, quando atacados pelos adversários políticos. Na Questão Religiosa, no Brasil, dois bispos foram presos e os católicos, na sua maioria, mantiveram-se indiferentes publicamente.
Ninguém luta pelo que tem, mas pelo que lhe falta, como demonstra agora a Campanha pela Ética na Política, liderada pela OAB.