sábado, 6 de maio de 2017

Novo capítulo sobre a ausência da moralidade pública. José Mauricio de Carvalho Academia de Letras de São João del-Rei












Não é difícil entender porque numa sociedade onde a moralidade não é bem debatida se desorganiza. Os costumes não são simplesmente ensinados, as pessoas precisam conhecer os motivos pelos quais existem. Sem isso pouco importa dizer que elas precisam agir moralmente, elas pensarão em seus benefícios imediatos. Não entenderão que seu benefício momentâneo significará prejuízo para todos, inclusive ela mesma no futuro. Sem se dar conta dos males, provavelmente continuará praticando os atalhos e arranjos do benefício espúrio. Além disso, mudam a vida e os costumes, os valores precisam se adaptar à nova realidade social. Isso é a atualização dos valores a que Miguel Reale denominava de invariantes axiológicos e não será admitida sem entendimento das razões.
Daí as críticas que fiz à reforma de ensino porque, entre outras simplificações, ao retirar a disciplina Filosofia do currículo obrigatório, tirou dos jovens a oportunidade de discutir, de forma qualificada, os costumes e seus fundamentos. A questão, porém, não se resume a isso, não parece possível ensinar ciência dissociada da tradição humanística do ocidente sob pena de nos afastarmos dos valores da cultura, do mesmo modo que não se pode ensinar humanidades separadas da ciência moderna. E essa terá esse problema, apesar da propaganda simplória e cara na qual o governo gasta mal o dinheiro da sociedade. Essas coisas pioram quando se leva para o Ministério da Educação alguém que não é professor e não conhece a atividade pedagógica. Já tivemos outros exemplos de políticos ou economistas na pasta da educação, como o famigerado Paulo Renato de Souza, que mesmo mistificado pela mídia paga, não deixou um único trabalho sobre o ato e o significado de ensinar e, depois de sua morte, ocorrida há alguns anos, não houve um único estudo sério sobre suas ideias pedagógicas, concordássemos ou não com elas. É um desastre para um povo quando suas elites, no caso a política, se comporta desse modo. E não parece que a nossa elite econômica seja melhor que ela.
Porém, nossa atenção está voltada para a Previdência, que ocupará o noticiário nacional nas próximas semanas. Não há dúvida que ela é necessária porque a população brasileira está envelhecendo e esse é um problema comum de vários países. Todos os países mais desenvolvidos, cuja pirâmide etária tem as características que a nossa pirâmide terá em poucos anos, têm aposentadoria prevista para depois dos sessenta anos. Porém, esse é um assunto duro, difícil, sua condução precisa ser feita por um governo capaz de olhar os olhos da sociedade e dizer, assim precisa ser feito por tais motivos. E a sociedade acredita por que seus políticos são austeros (econômicos), não desviam dinheiro do Estado, não se envolvem em corrupção (são honestos), não se enriquecem ilicitamente. A sociedade acredita porque sua elite econômica não deve nada aos institutos de Previdência (ela não vive no luxo às custas do sacrifício dos mais pobres) e, portanto, o modelo previdenciário precisa mudar porque não se sustenta. O povo acredita nesses líderes porque sente que eles pensam no povo, pensa seu futuro, pensa sua posição no mundo e lhe diz a verdade (veracidade). Se a mudança, que precisa ser feita, vem de um grupo sem os valores necessários para cobrar sacrifícios, receberá do povo o repúdio e a recusa. Se esse povo precisa pagar dois estádios de futebol para ter um, duas estradas para ter uma, duas hidroelétricas para ter uma, a falta de legitimidade moral desse governo que sobrevive nesse estado de coisas, se torna o obstáculo para organizar o Estado, as contas públicas e definir o futuro desse povo. Política é futuro, política é administrar interesses, política é gerir com eficiência. Nada virá sem respeito a princípios morais que hoje em dia temos como essenciais para o funcionamento da vida pública.

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