A
democracia, que parecia ser uma conquista sólida depois das Grandes Guerras do
século passado, passa por maus momentos. Parece que a humanidade se esqueceu do
que fizeram os sistemas totalitários no último século.
Um
sistema político baseado em eleições livres e partidos políticos diferentes
permitiu a alternância de visões de mundo. Isso mostrou, nas últimas décadas, que
a verdade pode ser olhada por diversos ângulos e que o diálogo entre diferentes
é fecundo. A crença numa única verdade já provocou muitos desastres, do
terrorismo ao fanatismo religioso, das guerras terríveis ao massacre dos
inocentes.
Em
nossos dias há um desinteresse pela democracia. A classe média nos países mais
desenvolvidos e mesmo nas nações em desenvolvimento não enxerga benefícios na
democracia, não se sente influindo no destino do país, nem acha que o Estado
garanta benefícios. Isso leva ao crescente desinteresse pelas eleições.
Eleições parecem uma disputa entre personalidades distintas, com pouco
resultado prático na vida. Pessoas de classe média mundo afora não sentem a
vida melhorar com o jogo democrático. Assim vão aderindo às soluções
antidemocráticas sugeridas pela extrema direita que piora muito a sua própria
condição, embora não se deem conta disso.
Além do desapontamento com o papel do Estado,
cresce nessa classe média o medo do estrangeiro e do estranho, assim a corrosão
da democracia e do estado do bem-estar social é alimentado por pessoas que
adotam um (id., p. 16): “quietismo, obscuridade voluntária ou emigração
interior.” Essas pessoas, diante das graves e profundas transformações
culturais, mergulham na própria intimidade ou aderem à soluções anacrônicas. E
aí, vivendo uma espécie da alienação voluntária, sem perceber que não há velhas
respostas para novos desafios, contribuem aderindo ao conservadorismo moral para
o agravamento dos problemas sociais. Por medo do crescente número dos
consumidores falhos desejam um líder forte e autoritário que os defenda.
As
análises de Bauman e Mauro no livro Babel,
entre a incerteza e a esperança relacionam a crise do capitalismo com a
atual onda autoritária. Parece-lhes que a emergência do nazi fascismo foi
alimentada pelos abalos econômicos desde 2008, pelas mudanças no universo do
trabalho, pelas transformações no mundo da economia. Elas modificaram a vida
privada e deram origem a um cidadão perdido e infeliz porque não tem voz e nem
visibilidade social. Nesse espaço social (BAUMAN e MAURO, Babel, entre a incerteza e a esperança. Rio de Janeiro: Zahar,
2016, p. 59): “a democracia econômica abriu caminho a um mercado que é
obscenamente triunfante ... enquanto a ideia de uma democracia cultural acabou
substituída pelo alienante marketing cultural de massas.”
Nesse
modelo político-econômico, que é favorecido pelo nazi fascismo, possui
representantes que apostam na fragilização da política e dos partidos, o que é
facilitado por radicais de esquerda que, tal como eles próprios, insistem em
virar as costas para a lei, para o sistema democrático e para a moralidade. Reações
radicais de esquerda a esse movimento, como a Venezuela de Maduro, também não são
o melhor caminho para os povos.
Nesse
contexto, os liberais consequentes e respeitosos do estado de direito
emudeceram e igualmente se calaram os sociais-democratas históricos, criando um
ambiente propício à emergência de uma nova extrema-direita, com líderes
limitados e populista, passando por cima de um centro calado e uma esquerda democrática
desorientada. Enfim, o pensamento democrático ficou debilitado, fragilizando o
próprio sistema democrático (id., p. 197): “a ignorância política é perpétua a
si mesma, e a corda trançada da ignorância e da inação vem a calhar sempre que
a voz da democracia tiver de ser abafada ou suas mãos forem amarradas.”
Em meio a tantas mudanças, os partidos mais à
esquerda dos países democráticos, bem como o centro democrático, não podem se
descomprometer da democracia e nem de preservar políticas sociais que, se não
são mais como as do século passado, são ainda necessárias para uma sociedade mais
solidária.
As
recentes tentativas de golpe nos Estados Unidos e no Brasil não são fatos
insignificantes. Os inimigos da democracia, do estado de direito e do próprio
pensamento histórico liberal, naquilo que esse último acolheu do humanismo, das
causas ecológicas e da tradição axiológica do ocidente, ameaçam o cerne dos
valores ocidentais. Não se pode esquecer que a democracia ocidental corresponde
a uma democratização da ideias liberais que remonta ao século XVII. O
liberalismo que, no início, limitava-se a representar os ricos proprietários,
percebeu a necessidade de incorporar toda a sociedade no sistema político e
social em benefício de todos. Assim já se sabe que não basta pedir mais
liberdade para o capital deixando-o à vontade como se fosse Deus, em detrimento
das outras liberdades.
A criação de uma sociedade mais solidária não é o
objetivo da democracia, mas esse sistema político é atualmente o único que
permite buscar uma sociedade mais equilibrada, isso porque o sistema (id., p.
83): “é condição necessária à livre discussão pública de certos assuntos –
particularmente o da justiça social e o caráter ético dos assuntos públicos.” Filósofos
como Emmanuel Lévinas, em meio às mudanças hodiernas, apontam lucidamente a
democracia como o caminho mais curto para uma remoralização da sociedade.
Mesmo
sendo difícil construir um mundo menos desigual é preciso ter esperança e
confiança no amor, é possível ter um sentido pessoal e, talvez, aberto ao transcendente
(Deus, humanidade, etc.). É desejável buscar uma sociedade onde a exclusão do
pobre e do diferente não seja a regra e onde o sistema político supere os
radicalismos e assegure a convivência dos diferentes.