sexta-feira, 20 de julho de 2018

A fragilidade do discurso político, outra marca da crise atual.José Mauricio de Carvalho – Academia de Letras de São João del-Rei



















Desde meados do século passado se fala em crise, mas as pessoas geralmente pouco refletem sobre ela. Nota-se a perda dos valores de humanidade e de outros elementos culturais que serviam de referência para viver e alimentava a esperança no futuro, mas a sensação é imprecisa. A discussão da crise migrou dos livros de literatura e filosofia para os consultórios onde impera a depressão, a drogadicção e a falta de sentido. Os filósofos tentaram entender a crise. Perguntaram: crise de que? De ciência e de humanidade, disse Husserl; de crença acrescentaram Buber e Ortega y Gasset. Esse último falou mais: crise de massas superficiais e sem excelência; de valores, ensinaria Scheler; de orientação, preferiu dizer Karl Jaspers; de autenticidade, emendaria metafisicamente Martin Heidegger; crise de liberdade, avaliava Jean Paul Sartre; do que fazer na história entendeu Sören Kierkegaard; de um mundo que matou Deus, escreveu Friedrich Nietzsche; crise pelo ocultamento de Deus, retificou Martin Buber. Tudo para dizer que viver ficou difícil. Viver nunca foi fácil, mas nunca foi tão perigoso. O perigo é do homem se perder sem humanismo, sem cultura, sem sentido. Pois bem, é preciso aprender a viver nesse tempo de massas superficiais. Esse tempo produziu uma sociedade 'leve', 'líquida', 'fluida' resumiu Zygmunt Bauman, um tempo de rápidas mudanças e ausência de referências humanistas. Bauman resumiu a vida desses dias: fortaleceu-se a competição em detrimento da solidariedade, enfraqueceram-se os sistemas de proteção social e a proteção do trabalhador, os fracassos foram atribuídos apenas aos indivíduos, reduziu-se o planejamento de longo prazo e o poder econômico se afastou da política. O resultado é um homem perdido e infeliz. Não é à toa que as drogas se tornaram um flagelo, a ideia de que é preciso buscar o prazer rápido, ilusório e irresponsável, do que a droga é exemplo, prosperou sobretudo entre os jovens. E além da falta de referências culturais, da falta de esperança no bem, da perda de valores humanos, em alguns países de baixa escolarização como o nosso, emergiu a estranha combinação de liberalismo conservador e fascismo político. Para propor esse modelo seus representantes apostam na imbecilização da política, o que é facilitado pela esquerda cega que, ao invés de fazer mea culpa pelos erros recentes e reconstruir um projeto político factível, insiste em se manter de costas para a lei e a moralidade. Liberais consequentes e respeitosos do estado de direito sumiram e levaram junto os sociais democratas respeitáveis. E por último, essa massa desprovida de inteligência que ocupa as redes sociais e como parte dessa onda imbecil decidiu atacar as universidades e seus intelectuais mais notáveis em todo o mundo, como se propor uma sociedade menos desigual e generosa fosse absurdo. Nas universidades e fora delas há intelectuais mais à esquerda como há outros mais à direita, isso nunca impediu a prática ou o debate político. O problema atual é outro: a imbecilização do processo. A falta de coerência e superficialidade das ideias provoca absurdos como a identificação de humanismo e comunismo estatizante, a mistura de fascismo e liberalismo, alimenta o engano e a corrupção. Essa época de muito marketing e pouca inteligência misturou direita e liberalismo, na ilusão de que é possível o máximo de liberdade econômica com o mínimo de liberdade política e desrespeito ao estado de direito. Hoje a essa combinação idiota se acrescenta a falta de consistência da ideia de nação, isto é, a ausência de preocupação com as bases das sociedades nacionais, recuperando seus elos mais fracos. A superação dos problemas do nosso país e mesmo de problemas mundiais como a preservação da natureza e a redução do uso das drogas alucinógenas passa pela superação da fragilidade do debate político e pela renovação da vida nos estados nacionais. O processo eleitoral que se aproxima é boa oportunidade de limpar a política dos idiotas, dos enganadores e dos ladrões.

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