Numa postagem anterior discorremos sobre a questão
da desigualdade. Vimos que empiricamente tanto os seres humanos como os demais
são desiguais. E se levarmos para o lado filosófico irá se encontrar a mesma
evidência. É impossível dois seres serem totalmente iguais senão seriam o mesmo
ser. Assim, também os seres humanos são somente iguais na essência e a partir daí
todos se diferenciam e tornam-se desiguais.
Da constatação da desigualdade decorre a diferença
ou vice-versa. Os seres são desiguais por que são diferentes e são diferentes
por que são desiguais. A diferença leva à diversidades de escolhas. Cada um
procurará o que achar melhor para si. Temos então a liberdade de opções. Cada
um pode empenhar-se na busca daquilo que entende que seja o melhor, isto é,
pode exercer sua autonomia diante da ação. Para que possa exercer a autonomia é
necessário que o homem consiga antecipar o futuro, isto é, antever um
determinado objeto, saber o que fazer com ele, agir sobre ele e conseguir o
resultado desejado.
Uma análise filosófica nos revela que somos
seres-para-si, sem auto-suficiência ontológica substantiva, vivendo
gratuitamente cada momento e ao mesmo tempo suspensos sobre o nada. Apesar
disso nosso interior é iluminado por uma consciência. Ao acionarmos a reflexão
tomamos posse de nós mesmos, nossa ilha de subjetividade juntamente com a
liberdade que lhe inerente, rumando na direção do Ser-em-Si-para-Si. Por isso se por um lado estamos presos à
condição animal, por outro estamos livres para o espiritual.
Se houver possibilidade de autonomia, de escolha,
podemos exercer a liberdade e a partir desta há espaço para o ético. Para se
obter um comportamento ético é preciso que o sujeito tenha: a) uma hierarquia de
valores, b) seja fiel a tal hierarquia e c) agir de forma justificável e exemplar.
Na hierarquia de valores, o valor maior e com certeza o valor fonte de todos os
valores é a liberdade. Por isso, dispensa o maior esforço e maior atenção em
surpreendê-la na sua originalidade. O
ato livre acontece na consciência e a condição para que isso aconteça é que
esteja carregado de significado. Isto
implica numa tensão ou pulsão que nada mais é que o desejo. Este, por sua vez
distingue o homem do animal, indo além da simples distinção entre instinto e
razão de Aristóteles. O desejo é peculiar somente ao homem.
Mas qual o objetivo da liberdade? Evidentemente para
estabelecer a justiça. Não falamos aqui da justiça jurídica. Esta é apenas uma
tentativa da justiça como ideal. Esta
significa dar a cada um aquilo que é dele e cada um poder escolher aquilo que o
faz feliz.
Daí que a justiça é visceralmente ética. A definição
dada por Aristóteles é perfeita. Haveria dois vetores de justiça. Um horizontal
que estabelece as relações dos indivíduos entre si na troca de bens e serviços
e outra vertical que estabelece a distribuição dos méritos.
A primeira revela algo extraordinário. A justiça
deve ser exercida num ambiente de liberdade, pois só assim todos podem ser
considerados iguais. Supõe, portanto, relações de pessoas livres e iguais que
contratam livremente entre si. Senão, vejamos o inverso: como pode haver
justiça, isto é, a permuta entre bens e serviços se uma das partes está privada
da liberdade. A que está privada da liberdade será necessariamente explorada,
pois a outra fará as regras que lhe interessar.
Como conseqüência justiça e liberdade sempre andarão
de mãos dadas. A separação das duas significa prisão, servidão ou escravidão.
Quanto mais profundo for o conhecimento e a prática de ambas, maior será a
liberdade e a justiça. Se o ser humano conseguir implantar a plena liberdade
chegará ao ideal de justiça. Neste momento alcança a plena consciência. A
partir de então aquele ser que pendulava entre o nada e o Absoluto é suspenso
por Este e o ser-para-si se juntará ao Ser-em-si-para-Si.