Certo periódico colocou em evidência a
jovem esposa do Vice-Presidente da República. Desde então as redes sociais não
perdoaram a míope perspectiva da reportagem e as críticas se multiplicaram. E
já saiu de tudo, de cachorrinha vestida de madame a madame vestida de prostituta, de estudante na
balada à celebração nos bares, todas as imagens e vídeos ostentando a
maravilhosa epígrafe da reportagem: bela,
recatada e do lar.
É evidente que as referências da
reportagem à Marcela Temer são de extremo mau gosto, pois expõem aspectos da
sua intimidade que ela, recatada, não gostaria e nem precisariam vir a público,
mesmo sendo os personagens, ela e o Vice-Presidente Michel Temer, figuras
públicas. Além do mais, ela pode escolher como deseja viver e espero que seja feliz
com sua escolha.
Um dos aspectos mais fascinantes da
existência humana é que vivê-la é a realização de um sentido, de um caminho
existencial singular, que cada um escolhe na circunstância em que se encontra.
Na principal obra da primeira fase de sua reflexão filosófica intitulada La Meditación del Quijote, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955)
considera a questão do sentido como identificadora da vida humana. Conforme se lê
em Ortega, a vida como realidade
metafísica, texto publicado na Revista
Trans/form/ação, Marília, 38
(1), 167-186, jan./abr. 2015: "Daí a caracterização da vida como o grande
problema a ser desvendado. (...) Viver é realizar um programa, um destino,
desenvolver um projeto vital num mundo que se encontra aí. (...) Assim, a
característica principal da ontologia raciovitalista é conceber a vida como
tarefa de vencer a circunstância no quanto ela impede a realização do projeto
vital. A ação guarda uma fidelidade ao núcleo interior do sujeito que o filósofo
formula como obrigação ética (p. 171).
Ao expor a esposa do Vice-Presidente a
uma situação que ela certamente não desejaria e apresentá-la como ideal de mulher,
o periódico revelou não só miopia de perspectiva, mas a mais completa
imbecilidade.
Infelizmente não há outra palavra para
qualificar a reportagem. Primeiro porque esse modelo de mulher, nada contra
ele, não é mais a realidade da maioria absoluta das mulheres de nosso século.
Essa realidade de todo o mundo não é diferente no Brasil. Hoje em dia a mulher trabalha
fora, estuda, faz mil atividades e muitas brasileiras, dizem as pesquisas do
IBGE, são chefes de família. São mulheres que ganham a vida trabalhando, além
de atender às tarefas domésticas. Segundo, porque revela desconhecer o processo
histórico pelo qual passou a sociedade no século passado, quando a brutal crise
de cultura, as dificuldades econômicas, o desemprego em massa, as Guerras
Mundiais e a vida convertida em tragédia exigiram novas considerações sobre a
vida humana que não só superou escolas filosóficas e crenças em vigor, como
mudou completamente a vida das pessoas e o papel da mulher na sociedade.
Terceiro porque o tipo de vida da jovem esposa do Vice-Presidente somente pode
ser desfrutado por uma minoria ínfima de mulheres de uma classe social
privilegiada.
Se se tratou de estratégia jornalística
para vender revista na verdade expôs o despreparo profissional e a falta de
inteligência desses representantes da direita que, desde que apontaram Paulo
Renato de Souza como notável educador, não se cansam de demonstrar
incompetência e burrice. Cada dia o periódico se supera na incapacidade de
defender, com elegância e inteligência, as teses do conservadorismo que
representa. A lamentar o fato: para um debate político qualificado é preciso
expor com qualidade as teses e posições políticas, o que não é o caso da
reportagem em questão.