Um fenômeno bizarro durante a pandemia da COVID 19 foi comportamento de alguns profissionais de saúde, especialmente médicos. Enquanto a maioria se dedicava ao enfrentamento da pandemia, colocando a vida em risco diante de uma doença pouco conhecida, essa parcela agiu como quinta coluna. Quinta coluna foi durante a guerra civil espanhola, aquela parte da sociedade que apoiava o general Franco, mas atuava contra suas forças. Deste então, a expressão designa os que atuam, dentro de um país ou região, como colaboradores do inimigo. São, portanto, inimigos dentro das próprias hostes. Pois bem, assim atuou a parte dos profissionais que espalhou fakes news, além dos que bateram palmas enquanto políticos inescrupulosos ensinavam como enfrentar a pandemia, divulgando procedimentos não validados pela comunidade médica.
A ciência moderna possui metodologia própria que protege (JASPERS, Razão e Contra razão em nosso tempo, Lisboa: s.d., p. 38): “contra a tentação de erigir em absoluto um conhecimento particular.” Isso porque (ibidem): “o conhecimento científico vai até onde as categorias e os nossos métodos têm domínio sobre a realidade.”
Um desses exemplos deploráveis, que não se limitou ao Brasil, foi o da médica norte-americana Sherri Tenpenny, conforme noticiou O Globo de 13 de agosto passado. Aquela senhora dizia que as vacinas contra a COVID-19 'magnetizam' as pessoas e as conectam numa 'interface' 5G. Ela espalhou teorias da conspiração, afirmando que as vacinas serviam para estabelecer uma rede de controle da população. Existiram mentiras menos elaboradas, mas com o mesmo potencial destruidor. Entre essas maluquices houve quem espalhasse, por exemplo, que as vacinas transmitiam AIDS, que pessoas adoeciam com as vacinas, etc. Devemos estar alertas pois (id., p. 39): “em matéria de ciência, só uma metodologia consciente me permite saber o que conheço e o que ignoro.”
É claro que agindo segundo critérios não validados, esses profissionais desprezaram, por outros interesses, o resultado de pesquisas sérias e o esforço de colegas mundo afora, o que é inédito na história recente da medicina. Mesmo havendo na sociedade pessoas que se posicionam contra as vacinas e outros procedimentos validados por pesquisas sérias, isso sempre veio de fanáticos ou ignorantes, nunca de profissionais formados. Por isso, uma das medidas mais importantes e sérias, para corrigir essa irresponsabilidade, foi tomada pelo Conselho Médico do Estado de Ohio, Estados Unidos. O Conselho caçou o registro profissional da médica Sherri Tenpenny que espalhou mentiras e teorias da conspiração sobre as vacinas da Covid-19. Além disso, ela atuava dificultando a investigação de seus comentários mentirosos nas redes sociais.
Durante a pandemia, a Sra.Tenpenny mencionou, numa palestra para 350 pessoas, que aqueles que tomavam as vacinas ficavam magnetizados e atraiam objetos de metal. Assim, se fossem colocados colheres e garfos nelas essas peças grudavam, sugerindo que as vacinas tinham algum tipo de imã. Tudo isso sem qualquer base científica ou prova experimental. Uma denúncia no Conselho Médico fez o órgão estudar a sua conduta profissional e, finalmente, caçar seu registro profissional.
Uma atitude ética semelhante dos Conselhos Médicos poderia ser tomada em nosso país contra profissionais que, durante a pandemia, conspiraram contra seus colegas e contribuíram para o alastramento da desinformação. Eles dificultaram o controle da pandemia aumentando os riscos de vida de seus colegas, contribuíram para provocar a morte evitável de milhares de pessoas e aumentaram o sofrimento desnecessário de outra parte. A atitude contrária a procedimentos válidos é grave nessa ciência porque o resultado afeta o homem, o maior valor a preservar (JASPERS, O médico na era da técnica, Lisboa: edições 70, p. 47): “a medicina científico natural vê os fatos: o homem não é apenas animal, mas um ser racional e que(...) pode adoecer.”