sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Brasil e Democracia. José Maurício de Carvalho.



Delfim Santos - filósofo portugês

O processo eleitoral terminou muito bem, depois de caminhar não tão bem. Tivemos uma eleição tranquila, o candidato Aécio Neves, com a elegância que lhe é habitual, cumprimentou a Presidente eleita e lhe desejou sorte, ela agradeceu o reconhecimento da maioria, convidou a oposição ao diálogo e entendeu que precisa melhorar a administração do país. Terminamos o pleito como as boas democracias, embora o debate político não tenha tido a qualidade que desejaríamos.
Disse certa vez o filósofo português Delfim Santos sobre os pleitos eleitorais: "A democracia é uma forma de governo e uma nação é democrática quando o respectivo partido (vencedor nas eleições) tem o poder" (Obras Completas, v. I, 1982, p. 39). Vencida a etapa eleitoral, fica para o nosso futuro o aperfeiçoamento do debate político. Ele deverá ser realizado em torno a pontos definidos dos programadas partidários, marcando as posições diferentes sobre os diferentes assuntos. Assim qualificaremos a política, fornecendo sua prática a antevisão do futuro, uma espécie de antecipação do destino nacional. Sem debate político qualificado não temos uma democracia que satisfaça seus membros, pois o que vence num processo eleitoral são teses e não pessoas.
A democracia liberal que adotamos é o regime da liberdade na escolha dos governantes, mas ela não só assegura a escolha pela maioria dos seus dirigentes,  também exige do vencedor o respeito as leis em vigor (estado de direito), à independência dos poderes e ao funcionamento das instituições, em suma, o convívio pacífico e o respeito às minorias na forma da lei. Ninguém está acima delas, se alguém a descumpre deve pagar na forma que a lei estabelece, seguido o ritual estabelecido.
Na hipótese contrária, isto é, se a minoria impor, por caminhos diferentes do voto, (incluídas todas as formas de violência) suas escolhas ou seu programa de governo, passaremos a um regime de autoridade, que nega os fundamentos da liberdade e do mercado. É necessário que isso fique claro. Um regime de autoridade é negação da vida e da luta permanente que a vida faz de adaptação à circunstância e aos problemas.
Não custa lembrar nessa hora pós eleitoral o jurista paulista Miguel Reale. Ele advertia em seus muitos trabalhos, que o liberalismo não é apenas expressão do capitalismo, pois a liberdade econômica por si só não assegura o bom funcionamento do mercado. Além disso, não se pode deixar de lado a liberdade dos menos favorecidos, para que possamos falar verdadeiramente de liberdade positiva. Parece que foi o que também quis dizer Tancredo Neves em lindo discurso de boas vindas feito para os pracinhas no final da Segunda Guerra. Nele Tancredo dizia que eles haviam lutado e vencido pela democracia e pergunta: por qual democracia nossos irmãos arriscaram suas vidas? E dá a seguinte resposta: "pela democracia social e econômica, em que todos quaisquer que sejam as suas origens, o seu credo e a sua cor, seja assegurado, segundo as suas aptidões, a igualdade de oportunidades em busca da felicidade. A democracia do ensino gratuito em todos os graus, inclusive profissional. De uma completa assistência médica e hospitalar para todos os que dela carecem e não possam arcar com as despesas. A miséria é uma afronta aos povos cultos" (São João del-Rei, O Correio, 04.10.1945).
Não há como gozar dos benefícios da democracia e não respeitar suas condições de existência, pois só se meditamos sobre cada um de seus pontos de sustentação entendemos a razão de todos eles. E na democracia liberal, pelo vínculo à tradição cristã do ocidente, proclama a solidariedade nacional pela qual a vida de alguns não se faz distanciada da vida dos restantes. Nada comove tanto a um estrangeiro do que ouvir de um suíço que eles não admitem ver um compatriota na indignidade.  É esse sentimento de solidariedade nacional que a democracia real cria.
Em razão de esse regime ser o sonho de mais de uma geração de brasileiros, da luta de nossos pais e avós por sua implantação, que hoje precisamos cuidar dele como de uma jóia que herdamos. Uma jóia para se lapidar é verdade, pois a democracia como a vida está em contínuo aperfeiçoamento. No entanto, não faz sentido falar em divisão do país, depois de um processo eleitoral maduro, muito menos em explodir Minas para transformar o Estado numa grande lagoa. Aliás de todas as divisões propostas na Internet, nenhuma corresponde completamente ao último quadro eleitoral. E não custa lembrar que Minas é o coração de ferro do Brasil, não seremos lagoa. Porém nossa água, não se preocupem os paulistas, vamos dá-la de graça se a tivermos, isto é, se acordarmos a tempo de impedir a destruição da floresta amazônica e lutarmos contra o aquecimento global.
Assim, concluído o processo eleitoral é hora de deixar de lado a histeria e voltar à rotina e ao trabalho, à seriedade nos compromissos e no amor a essa grande nação respeitando o grande território que herdamos dos portugueses.
Não seria fora de propósito lembrar de nossa história que o nordeste foi durante os primeiros séculos da colonização a região que mais gerou riquezas, as demais viveram em sua função. E quando o eixo da atividade econômica deslocou-se para Minas devido à descoberta do ouro, os paulistas não só fizeram aqui fortuna, mas construíram uma economia agrícola forte em seu Estado para alimentar as pessoas que trabalhavam nas Minas. Foi também o que fizeram os tropeiros do sul. Ao ouvir algumas pessoas se pronunciarem na Internet, os comparo ao irmão mais novo que acabando o curso superior e com bela proposta de emprego, vira as costas ao outro irmão arrimo da família que o sustentou e pagou seus estudos e a mãe que sacrificou para lhe dar o carro novo.

O Brasil é uma só e grande nação. Com limites e grandezas compartilhadas. Somos o que somos juntos. Seremos a nação dos sonhos de nossos heróis se os honrarmos no nosso compromisso diário de superar os desafios que a vida traz. E há por certo muito a fazer.

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