Está despertando interesse um texto, relativamente
pequeno, de Albert Camus intitulado AOS MÉDICOS DA PESTE. É praticamente
inédito para a maioria das línguas, inclusive para o português.
Camus foi filósofo. Jornalista, dramaturgo. É detentor do
Prêmio Nobel da Literatura de 1957.
Originário de Mondovi, Argélia, durante a ocupação
francesa de 1913. Filho de camponeses ficou órfão de pai na batalha de Marne na
Primeira Guerra Mundial ainda criança. Logo no início as dificuldades
financeiras bateram à porta da casa. Trabalhou em diversos setores como
vendedor, meteorologista, escritório na marinha e na Prefeitura. Para sua
formação em Argel teve a ventura de ter sido ajudado por dois professores.
A PESTE é
considerada sua obra prima. O pano de fundo da obra está envolta na filosofia
existencialista professada pelo autor. Possui um forte conteúdo moral
principalmente no que se refere à solidariedade entre os seres humanos. Ao
tratar da questão da liberdade chama a atenção não só para o livre arbítrio
como a responsabilidade pelos atos de cada um.
Quanto ao texto da EXORTAÇÃO AOS MÉDICOS DA PESTE, 1941,
parece ser uma introdução à obra maior que viria posteriormente: a Peste, 1947.
O livro de Camus A Peste é altamente simbólico e
alegórico. Simbólico por que por trás do texto desenvolve-se a Segunda Guerra
Mundial e alegórico porque pelo conteúdo são analisadas as diversas reações da
natureza humana diante do perigo comum.
Camus imagina ou inventa uma epidemia, em 1940, Oran, na
Argélia. Três personagens são centrais na alegoria: há o médico, Bernard Rieux, humanista, incansável, dedicado, pronto para
sacrificar-se, crendo na natural bondade humana; seu vizinho, Jean Tarrou, que se dispões a
organizar a resistência contra a epidemia; o oportunista, Joseph Cottard, que
aproveita a crise para fazer negócios principalmente de contrabando.
Mas vamos ao texto da Exortação, válido ainda após 75
anos de sua publicação. O Covid-19 reacendeu o interesse de Camus, pois nele dá
principalmente para médios e enfermeiros orientações, avaliações, exortações
para enfrentar o inimigo invisível que pode estar no chão, no ar, nos objetos,
onde menos se espera, como no fôlego do amigo, na sua mão, no seu abraço e
mesmo no beijo.
Diz ele que não sabemos se é contagiosa, mas entendemos
que sim. Por isso, uma das precauções é deixar as janelas bem abertas. Além
disso, munir-se de máscaras e óculos apropriados para evitar o contágio.
Munir-se de tudo o que pode evitar o contato. Cada um tenha cuidado de si não
só para não ser contaminado como para não contaminar.
Deve-se evitar olhar de frente para o contaminado. Não
visitar pacientes em jejum ou depois de alimentar-se demasiadamente. O contato
físico, nem pensar. Descartado “ in limine”. Isto vale, sobretudo para médicos
e enfermeiros.
Se for profissional como médico ou enfermeiro o ponto de
partida é nunca ter medo. O medo infeta o sangue e esquenta os ânimos. Além
disso, numa guerra os projéteis matam tanto os corajosos como os medrosos. Para
que o corpo possa vencer o foco infeccioso a alma deve estar forte. Camus fala:
“Portanto,
vocês, médicos da peste, devem enfrentar a ideia da morte e se reconciliar com
ela, antes de entrar no reino em que a praga o prepara. Se você for vitorioso
nisso, será vitorioso em todas as coisas e os verá sorrir em meio ao terror. Em
conclusão, eles precisarão de uma filosofia.”
Cultivar a alegria razoável de modo que a dor não altere
o fluxo do sangue. Nada em contrário em consumir um vinho em pequena
quantidade. Ajudará a manter o ânimo. Zelar para que as regras adotadas sejam
respeitadas tais como os bloqueios e as quarentenas. A população pede para que
esquecer um pouco quem si mesmo, sem esquecer o que deve a si mesmo.
Armados da firmeza da virtude deve enfrentar o cansaço e
manter a imaginação acesa. Jamais habituar-se a ver os homens morrerem como
moscas, como acontece hoje nas estradas. Não deixar de comover-se diante das
gargantas enegrecidas, das quais emana um suor fétido e sanguinolento.
E arremata Camus:
“A primeira coisa é que você nunca deve ter medo. Homens foram vistos
fazendo seu trabalho como soldados muito bem, apesar de terem medo do canhão.
Mas isso ocorre porque a bala de canhão mata indiscriminadamente os corajosos e
medrosos. Na guerra, muito se deve ao acaso, mas não à peste. O medo corrompe o
sangue e aquece o humor, todos os livros dizem [...] Para que vocês, médicos da
peste, se fortaleçam contra a ideia da morte e se reconciliem com ela, antes de
entrar no reino preparado pela peste. Se você triunfar aqui, triunfará em todos
os lugares e todos verão você sorrir em meio ao terror. A conclusão é que você
precisa de uma filosofia”. (Albert Camus, 1947-
Exortação aos médicos da Peste)
Se quiséssemos fazer uma comparação poderíamos dizer que
o texto se assemelha à Ética a Nicômaco de Aristóteles no trato do profissional
com os pacientes.