Desde
o século passado, autores como o espanhol José Ortega y Gasset comentam a crise
da cultura ocidental, associando-a à emergência de uma sociedade de massas.
Trata-se de uma sociedade baseada na superficialidade das análises vindas da petulância
do especialista, que se comporta como sábio em assuntos que ignora; na
infantilidade desse homem-massa comparado à criança mimada, pois quer o que
sabe que não pode e da preguiça desse mesmo homem, que julga que o mundo está
aí pronto para ele gozar sem esforço.
No
livro Ética (São João del-Rei, UFSJ,
2010) pude comentar que as coisas pioraram recentemente, pois o homem-massa de
hoje, sem perder as características descritas por Ortega, também se tornou um
hedonista compulsivo, desejoso de gozar a qualquer preço e descomprometido com
a liberdade responsável. Ele não se preocupa em descobrir o sentido de sua vida,
mergulhando na frustração existencial de uma vida sem sentido, que o psiquiatra
Viktor Frankl associou à violência, drogadicção e depressão.
Creio
que há ainda um outro aspecto desse personagem que é o de haver se tornado um
grande mentiroso. Mentiroso é o homem-massa que incorporou o que Karl Jaspers
denominou de espírito antifilosófico, isto é, aquele que vive pela mentira e a
proclama. Porque justamente a Filosofia se desenvolveu conclamando as pessoas a
amarem a verdade, pois era a principal condição para filosofar. Jaspers
considerou que o mentiroso vive no espírito da antifilosofia. Esse inimigo da
filosofia, ele diz em Razão e Contrarrazão
no nosso tempo (JASPERS, s.d., p. 87/8)): “está decidido a nada saber da
verdade, é o espírito antifilosófico, sob o rótulo do verdadeiro, exalta tudo
quanto contradiz, menospreza e desnatura a verdade.” Nesses tempos de redes
sociais e fake news as palavras de Jaspers soam com uma atualidade e veracidade
assustadoras (id., p. 88): “a sua violência impede qualquer exame refletido.
Abre a porta ao arbitrário, interdiz o domínio do indivíduo sobre si próprio. O
seu capricho prefere à seriedade uma afetividade apaixonada e movediça. Faz do
incrédulo um fanático imbuído de convicções enganadoras, para depois o deixar
novamente cair no niilismo.” Esse homem não preza a procura da verdade, faz
vistas grossas a suas limitações, age de modo dogmático e interesseiro. Jaspers
lembrou que (id., p. 90): “a corrida para o abismo começa a partir do momento
em que é traída a simples verdade.”
A vida na mentira encontra-se em O homem e a filosofia (CARVALHO, 2018,
p. 115) “não tem como ser saboreada, (...), nem parece boa quando se abdica de
pensá-la. Quando pensa sistematicamente na verdade, modifica seu entorno e a si
mesmo. O pensamento torna as realidades experimentadas mais evidentes,
filosofar faz a vida mais séria, embora não mais pesada.”
Pelos
males que o espírito antifilosófico promove para a sociedade humana creio que é
preciso recuperar o compromisso com a filosofia e a verdade (ibidem): “O
renovado chamado a pensar filosoficamente renasce hoje em dia do desamparo
pessoal e da crise de civilização, que surge quando tudo perde a evidência e é
preciso reatar o compromisso com a verdade. Não podemos viver na ignorância e
na falta de significado para a vida.”
E a procura
pela verdade filosófica provoca a renovação, ela reaparece na fidelidade com
que se procura respostas para os novos problemas. Essa é uma procura permanente
pois não pode ser alcançada completamente, a história da filosofia é a história
da continua pergunta pela verdade. E a abertura à verdade parece ser um dos
maiores desafios nesses dias de fake news.