O mundo passa por
momentos turbulentos. Revolta no Egito, guerra civil na Síria, manifestações
nos Estados Unidos, no Brasil e na Europa. Não é o primeiro tempo de confusão
da história humana e não será o último, pois vida é processo, não importa se
dos indivíduos ou da sociedade. A realidade onde a vida ocorre modifica-se e a
história é sempre cheia de mudanças. Transmuda-se o ambiente social e se
transforma o espaço pessoal, mudam as condições de vida das pessoas e da
sociedade. Quando isso ocorre pede-se uma nova vida nesse novo tempo.
Se olharmos para as
manifestações podemos identificar uma inspiração comum: o desejo de participar
mais do destino da sociedade, a esperança de tomar nas mãos os fios da história
coletiva. E o propósito do homem de hoje de fazer o futuro da sociedade como se
tece uma malha parece continuidade daquilo que os existencialistas diziam há
algumas décadas. E o que diziam? Que a vida do homem não é cenário já armado, um palco de teatro em que todos têm os
papéis já definidos e cada artista sabe exatamente o que fazer. O artista deve
unicamente representar a história ensaiada à exaustão. A vida de verdade não é
assim, não é uma peça já escrita sem a nossa participação. Nela as escolhas
tecem o destino trazendo o esperado e, muitas vezes, também o que não se
espera.
O que diferencia as
manifestações como a feita ontem nos Estados Unidos em comemoração à célebre
marcha pela cidadania de Martin Luther King e as manifestações no Brasil? Não é
o desejo de viver numa sociedade melhor, sem discriminação social,
economicamente menos desigual, mais tolerante com as diferenças, mais
inclusiva, com governos mais eficientes na gestão da coisa pública. Isso é
comum ao homem de hoje. A sociedade humana, por mais desenvolvida que seja,
sempre terá espaço para melhorar. Parece que nós nunca conseguiremos uma
sociedade perfeita em todos os seus aspectos.
O que diferencia as
manifestações de lá e de cá é a consciência da responsabilidade cidadã com o
bem público. Não faz sentido cobrar o que não se faz. É legítimo exigir que as
autoridades não usem o bem público em benefício privado. Por exemplo, é
legítimo pedir que o governador do Rio de Janeiro não utilize os helicópteros
do estado para levar a família para a praia ou que o servidor público não
receba propina pelo trabalho que realiza e pelo qual é pago. E esse mesmo
direito impõe o dever de fazê-lo conforme prescrito em lei, de não destruir o
patrimônio que é de todos ou é de alguém, mas que seguramente não é só do
manifestante. Inclua-se aí a falta de direito de emporcalhar o ambiente social
e provocar intranquilidade e insegurança.
A notícia da semana
foi a visita da Presidente da República à São João del-Rei para anunciar a
liberação de recursos para recuperar monumentos históricos em mais de quarenta
cidades da federação. A visita foi cortesia da Presidente para com a cidade que
comemora trezentos anos em 2013.
E ali, entre os que
foram agradecer os recursos para os monumentos, manifestantes de preto e suas
bandeiras estiveram agitados. Gritaram, hostilizaram os policiais, ofenderam a
Chefe da República, queriam passar à força pelo isolamento que os policiais
faziam e, entre uma gritaria e outra, comiam bananas. As cascas iam para o chão
da Avenida da pobre tricentenária, fazendo o inferno dos transeuntes e a
tristeza dos garis. E esses jovens, a maioria o era, independente da causa
porque lutam vão perdê-la enquanto quiserem impô-la à força e por não
associarem o direito de protestar ao dever de respeitar o público. Impor à
força o que se julga direito é próprio de radicais que ainda não aprenderam a
viver na democracia representativa. Espera-se que aprendam em algum momento.
Um Estado democrático é não só organização jurídica no
sentido moderno (soberania, povo e território), mas criação de cidadãos que
aprenderam a negociar interesses e respeitar os dos outros enquanto apresentam
os próprios. A democracia moderna vem mostrando que não bastam boas causas,
como viveu o Pastor Martin Luther King, é preciso saber apresentá-las. Há um
modo certo de fazer o que se julga certo para merecer que a causa de alguns
seja de todos. As manifestações mostram que o cidadão deixa de sê-lo quando
adota posições radicais e apela para a violência. Ele perde mesmo a humanidade
quando perde a capacidade de ter e dar razão, por isto Luther King merece nosso
reconhecimento e respeito e sua causa foi incorporada pela sociedade americana.