Dizer que a vida é simples e
arriscada pode parecer contradição. Não parece que seja, embora a vida tenha
suas contradições. Somos contraditórios quando comemos demais se desejamos
emagrecer, nos esforçamos pouco quando dizemos sonhar com algo difícil de
realizar, magoamos as pessoas que amamos, fugimos do que deveríamos buscar, nos
encantamos pouco com o mundo quando afirmamos querer uma vida boa. Há uma coisa
importante só uma vida meditada pode ser boa, só se conhecemos nossas dores e
construímos um significado para nossa vida ela pode ser levada com leveza, só
se respeitamos os limites de nosso corpo e de nossa estrutura de pensamento
podemos ficar bem. É triste ver hoje em dia tanta gente correndo de um canto a
outro sem projetar seu destino, acreditando em fórmulas mágicas de felicidade
que repetem sem sucesso. É que a vida só pode ser compartilhada aos pedaços,
como realidade inteira só pode ser vivida de modo singular e saboreada como ela
é.
Quando dizemos que a vida é
simples queremos dizer que ela é o que temos de mais intimamente nosso. Vida
entendida como o tecido das nossas escolhas, como o modo como tocamos o dia a
dia. Vida é o que fazemos com o que temos, dizia o espanhol Ortega y Gasset. Simples
assim. Podemos fazer bem ou não as escolhas que definirão nossa existência.
Mergulhados numa situação, numa determinada sociedade, num certo tempo
histórico, com um corpo, com experiências só nossas, com amores, dores e
dúvidas, temos que escolher o que seremos. No entanto, a vida é também
arriscada, como lembra Gilberto Kujawski no seu maravilhoso livro Viver é perigoso (1986) porque nem sempre o que escolhemos nos serve.
“Viver é muito perigoso. Não porque a todo momento surjam perigos na vida, mas
porque a vida em si mesma é muito perigosa. Não que o perigo se acrescente ao
viver, neste é que está o perigo”, diz o citado autor. E é perigosa porque
podemos escolher o caminho de nossa destruição, podemos afundar o nariz na lama
da existência. E temos alta probabilidade de fazê-lo se não nos respeitarmos,
não nos escutarmos, não meditarmos sobre o que somos e queremos ser.
Estatísticas questionáveis dão
conta de que a depressão atinge atualmente vinte por cento da população
mundial, quase um bilhão e meio de pessoas entre os quais quarenta milhões de
brasileiros. O lamentável é que uma grande revista divulgue sem questionar o
número e ainda apresente a cetamina, um anestésico usado há poucas décadas como
droga ilícita, como esperança de cura e felicidade permanente. Este é o mundo
dos sonhos do laboratório responsável pelo remédio e por alguns oportunistas de
plantão, uma realidade irreal como os sonhos de quem exagerar um pouquinho na cetamina.
Depressão é realidade humana dificílima de enfrentar e entender, complexa ela não
se confunde com tristeza ou mesmo com dificuldade de dormir. Depressão é
tristeza profunda um estado de desânimo tal que a pessoa sequer tem forças e
razão para tomar banho ou se alimentar. Muitas
vezes é acompanhada de ansiedade. Há pessoas deprimidas com certeza que precisam
de remédio, mas não só, elas necessitam principalmente de carinho e psicoterapia.
Certamente este número não alcança um bilhão e meio de habitantes da terra. Se
o diagnóstico fosse verdadeiro melhor admitir que nossa sociedade faliu, pois a
população humana nunca esteve assim. Se assim está o mundo hoje, ele precisa de
muito mais que cetamina.
Além da falsa promessa de
felicidade fácil e injetável, há aí o lamentável equívoco de diagnosticar
tristeza e falta de rumo na vida como depressão. É ilusão imaginar que não
precisamos nos ocupar de nossas dores íntimas, não precisamos conhecer o que
nos consome, que podemos viver sem nos ocupar com o que seremos, sem perceber o
rumo de nossa vida tecido pelas escolhas que fazemos.