Por ocasião do lançamento no Brasil do livro “Fernando Pessoa – Uma quase Autobiografia, da autoria do pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, proponho uma reflexão sobre este magno pensador da língua portuguesa.
Fernando Pessoa brinca com as palavras. Empilha-as, dá um piparote na base, desanda. Ajeita de outra forma, como dominó, empurra a primeira e todas as demais, uma a uma, vão caindo. Inverte-as, troca sujeito e predicado, muda o verbo de lugar.
Mas nesse jogo de palavras, não se enganem, ele vai desenvolvendo idéias, lógicas, antinomias, contradições profundamente profundas. É preciso estar atento porque as idéias, aos borbotões, vão emergindo e imergindo no quase, no tudo e no nada. As idéias, sub-repticiamente, se encaixam umas às outras formando aquilo que se chama sistema. O sistema de Fernando Pessoa é um modelo sui generis - é genuinamente português. Não se encontra desenvolvido em premissa maior, menor e conclusão. É como a realidade, na qual está tudo sintetizado no difuso. A realidade do mundo não é cartesiana, mas um conjunto de elementos aptos a formarem uma realidade. É mais Heráclito que Aristóteles.
Fernando Pessoa ri sofrendo sentimentos, pensa a ilógica do pensamento racional. Ora está fora, ora dentro. Olha, olha-se, é olhado. Ele é a serenidade, a provocação, o silêncio humilde. Está ajoelhado, te bate no rosto e chora. É verme, humano e divino. Ele é alma do povo português. A Tabacaria é um protótipo.
Quem diria que do Condado Portucalense, D. Afonso Henriques fundaria um dos maiores impérios culturais do planeta? E é por isto que Portugal ficou grande na história, pela ciência e cultura. Seus cientistas e navegadores, conhecedores e desbravadores dos mares, levavam para onde iam – África, América e Ásia - o que havia de melhor na Europa. Fundavam núcleos coloniais, cidades e até nações. E neles implantavam e difundiam a cultura européia e junto com ela a religião. Houve excessos, com certeza, na mesa portuguesa. Mas houve acertos e a maioria não quer, atualmente, ter continuado na situação em que estava antes da colonização portuguesa. Não se pode julgar todo o passado com a visão do presente. Parece, por isso, que o saldo é positivo em relação a acertos e erros. E de todos os acertos, penso, pelo que consegui captar por intuição espontânea, a maior glória de Portugal é o Brasil cultural, sem desmerecer outros núcleos. Ao Brasil transmitiu uma cultura, a da língua portuguesa – a última flor do Lácio - língua de Camões e agora de Fernando Pessoa. Com esta língua o Brasil faz cultura, tem poetas como Castro Alves, tem literatos como Machado de Assis e José de Alencar, contribuindo “pari passu” com cultura da língua.
Fernando Pessoa nos deixou cedo, com 47 anos, ele e o séquito de todos seus heterenônimos, a começar pelo “drama em gente”. E a amada Ophelia? Com certeza lhe vinha à mente estes versos vendo seu amado sem vida:
Alma minha gentil que te partiste
Tão cedo deste vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.