O
processo eleitoral terminou muito bem, depois de caminhar não tão bem. Tivemos
uma eleição tranquila, o candidato Aécio Neves, com a elegância que lhe é
habitual, cumprimentou a Presidente eleita e lhe desejou sorte, ela agradeceu o
reconhecimento da maioria, convidou a oposição ao diálogo e entendeu que
precisa melhorar a administração do país. Terminamos o pleito como as boas
democracias, embora o debate político não tenha tido a qualidade que
desejaríamos.
Disse
certa vez o filósofo português Delfim Santos sobre os pleitos eleitorais:
"A democracia é uma forma de governo e uma nação é democrática quando o
respectivo partido (vencedor nas eleições) tem o poder" (Obras Completas, v. I, 1982, p. 39).
Vencida a etapa eleitoral, fica para o nosso futuro o aperfeiçoamento do debate
político. Ele deverá ser realizado em torno a pontos definidos dos programadas
partidários, marcando as posições diferentes sobre os diferentes assuntos.
Assim qualificaremos a política, fornecendo sua prática a antevisão do futuro,
uma espécie de antecipação do destino nacional. Sem debate político qualificado
não temos uma democracia que satisfaça seus membros, pois o que vence num
processo eleitoral são teses e não pessoas.
A
democracia liberal que adotamos é o regime da liberdade na escolha dos
governantes, mas ela não só assegura a escolha pela maioria dos seus dirigentes, também exige do vencedor o respeito as leis
em vigor (estado de direito), à independência dos poderes e ao funcionamento
das instituições, em suma, o convívio pacífico e o respeito às minorias na
forma da lei. Ninguém está acima delas, se alguém a descumpre deve pagar na
forma que a lei estabelece, seguido o ritual estabelecido.
Na
hipótese contrária, isto é, se a minoria impor, por caminhos diferentes do voto,
(incluídas todas as formas de violência) suas escolhas ou seu programa de
governo, passaremos a um regime de autoridade, que nega os fundamentos da liberdade
e do mercado. É necessário que isso fique claro. Um regime de autoridade é negação
da vida e da luta permanente que a vida faz de adaptação à circunstância e aos
problemas.
Não
custa lembrar nessa hora pós eleitoral o jurista paulista Miguel Reale. Ele advertia
em seus muitos trabalhos, que o liberalismo não é apenas expressão do
capitalismo, pois a liberdade econômica por si só não assegura o bom
funcionamento do mercado. Além disso, não se pode deixar de lado a liberdade
dos menos favorecidos, para que possamos falar verdadeiramente de liberdade
positiva. Parece que foi o que também quis dizer Tancredo Neves em lindo
discurso de boas vindas feito para os pracinhas no final da Segunda Guerra.
Nele Tancredo dizia que eles haviam lutado e vencido pela democracia e pergunta:
por qual democracia nossos irmãos arriscaram suas vidas? E dá a seguinte
resposta: "pela democracia social e econômica, em que todos quaisquer que
sejam as suas origens, o seu credo e a sua cor, seja assegurado, segundo as
suas aptidões, a igualdade de oportunidades em busca da felicidade. A democracia do ensino gratuito em todos os
graus, inclusive profissional. De uma completa assistência médica e
hospitalar para todos os que dela carecem e não possam arcar com as despesas. A
miséria é uma afronta aos povos cultos" (São João del-Rei, O Correio,
04.10.1945).
Não
há como gozar dos benefícios da democracia e não respeitar suas condições de existência,
pois só se meditamos sobre cada um de seus pontos de sustentação entendemos a
razão de todos eles. E na democracia liberal, pelo vínculo à tradição cristã do
ocidente, proclama a solidariedade nacional pela qual a vida de alguns não se
faz distanciada da vida dos restantes. Nada comove tanto a um estrangeiro do
que ouvir de um suíço que eles não admitem ver um compatriota na
indignidade. É esse sentimento de
solidariedade nacional que a democracia real cria.
Em
razão de esse regime ser o sonho de mais de uma geração de brasileiros, da luta
de nossos pais e avós por sua implantação, que hoje precisamos cuidar dele como
de uma jóia que herdamos. Uma jóia para se lapidar é verdade, pois a democracia
como a vida está em contínuo aperfeiçoamento. No entanto, não faz sentido falar
em divisão do país, depois de um processo eleitoral maduro, muito menos em
explodir Minas para transformar o Estado numa grande lagoa. Aliás de todas as
divisões propostas na Internet, nenhuma corresponde completamente ao último
quadro eleitoral. E não custa lembrar que Minas é o coração de ferro do Brasil,
não seremos lagoa. Porém nossa água, não se preocupem os paulistas, vamos dá-la
de graça se a tivermos, isto é, se acordarmos a tempo de impedir a destruição
da floresta amazônica e lutarmos contra o aquecimento global.
Assim,
concluído o processo eleitoral é hora de deixar de lado a histeria e voltar à
rotina e ao trabalho, à seriedade nos compromissos e no amor a essa grande
nação respeitando o grande território que herdamos dos portugueses.
Não
seria fora de propósito lembrar de nossa história que o nordeste foi durante os
primeiros séculos da colonização a região que mais gerou riquezas, as demais
viveram em sua função. E quando o eixo da atividade econômica deslocou-se para
Minas devido à descoberta do ouro, os paulistas não só fizeram aqui fortuna,
mas construíram uma economia agrícola forte em seu Estado para alimentar as
pessoas que trabalhavam nas Minas. Foi também o que fizeram os tropeiros do
sul. Ao ouvir algumas pessoas se pronunciarem na Internet, os comparo ao irmão
mais novo que acabando o curso superior e com bela proposta de emprego, vira as
costas ao outro irmão arrimo da família que o sustentou e pagou seus estudos e
a mãe que sacrificou para lhe dar o carro novo.
O
Brasil é uma só e grande nação. Com limites e grandezas compartilhadas. Somos o
que somos juntos. Seremos a nação dos sonhos de nossos heróis se os honrarmos
no nosso compromisso diário de superar os desafios que a vida traz. E há por
certo muito a fazer.