A
palavra inicial é de profunda gratidão aos professores Adelmo José da Silva,
Paulo Roberto Andrade de Almeida e Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz,
organizadores de Uma filosofia da
cultura, escritos em homenagem a José Mauricio de Carvalho. Não o havia
feito formalmente até aqui. Gratidão ainda aos outros treze colegas que
completaram os capítulos e resenhas do livro e ao professor Tiago Adão Lara que
preparou a apresentação. Dada a contribuição mais relevante dos colegas foi
generosidade escreverem os capítulos e resenhas desse livro que mostra três
eixos: 1. História da Filosofia
Contemporânea, especialmente a Portuguesa e Brasileira; 2. Ética e Filosofia
Política e 3. Psicologia e Filosofia Clínica.
O
nexo que une os eixos é uma filosofia da cultura, inserida no culturalismo
brasileiro, movimento que nasce do neokantismo e foi desenvolvido em diálogo
com o culturalismo de Heidelberg, que entrou para a história da filosofia como Escola
de Baden. A filosofia da cultura comentada nesse livro tem cinco pontos
fundamentais que foram capturados no capítulo de Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz:
1. A cultura é objetivação de valores, embora produto coletivo ela se
desenvolve e se renova pela ação de pessoas concretas; 2. A Filosofia penetra
nos espaços culturais, identifica os problemas e propõe respostas, trata-se de concepção
entre o neokantismo e as filosofias da existência; 3. Os valores estruturadores
da cultura formam uma hierarquia entorno à pessoa humana que se aprofunda e
ajusta às exigências da vida, mas também expressa um estilo de vida herdado da
moral judaico-cristã, da herança racional da Grécia e da organização
jurídico-política de Roma; 4. Sendo a cultura materialização de valores, o fim da
existência se expressa como moralidade e 5. Se o valor nuclear da cultura
permanece, os demais expressam uma época conforme estejam em plenitude ou ruína,
segundo as palavras de Ortega y Gasset. A síntese desses pontos foi assim capturada
por Mauro Sérgio (2016, p. 121): “O autor compreende que, enquanto vivente, o
homem vai se modificando a partir do que projeta ser, de modo que seu objetivo
é aproximar a função transcendental, inicialmente concebida pelo criticismo
(kantiano), da espessura concreta da existência”. No capítulo que escreveu Anna
Maria Moog também avaliou tratar-se da aproximação entre a perspectiva
existencialista e a ótica neokantiana do culturalismo.
O
livro O homem e a filosofia mereceu ainda
resenha de Leônidas Hegenberg, notável lógico e professor no ITA. Antônio Paim a partir da sua publicação, passou
a falar de uma terceira geração de culturalistas na qual me insere, ao lado de
Ricardo Vélez Rodriguez profundo conhecedor da filosofia brasileira. No
capítulo que escreveu Ricardo Rodríguez, meu orientador no doutorado, fez
brilhante síntese do culturalismo e do trabalho da nova geração de
culturalistas da qual ele é o representante mais ilustre. Sua contribuição principal
está em Tópicos especiais de filosofia
contemporânea onde explica a problemática da cultura, da ciência
contemporânea, da comunicação e da educação. Antônio Paim, por sua vez, estabeleceu
a linha de desenvolvimento do culturalismo dizendo que a primeira geração dos
culturalistas brasileiros foi liderada pelos jusfilósofos Tobias Barreto e
Alcides Bezerra, e a segunda foi formada por Miguel Reale, Djacir Menezes e ele
próprio. Também comenta, no capítulo que escreveu, a proposta de um curso de
filosofia brasileira que está em Curso de
Introdução à Filosofia Brasileira e menciona o trabalho de catalogação da
produção filosófica nacional, tarefa de vários anos de investigação que rendeu os
livros: Antologia do Culturalismo,
onde se encontram textos raros de representantes da Escola e Contribuição contemporânea à filosofia
brasileira, com três edições da EDUEL, a última em 2001.
Nesse
primeiro eixo, ou da historiografia das ideias, quase tudo devo às orientações
de Antônio Paim e Miguel Reale, o primeiro pela organização das ideias e ao
segundo pelo método de investigação. Como observou Anna Maria em seu capítulo, a
contribuição mais significativa dos estudos da filosofia luso-brasileira, além
da catalogação, consiste num novo esquema interpretativo para o desenvolvimento
da moralidade luso-brasileira da renascença ao século XVIII. Até então se
distinguia dois ciclos: um barroco, que incluía parte dos séculos XVI e XVII e
um segundo que ia até meados do século XVIII. Ao propor uma divisão em três
ciclos tornou-se possível uma melhor compreensão do que se passava no Brasil,
normalmente denominado de saber de salvação, que estava mais próximo do segundo
ciclo português, embora estivesse cronologicamente ocorrendo durante o terceiro
ciclo, mas do qual não se aproximava na mentalidade e problemas considerados.
Além de esclarecer o fundamental da hipótese de Caminhos da moral moderna, a experiência luso-brasileira, Anna
Maria resumiu a questão e concluiu (2016, p. 114): “na compreensão de José
Mauricio, a tipificação do saber de salvação só se aplicaria ao que se passou
no Brasil colônia, mas é pobre para referir ao que se passava em Portugal no
mesmo período”. Esse livro comentado por Anna Maria foi trabalho de pós-doutorado
feito sob orientação de José Esteves Pereira. No capítulo que escreveu o notável
professor da Universidade Nova de Lisboa também analisou esse livro. Ele fez uma
síntese do pensamento português, enriquecendo o que está no livro. Ele apontou
detalhes importantes de como a abertura erasmiana fecundou e modificou o pensamento
moral do período, dando clareza a sua construção lógica. Nesse comentário
lembrou os estudos de José da Silva Dias, seu professor e outro grande conhecedor
da história das ideias em Portugal. E mostrou, além do que havia dito Anna
Maria, que o segundo capítulo onde se examina o legado político pombalino
expresso no código jurídico escrito por Pascoal José de Melo Freire, ganha
clareza com o entendimento ético-jurídico do período, assunto que ele
desenvolveu no seu magnífico livro sobre Antônio Ribeiro dos Santos, tese de
doutoramento, defendida em Coimbra, em 1980. O livro deixa claro que nossas
dificuldades éticas se devem a uma modernização a partir do capitalismo ético
normativo e do idealismo jurídico, com os quais a geração pombalina quis superar
o debate moral. E nesses estudos sobre a filosofia portuguesa também devo muito
a António Braz Teixeira, grande conhecedor do assunto, que sempre comentou as lacunas
em meus estudos com elegância e generosidade.
Como
parte dos estudos sobre o pensamento brasileiro, mas também integrado ao eixo
de ética e política está o livro O
pensamento filosófico e político de Tancredo Neves. Esse livro foi
examinado por Paulo Roberto Andrade de Almeida. Também integra esse eixo o
livro A vida é um mistério resenhado por
Paulo Margutti, onde se estuda o tradicionalismo brasileiro e a contribuição de
Severiano de Resende. Ambos os livros são caros ao coração são-joanense porque resgatam
contribuições de conterrâneos ou pessoas ligadas à nossa terra que se tornaram
figuras nacionais. Na resenha de A vida é
um mistério, Paulo Margutti resume os
quatro ciclos do tradicionalismo brasileiro e mostra a inserção de Severiano de
Resende no último, destacando o estudo que fez dos temas mistério e existência
e a aproximação com as teses de Henri Bergson, hipótese de que desconfia. No
capítulo sobre Tancredo, Paulo Roberto resumiu, com maestria, a trajetória
intelectual de Tancredo que fundamentava a liberdade humana e política na metafísica
cristã. Ele mostra como foi construído o projeto liberal de Tancredo associado
às sólidas noções da democracia cristã. Tancredo também defendeu o estado de
direito, as políticas sociais, justificou teoricamente a opção nacional pela República,
e o papel da religião na vida das pessoas e Estados. Paulo delineou o fundamental
do que está no livro.
Sobre
a tradição filosófica contemporânea, os estudos que dediquei a Ortega y Gasset
e Karl Jaspers foram examinados por vários professores. Antônio Paim fez a
resenha do livro sobre Karl Jaspers, Mauro Sérgio e Constança Marcondes Cesar comentaram
o livro Ortega y Gasset e o nosso tempo. Adelmo José da Silva também comentou os
estudos sobre Ortega. Os trabalhos dedicados aos fenomenólogos portugueses
Delfim Santos e Joaquim de Carvalho foram mencionados no capítulo de Anna Maria
Moog. No cuidadoso comentário do livro Ortega
e o nosso tempo, Constança Marcondes Cesar reconheceu a importância do
autor e as atualizações feitas nos conceitos criados pelo filósofo espanhol, como
o de homem massa.
Nas
resenhas de Mônica Aiub sobre o livro Diálogos
em Filosofia Clínica, de João Bosco Batista a Estudos de filosofia clínica,
uma abordagem fenomenológica ao lado das resenhas de Antônio Paim, à já
mencionada obra Filosofia e Psicologia, o
pensamento fenomenológico existencial de Karl Jaspers e Subjetividade e corporeidade na Filosofia
e na Psicologia estão representados os estudos de Psicologia e Filosofia
Clínica. Fica assinalado nesses e em outros livros não comentados que, por
conta de sua especificidade como técnica psicoterápica, a Filosofia Clínica não
é parte da chamada filosofia prática, em moda na Europa. Ela é uma técnica psicoterápica
próxima as da Psicologia fenomenológica, embora dialogando singularmente com a
tradição filosófica. Como faz a Psicologia Fenomenológica, a Filosofia Clínica
confere destaque à história de vida em circunstância da pessoa. Há ainda o
reconhecimento da singularidade existencial, a abordagem do sentido da vida, a confiança
de que o homem pode reestruturar sua estrutura de pensamento, superando as dores
da alma. São pressupostos que a psicologia fenomenológica buscou na filosofia
existencial. Os movimentos inerciais da estrutura de pensamento recordam os deslocamentos
dos campos da Psicologia da Gestalt, a identificação dos elementos com os quais
cada pessoa aprende a fazer a analgesia da alma e a superar os choques da EP se
aproxima das técnicas da psicologia fenomenológica. Diferenças existem, mas as
psicologias fenomenológicas têm diferenças entre si.
Por
sua vez, as resenhas dos livros Ética,
feitas por Selvino Malfatti, Ética e
Filosofia do Direito, por Arsênio
Eduardo Correia e Mauá e a ética
saint-simoniana elaborada por Shirley Dau integram o eixo de ética e política.
O comentário de Arsênio contempla o principal livro que dediquei a Miguel Reale,
observa o que há de singular no tridimensionalismo jurídico dele e sua
contribuição ao culturalismo. No comentário ao livro Ética, levado a cabo por Selvino Malfatti fica claro que tomamos a
moralidade judaico-cristã como base nos modelos éticos prevalentes no ocidente,
mas que eles também dependem do debate moral da Antiga Grécia e dos jusfilósofos
romanos. Além dessa raiz cultural profunda, Selvino identificou os grandes
momentos do debate ético do ocidente e mostrou que hoje em dia não é possível discutir
valores fora dos procedimentos consagrados pela moral social, laica e
consensual. E concluiu Selvino (2016, p. 151): “Pudemos constatar que a
hipótese de José Mauricio de Carvalho de que um conjunto de valores afetos à
individualidade do homem, também denominados direitos do homem, evidenciou-se
como consciência deles nas diversas experiências do Ocidente. Através de
contínuas assimilações de legados de povos diversos e em tempos históricos
diferentes, a consciência dos valores do homem constitui uma confluência
cultural fazendo parte dos valores da pessoa humana”. Finalmente, na resenha
que elaborou, a Professora Shirley Dau estudou o livro sobre o socialismo de
Saint-Simon e sua repercussão no Brasil. Ela apreendeu tanto a inspiração
culturalista da análise, a interpretação da ideia de história do século XIX, quanto
a inspiração ético-política do socialismo de competência do filósofo francês.
Essa
rápida referência aos capítulos e resenhas do livro é uma forma sincera de agradecer
aos autores e organizadores. Todos os participantes desse empreendimento o
fizeram mais por amizade que pelos méritos dessas teses. Esses livros singelos e
seus problemas nasceram da pesquisa acadêmica que a Universidade Pública
proporciona aos seus docentes. Assim, nesse agradecimento não poderia faltar
uma palavra de gratidão à UFSJ e seus dirigentes, inclusive ao Prof. João Bosco
de Castro Teixeira, Presidente dessa Academia e seu primeiro Diretor. Foi ele também
o diretor no antigo Colégio São João, um espaço inesquecível de cultura,
esporte e amizade, instituto destinado a formar o cristão e o cidadão e onde se
encontram, ao lado da família, as raízes de minha formação humanista e cristã.