sábado, 16 de fevereiro de 2019

O tempo das fake news, o avanço da antifilosofia. José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei



Desde o século passado, autores como o espanhol José Ortega y Gasset comentam a crise da cultura ocidental, associando-a à emergência de uma sociedade de massas. Trata-se de uma sociedade baseada na superficialidade das análises vindas da petulância do especialista, que se comporta como sábio em assuntos que ignora; na infantilidade desse homem-massa comparado à criança mimada, pois quer o que sabe que não pode e da preguiça desse mesmo homem, que julga que o mundo está aí pronto para ele gozar sem esforço.
No livro Ética (São João del-Rei, UFSJ, 2010) pude comentar que as coisas pioraram recentemente, pois o homem-massa de hoje, sem perder as características descritas por Ortega, também se tornou um hedonista compulsivo, desejoso de gozar a qualquer preço e descomprometido com a liberdade responsável. Ele não se preocupa em descobrir o sentido de sua vida, mergulhando na frustração existencial de uma vida sem sentido, que o psiquiatra Viktor Frankl associou à violência, drogadicção e depressão.
Creio que há ainda um outro aspecto desse personagem que é o de haver se tornado um grande mentiroso. Mentiroso é o homem-massa que incorporou o que Karl Jaspers denominou de espírito antifilosófico, isto é, aquele que vive pela mentira e a proclama. Porque justamente a Filosofia se desenvolveu conclamando as pessoas a amarem a verdade, pois era a principal condição para filosofar. Jaspers considerou que o mentiroso vive no espírito da antifilosofia. Esse inimigo da filosofia, ele diz em Razão e Contrarrazão no nosso tempo (JASPERS, s.d., p. 87/8)): “está decidido a nada saber da verdade, é o espírito antifilosófico, sob o rótulo do verdadeiro, exalta tudo quanto contradiz, menospreza e desnatura a verdade.” Nesses tempos de redes sociais e fake news as palavras de Jaspers soam com uma atualidade e veracidade assustadoras (id., p. 88): “a sua violência impede qualquer exame refletido. Abre a porta ao arbitrário, interdiz o domínio do indivíduo sobre si próprio. O seu capricho prefere à seriedade uma afetividade apaixonada e movediça. Faz do incrédulo um fanático imbuído de convicções enganadoras, para depois o deixar novamente cair no niilismo.” Esse homem não preza a procura da verdade, faz vistas grossas a suas limitações, age de modo dogmático e interesseiro. Jaspers lembrou que (id., p. 90): “a corrida para o abismo começa a partir do momento em que é traída a simples verdade.”
 A vida na mentira encontra-se em O homem e a filosofia (CARVALHO, 2018, p. 115) “não tem como ser saboreada, (...), nem parece boa quando se abdica de pensá-la. Quando pensa sistematicamente na verdade, modifica seu entorno e a si mesmo. O pensamento torna as realidades experimentadas mais evidentes, filosofar faz a vida mais séria, embora não mais pesada.”
Pelos males que o espírito antifilosófico promove para a sociedade humana creio que é preciso recuperar o compromisso com a filosofia e a verdade (ibidem): “O renovado chamado a pensar filosoficamente renasce hoje em dia do desamparo pessoal e da crise de civilização, que surge quando tudo perde a evidência e é preciso reatar o compromisso com a verdade. Não podemos viver na ignorância e na falta de significado para a vida.”
E a procura pela verdade filosófica provoca a renovação, ela reaparece na fidelidade com que se procura respostas para os novos problemas. Essa é uma procura permanente pois não pode ser alcançada completamente, a história da filosofia é a história da continua pergunta pela verdade. E a abertura à verdade parece ser um dos maiores desafios nesses dias de fake news.


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